Felicity Bianco era a senhora Barbieri há quase seis anos. Havia conhecido seu marido no primeiro ano da faculdade; ela cursava medicina e ele substituiria seu pai na empresa da família e por isso cursava direito. Ele tinha as garotas aos seus pés, mas não se relacionava com ninguém. Tinha apenas três melhores amigos, Liam Valentim, que era quase seu irmão por crescerem juntos, e Laura e Théo Figueiredo, seus primos, sobrinhos de sua mãe. Ela, ao contrário dele, era bastante popular e tinha vários amigos além dos que fez no primeiro dia de faculdade; Ana Mancini e os irmãos Penélope e Alexander Barone, nos quais cresceram junto dela desde que se conheciam por gente. Havia também a Victória Guedes, na qual a conheceu no último ano do fundamental, e não menos importante, o melhor amigo de seu agora marido, no qual conheceu também no primeiro ano da faculdade. Ela havia feito muitas amizades durante aquele novo ano de sua vida, e por isso era sempre chamada para festas e encontros, mas assim como o moreno de olhos ônix, ela corria de relacionamento; na primeira vez que se relacionou sério, perdeu o namorado por um problema do coração e da última vez que havia tentado novamente acabou se machucando muito, então ela não conseguia confiar no amor ou mesmo nos homens, apenas em seus amigos nos quais a viam como nada mais do que uma “irmã” – mesmo que não de sangue. E por ter passado por tudo que passou que era protegida por cada um deles.
Ela também era órfã. Ambos os pais morreram quando ela tinha apenas dezoito anos. Dias depois de ela ingressar na faculdade. Era para ser uma viagem em família. Tudo tinha sido incrível. Foram os dias mais felizes de sua vida, e teria sido perfeito na ida e na volta se não tivessem sofrido aquele acidente horrível. Ela foi a única sobrevivente. Os três chegaram ao hospital com vida, mas apenas um deles conseguiu sair ileso. Ou quase. Felicity precisou de terapia, e se não fosse pelos pais de sua melhor amiga, Ana, ela não sabia o que teria sido de si pelos próximos anos. Eles a criaram. Como filha. Nunca fizeram distinção dela e Ana. Eles a conheciam desde bebê. Eram muito amigos de seus pais. Felicity era muito grata a eles, por terem lhe dado não só uma casa, mas uma nova família.
Felicity abriu seu coração, mesmo depois de tudo que houve com ela, meses depois. Inacreditavelmente, ele começou a bater novamente, de forma que a deixava com bochechas coradas, as mãos suadas e o corpo trêmulo. Ah, e não podia se esquecer das borboletas no estômago. Ela se recriminou por isso por alguns dias, principalmente porque sabia que assim como ela, Oliver Barbieri corria de relacionamento amoroso; nunca entendeu o porquê, e mesmo curiosa nunca tinha coragem de perguntar para Lucca. Tudo começou depois de uma apresentação pública na qual teve de fazer em frente a todos os alunos do campus. Ela estava passando mal naquele dia, não conseguia nem mesmo ficar de pé por conta de uma febre horrível e acabou por desmaiar quando descia do palco após a apresentação. A sua sorte foi que alguém havia percebido seu mal-estar. O garoto por quem seu amigo loiro de olhos azuis não parava de falar sobre, tentando fazê-la enxergar que eles dariam um belo casal; ele insistia em dizer que eles deviam ter um encontro. E aconteceu. Mas não foi como Liam imaginou, já que foi parar na enfermaria da faculdade. Oliver ficou até que acordasse, foi extremamente gentil e até mesmo a levou em casa. Após isso, passaram a se falar e se ver sempre, antes e depois das aulas, além de se encontrarem no intervalo. Viraram amigos. E ela se apaixonou. Ana havia avisado que ela acabaria se apaixonando, Penélope também havia avisado, mas a jovem de cabelos castanhos com mexas cor-de-rosa não achou que aconteceria porque seu coração estava machucado demais para sentir qualquer coisa por qualquer pessoa. Mas estava errada. Teve de confessar às amigas de que estava errada, pois aquele sentimento que crescia cada vez mais a estava sufocando de tal forma que precisava desabafar. E suas amigas a apoiaram.
Laura dizia que ela deveria confessar seus sentimentos; ela sabia como era sufocante guardar um sentimento por tanto tempo, havia passado por isso durante parte da adolescência, quando finalmente, aos quinze anos, quase dezesseis, confessou ao Liam que gostava dele. E ele acabou aceitando seus sentimentos. Mas Felicity não acreditava que aconteceria o mesmo com ela. Não até perceber os ciúmes estampados nos olhos ônix do Barbieri quando a viu aos risos com um colega de sala, no qual era apaixonado por ela, mas que compreendia que ela nunca poderia lhe corresponder. Eles discutiram, falaram coisas que não deveriam um ao outro, até que o moreno percebeu que estava enciumado e acabou saindo do cômodo no qual estavam a sós – a biblioteca –, a passos apressados. Felicity não ficou chateada, mas apenas por ter percebido o mesmo que ele, e por isso foi para casa com a melhor amiga, toda pensativa, acreditando que havia uma chance. E havia. Ela quase não acreditou quando o orgulhoso Oliver Barbieri se aproximou no dia seguinte, puxando-a para uma das salas vazias, se desculpando pela forma que a tratou e confessando que estava com ciúmes. Jamais o imaginou fazendo isso, mas nem por isso o provocou, principalmente por achar que era a sua chance de confessar seus sentimentos. E desde então estavam juntos. Namoraram, noivaram e se casaram antes de a mulher terminar sua residência.
