Capítulo 7

Felicity não soube por quanto tempo ficou deitada de lado, na cama macia, com ambas as mãos abaixo da orelha e os olhos totalmente abertos. Ela não enxergava nada naquele momento, não estava naquele plano, e mesmo assim, podia sentir as lágrimas descendo por seu rosto. Ela não sabia que ainda tinha lágrimas, não quando havia chorado por dias e mais dias, incansavelmente, mas ali estavam elas enquanto pensava em sua filhinha. Tocou a barriga plana, fechando as mãos em cima dela, imaginando como seria se ela ainda estivesse ali. Provavelmente sua vida e a de seu marido não estaria desmoronando da forma como estava. Brigavam todos os dias, e ela sabia que era sua culpa. Mas ela não conseguia se controlar, nem com as palavras, nem com os sentimentos. Estava com raiva. E descontava no único que não tinha culpa. Sua mente sabia que ele não tinha culpa, mas seu coração, ele o culpava todos os dias por não estar junto dela quando escorregou em uma poça d’água no chão da cozinha enquanto lavava a louça, o culpava por não estar em casa para poder levá-la ao hospital a tempo de proteger a garotinha deles, o culpava por ele ter se atrasado e não ter estado ao lado dela quando disseram que não havia mais bebê. 

Estava angustiada, com raiva, sentindo-se sozinha e sabia que isso queria dizer que estava em um estado de depressão, e mesmo assim, não queria sair daquele torpor. Aquele torpor era o que lhe deixava ter sonhos com sua filha, era o que lhe dava a imaginação de que como ela seria, de quem ela puxaria os olhos e os cabelos, de seu sorriso, de ouvir suas primeiras palavras.

Estava doente, era o que sua mente lhe dizia o tempo todo.

Ela não estava raciocinando direito, e mesmo assim, não queria pedir ajuda. Só o que queria era sentir aquela sensação de que seu bebê ainda estava vivo, de que poderia tocá-lo, senti-lo, ouvi-lo. Mas naquele momento, tudo que conseguia era ouvir as palavras de seu marido martelando em sua cabeça. Ele estava sofrendo, assim como ela, e por isso fugia. Fugia da dor, fugia das lembranças, dos pequenos detalhes que o levaria a pensar na filha amada. Ela, ao contrário, se aconchegava cada vez mais em cada pequena coisa que a levaria pensar mais e mais em sua garotinha. Falava com ela, no quarto que seria dela, tocava suas roupinhas, seus brinquedos, e naquele dia, se lembrou do colar especial que seria dela ao nascer. 

Não era justo o que estava fazendo com seu próprio marido, não estava sendo uma boa esposa. Ele já sofria o bastante, e ela, ao invés de ajudar, acabava perfurando ainda mais a ferida, que ao invés de cicatrizar, assim como ele necessitava, acabava por ficar ainda maior, como o dela sempre que se lembrava de que havia perdido sua princesinha. A princesinha deles.

Fechou os olhos, pedindo para dormir e sonhar com sua princesa. 

Fazia dias que ela mal conseguia pregar os olhos, e por isso se levantava tão agitada, limpando tudo que via pela frente, se movimentando o tempo todo, mesmo que estivesse apenas no quartinho infantil. Precisava sonhar com ela, com a imagem do que seria ela caso estivesse em seus braços, sentir seu calor mesmo que só por sonho. 

Mas não foi o que aconteceu. 

Acordou suada, trêmula e ofegante. Havia se lembrado do pior dia de sua vida. O dia em que perdeu filha. A sensação ainda estava por todo o seu corpo, a voz do médico que a atendeu naquele dia ainda estava em sua mente, assim como seu rosto e a sensação que sentiu ao descobrir que sua garotinha não estaria em seus braços em alguns meses.

— Eu sinto muito, senhora Barbieri.

Lágrimas desceram por seu rosto.

— Nós fizemos o possível, mas o bebê não resistiu.

Não conseguia respirar.

— Senhora Barbieri, respire, por favor.

Procurava por ar, chorava, pedia o tempo todo que não fosse verdade, e enquanto isso os médicos se colocavam em sua volta, tentando acalmá-la. Mas a única coisa que puderam fazer foi apagá-la. Quando acordou, Oliver se encontrava ao seu lado, sobre uma poltrona acolchoada; sua cabeça apoiada nos braços que se encontravam apoiadas na cama na qual estava deitada. Voltou a fechar os olhos, querendo se esquecer das palavras do médico, e então novamente adormeceu, e ela gostaria de ficar naquele estado por horas, até que aquela dor que a consumia completamente a deixasse finalmente; mas ela sabia que não aconteceria nem tão cedo.

Como odiava se lembrar daquele dia. Como odiava se ver perdida e dolorosamente abatida. Nem um sono tranquilo ela podia ter. Ela não conseguia adormecer direito desde o ocorrido. Era difícil. Era irritante. A cabeça não parava de pensar em tudo. No dia. Nas palavras. Nos sons. Em seu choro sofrido. Ela se lembrava de tudo todos os dias, toda noite, e por isso não conseguia dormir. E pela primeira vez na vida, ela seguiu para fora de casa, respirando fundo e olhando para o céu, sentindo uma gota cair em sua testa. E mais outra. E outra. E de repente, caía uma chuva forte. E mesmo assim ela não adentrou a casa. Ficou ali, pegando aquela chuva. Era como se o céu também chorasse com ela. Por ela. 

Não podia ficar ali, não conseguia continuar ali. Ela se sentia caustrasfóbica. De repente, era o que sentia. Logo ela, que até então não conseguia deixar a casa dela. Mesmo assim, sabia que deveria voltar. Deveria tomar um banho quente e deitar. Ao menos tentar adormecer, ainda que soubesse que não conseguiria. A voz de sua melhor amiga soou firme em sua mente. E ela entrou finalmente em casa. 

"Você vai adoecer, é isso que quer?"

"Eu tenho meus filhos para me preocupar, Felicity, quer que eu me preocupe ainda mais com você e os deixe de lado porque minha melhor amiga não consegue se cuidar nem por uma única noite?"

Era pesado, mas escutou ela dizer isso em uma das noites que passaram juntas, porque ela adoeceu. Adoeceu porque não conseguia dormir, não conseguia comer e definitivamente não conseguia se levantar da cama para mais nada além de tomar um banho. Ana precisou ser dura pela primeira vez na vida, ao perceber que nada que fazia por sua melhor amiga estava dando resultados. Precisou ser dura, porque ela não escutava ninguém além dela. Então teve que reagir de uma forma que nunca fez ou precisou fazer antes. Não por sua irmã de alma. 

Quando passou pelo corredor, percebeu que a porta do quarto que antes era dela e do marido estava aberta. Percebeu também que a luz estava acesa. E foi só por sua curiosidade, que descobriu que não havia ninguém ali. Em casa, se encontrava completamente sozinha. Como desejou. Ou fez o marido acreditar que era seu desejo. Ele não estava. E algo dizia a ela, que seria assim pelos próximos dias.

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Digitalize o código para ler no App