Eram felizes.
Havia algumas coisas que os faziam discutir, mas nunca iam para o quarto brigados um com o outro.
Até que o sonho deles de serem pais se concretizou, e não muito tempo depois, os destruiu. Felicity estava com apenas seis meses quando perdeu a criança. Era uma garotinha e já tinha um nome e um quarto, todo decorado; o berço havia sido dado pela avó paterna. Ela não sabia lidar com a perda e o marido dela não conseguia ajudá-la. Ele se enfiou no trabalho para correr da dor da perda e ela se enfiou em casa, para sentir a dor. Ela mal saía. Sentia-se sozinha, chateada, irritada, magoada, sem esperanças e isso a fazia discutir com o marido por ele estar sempre trabalhando, o que o fazia discutir por ela estar sempre discutindo por tudo e qualquer coisa. Diziam palavras dolorosas um ao outro e seguiam caminhos diferentes, mesmo que morassem na mesma casa; ela dormia no quarto de hóspedes de frente ao quarto que seria do bebê e ele no quarto de ambos, do outro lado do corredor.
A vida deles desmoronou.
Mas enquanto um conseguia ver que a vida deles não estava mais nos eixos e que algo deveria ser feito, mesmo que aos pouquinhos, para ser resolvido, o outro não conseguia enxergar isso por estar focado na dor da perda de um bebê que já era mais que amado.
Não era a primeira e nem a última vez que tentava dormir durante mais de duas horas por noite. Se sentia cansada, estressada, sem vontade de se levantar da cama. Mas essa última parte era por reviver todos os dias o dia mais triste de sua vida. Não conseguia parar de pensar no ocorrido. Não parava de sentir a falta que seu bebê fazia a ela. Vivia com os pensamentos apenas em sua garotinha. Sim, ela teria uma menina. Uma filha. Se não tivesse acontecido aquele terrível pesadelo. Para ela, era um pesadelo. E os dias se tornavam insuportáveis cada vez mais. Principalmente quando até mesmo a presença de seu marido a irritava. Sim, o homem que um dia amou tanto, mas que não conseguia mais ter um sentimento bom por ele. Talvez por ele ignorar sua dor. A dor dele. O aborto. O quarto que eles levaram dias para montar para o bebê deles. Ele ignorava tudo, inclusive o dia em que a filha deles se foi. Ele não falava nela, não entrava no quarto dela, não sentia a morte dela. Ao menos era o que pa
Estava tão machucada por ter sofrido o aborto que não conseguia ver a dor de mais ninguém, apenas a dela. E o pior é que sabia que havia algo de errado consigo mesma e mesmo assim não conseguia enxergar. Era maior e mais forte, a dor na qual sentia toda vez que pensava em sua garotinha, o que era praticamente 24h por dia. Ninguém sabia o porquê de ficar tantas horas dentro do quartinho de sua pequena, apenas tinha suas opiniões sobre, como por exemplo, se aconchegar a dor ou mesmo no acolhimento do cômodo, mesmo que o bebê dela não tivesse tido o prazer de passar sequer um dia ali. Mas a verdade, era que sentia a filha mais perto de si de vez em quando, e conseguia falar com ela, mesmo que na maioria das vezes, chorasse como uma criança, e mais que isso, de alguma forma, conseguia vê-la. E mesmo sabendo que era loucura, ela gostava daquele sentimento que lhe trazia um pouquinho de paz, pelo menos por um instante. E era por isso que nunca havia dividido aquele segredo com ninguém, pri
Oliver se encontrava em sua sala enorme e aconchegante. Os documentos a frente indicavam que ele tinha trabalho a fazer, e mesmo assim não conseguia se concentrar; viajava mais e mais nos momentos felizes que já tivera com a esposa. Por anos, eles tiveram uma vida feliz apesar das pequenas e bobas discussões. Jamais se imaginou em um momento tão horrível com a mulher que amava. E isso o fez pensar no bebê que nasceria em alguns dias se não estivesse morto. Ele sentia raiva por ter acontecido aquele aborto, sentia raiva por não conseguir nem mesmo adentrar o quarto no qual foi feito com todo carinho para a criança dele e de Felicity, sentia raiva por não conseguir se controlar e acabar brigando com a esposa ao chegar em casa e ouvir todos os insultos que ela tinha para lhe dizer. E a última havia sido a pior. Ela havia o acusado de ter sido o culpado pela perda do bebê deles; ele não estava na cidade no dia e ela esteve por quase cinco dias, sozinha, por conta de uma conferência import
— Você está bem? E ele sentiu raiva ao ouvir aquela pergunta. — O que você acha, Liam? Acabou sendo grosso, mas não era sua intenção, e por isso suspirou. — O que você quer? – Perguntou, mais calmo. Liam pensou duas vezes antes de dizer o que foi fazer ali. Principalmente quando tinha percebido que o amigo não estava bem. O que não era uma grande surpresa. Isso vinha sendo rotineiro. Ele nunca chegava com um sorriso, mesmo que pequeno, nos lábios. Desde que perdeu a filha, ele vinha se estressando mais fácil. E não tinha paciência com ninguém, nem com os amigos, ainda que fizesse todo o esforço do mundo para não jogar sobre os ombros dele, uma culpa que eles não tinham. E os amigos o compreendiam. Apenas isso. Sabiam que ele estava passando por momentos difíceis e precisava de tempo. E de apoio. Sobretudo apoio, porque infelizmente, isso ele não vinha tendo em casa. — Eu estou com seus clientes. O moreno suspirou, bagunçando os cabelos. — Olha, eu cuido disso se quiser. Se
A coisa mais difícil foi chegar em casa. Havia dado algumas voltas pela cidade, tentando encontrar coragem para voltar para casa. Depois de uma conversa que teve com seu primo após despertar de um sono muito bom, diga-se de passagem, percebeu que o melhor a se fazer era tirar um tempo a mais por ali. Quando despertou a refeição estava pronta. Théo era daqueles que gostava de aconselhar as pessoas. E por isso Oliver gostava de conversar com ele. Principalmente quando tudo que ele mais precisava no momento, era de conselhos. Eles conversaram – ele mais que o primo –, jogaram videogame – ideia para que ele não ficasse pensando o tempo todo em seus problemas com a esposa –, e então, descansou mais um pouco. Já passava das 19h quando saiu da casa de Théo, agradecendo por tudo, e quando percebeu, estava dando voltas pela cidade, temendo, pela primeira vez, por algo em sua vida. Não queria estar em casa, muito menos quando sabia que sua esposa estava acordada. Ela odiava estar sozinha, mas o
Oliver saiu do banheiro apenas de toalha, encontrando sua esposa no closet deles ao seguir até lá para pegar uma roupa para dormir. Confortável, já que não se sentia confortável dentro de sua própria casa. Ou quarto. Ou cama. Ao menos a roupa deveria fazê-lo se sentir confortável, afinal. E de repente, antes que pudesse dar algum passo em direção a seu lado do closet, onde se encontravam suas roupas, ouviu um “achei”. Ficou curioso para saber o que ela finalmente havia encontrado. E se recriminou por isso. Nas mãos de Felicity havia uma caixinha na qual havia um colar lindo de ouro branco; havia mandado fazer quando soube que teriam uma menina. Engoliu em seco ao ler o nome na joia. “Lívia” — Por que está pegando isso? Seus olhos finalmente se encontraram, após encontrar sua voz novamente. — É da minha filha. — Nossa filha. – Retrucou. — Eu vou deixar junto de suas coisinhas no quarto. – Respondeu, andando para longe do marido. – Ela vai gostar de ver isso junto aos seus outros
Felicity não soube por quanto tempo ficou deitada de lado, na cama macia, com ambas as mãos abaixo da orelha e os olhos totalmente abertos. Ela não enxergava nada naquele momento, não estava naquele plano, e mesmo assim, podia sentir as lágrimas descendo por seu rosto. Ela não sabia que ainda tinha lágrimas, não quando havia chorado por dias e mais dias, incansavelmente, mas ali estavam elas enquanto pensava em sua filhinha. Tocou a barriga plana, fechando as mãos em cima dela, imaginando como seria se ela ainda estivesse ali. Provavelmente sua vida e a de seu marido não estaria desmoronando da forma como estava. Brigavam todos os dias, e ela sabia que era sua culpa. Mas ela não conseguia se controlar, nem com as palavras, nem com os sentimentos. Estava com raiva. E descontava no único que não tinha culpa. Sua mente sabia que ele não tinha culpa, mas seu coração, ele o culpava todos os dias por não estar junto dela quando escorregou em uma poça d’água no chão da cozinha enquanto lavav
Pelos príximos dias, Oliver aparecia apenas para ver como ela estava, e sempre quando ela estava dormindo. Não queria mais brigas. A observava por horas, e saia de mansinho, querendo evitar que ela percebesse sua presença de alguma forma. Não queria desistir dela. Não queria deixá-la sozinha naquela casa. Mas estava quebrado. Precisava de alguma forma se recuperar ao menos um pouco. Aquela casa, aquela situação, aquelas lembranças, faziam um mal a ele, que ele não conseguia nem sequer imaginar o quanto. Mas podia sentir. Ele não queria causar mais dor em si ou na esposa, então achou melhor dar um tempo de tudo. Théo o recebeu de braços abertos e ele era muito grato. Se não fosse por ele, estaria... em um hotel. Irritantemente sozinho. E mesmo que fosse bom estar sozinho de vez em quando, ainda assim, sentia a necessidade de ter com quem conversar. Liam quase não acreditou quando soube. E mesmo que não estivesse de acordo, não disse uma palavra, e Oliver foi grato também por isso. Não