A coisa mais difícil foi chegar em casa. Havia dado algumas voltas pela cidade, tentando encontrar coragem para voltar para casa. Depois de uma conversa que teve com seu primo após despertar de um sono muito bom, diga-se de passagem, percebeu que o melhor a se fazer era tirar um tempo a mais por ali. Quando despertou a refeição estava pronta. Théo era daqueles que gostava de aconselhar as pessoas. E por isso Oliver gostava de conversar com ele. Principalmente quando tudo que ele mais precisava no momento, era de conselhos. Eles conversaram – ele mais que o primo –, jogaram videogame – ideia para que ele não ficasse pensando o tempo todo em seus problemas com a esposa –, e então, descansou mais um pouco. Já passava das 19h quando saiu da casa de Théo, agradecendo por tudo, e quando percebeu, estava dando voltas pela cidade, temendo, pela primeira vez, por algo em sua vida. Não queria estar em casa, muito menos quando sabia que sua esposa estava acordada. Ela odiava estar sozinha, mas odiava ainda mais quando ele chegava tarde em casa. Na verdade, tudo era motivo para briga. Ele chegava tarde, brigavam, ele chegava cedo, brigavam, e piorava quando ele não fazia seus afazeres de casa. E naquele dia, ele tinha uma louça para lavar na qual provavelmente já estaria nos armários.
Depois de umas boas duas horas vagando pela cidade, finalmente decidiu ir para casa. Sua casa. Se é que podia chamar ela de sua ainda. Deixou o carro no estacionamento, o travou após sair e seguiu até a porta, de forma tão lenta, que ele nem mesmo percebia. Girou a chave e bem devagar, para não fazer barulho, entrou em casa. Seguiu pelo corredor extenso após fechar a porta, retirando os sapatos no meio do caminho, pegando-os com a mão livre. Deixou sua maleta em cima da poltrona, após a luz – na qual acendia quando percebia a presença de alguém –, acender, deu um longo suspiro e então começou a subir as escadas. Ao chegar ao topo, olhou para o outro corredor, se perguntando se “ela” estava dormindo. Suspirou mais uma vez e seguiu para o próprio quarto. De repente ouviu um som irritante, e mais outro e outro, e só soube o que era quando se aproximou de seu quarto. Adentrou encontrando sua esposa, abrindo as gavetas da mesa de cabeceira, parecendo procurar por algo.
— Felicity?
Ela o olhou de soslaio.
— Uau! Um record, você não chegou após as onze.
Ele revirou os olhos, seguindo até sua cama, sentando-se nela.
— O que está procurando?
— Como se realmente se importasse.
Ele a olhou, pronto para retrucar, mas então ouviu as palavras de seu melhor amigo em sua mente, e então respirou fundo.
— Talvez eu possa ajudar.
— Não quero sua ajuda.
Fechou os olhos e balançou a cabeça.
Se controle, se controle, diz mentalmente, várias e várias vezes a si mesmo.
— Eu vou tomar um banho. – Diz para si, seguindo até o cômodo a frente, ainda ouvindo o som irritante de abrir e fechar gavetas.
Oliver passou alguns minutos debaixo daquela água deliciosa; ela tocava seus ombros, suas costas, seu peito, seus cabelos, seu rosto, e de olhos fechados, ele se tentava se concentrar apenas naquela sensação, mas ficava um pouco impossível quando o som de antes, o som de quando entrou em quarto continuava a acontecer. Se ela dissesse o que procurava, se ela pelo menos perguntasse onde estava seja lá o que ela procurava, poderia acabar logo com aquela agonia; tanto dela quanto dele.
Por algum motivo ele se lembrou de sua antiga secretária. Havia a demitido depois de sua falta de profissionalidade. Todos sabiam de sua situação com Sakura, principalmente após uma discussão entre eles na empresa em frente a todos os funcionários e amigos do casal, e por isso a mulher se achou no direito de adentrar sua sala, com uma roupa no mínimo indecente, andando até ele de forma sexy demais para uma “simples” secretária, e não só sentou em seu colo – o que o deixou bem indignado –, como também tentou beijá-lo. E como estava possesso naquele dia por conta de mais uma discussão com sua querida esposa, a humilhou completamente, a expulsou de sua sala e a demitiu por justa causa.
Mas por que se lembrar dessa mulher?
Porque tinha meses que não tocava em nenhuma. Ele sempre teve olhos apenas para a sua amada esposa, mas com tudo que estava acontecendo, estava difícil resistir a alguns olhares, difícil de resistir de olhar para outras, principalmente quando elas estavam com roupas nas quais sua antiga secretária vestia-se no dia em que tentou “conquistá-lo”. Mas é claro que ele não era um traidor. Já foi traído antes. Não faria isso, jamais, mesmo naquelas circunstâncias. Mas era homem, poxa, claro que tinha pensamentos intrusivos. E idiotas. E ele realmente se sentia um idiota quando acontecia. Passava o dia sozinho, ou procurava um dos amigos para lhe fazer companhia e ajudá-lo a se distrair. De tudo e todos, inclusive das mulheres. Principalmente aquelas que já tinham percebido que havia algo de errado entre ele e a esposa, e faziam questão de se insinuar.
Se olhou no espelho por um momento, pensando nas horas que passou fora de casa. Foi um dia razoávelmente agradável. Mas ali estava ele novamente. Tenso. Dentro de sua própria casa. Será que ele se sentiria assim pelo resto da vida. Será que algum dia, sua esposa deixaria aquela amargura de lado e o deixaria se aproximar novamente? Será que eles voltariam a ser o casal apaixonado que sempre foram? Parecia que a resposta era não pela forma como ela vinha sendo "irritante". Sim, muito irritante. E de uma forma que ele nunca achou que ela seria um dia. Seu casamento estava indo pelos ares. Mas ainda assim, ele tinha certeza de que valia a pena lutar por ele. Seu casamento. Porque apesar de tudo, tudo mesmo, ele amava Felicity.
Oliver saiu do banheiro apenas de toalha, encontrando sua esposa no closet deles ao seguir até lá para pegar uma roupa para dormir. Confortável, já que não se sentia confortável dentro de sua própria casa. Ou quarto. Ou cama. Ao menos a roupa deveria fazê-lo se sentir confortável, afinal. E de repente, antes que pudesse dar algum passo em direção a seu lado do closet, onde se encontravam suas roupas, ouviu um “achei”. Ficou curioso para saber o que ela finalmente havia encontrado. E se recriminou por isso. Nas mãos de Felicity havia uma caixinha na qual havia um colar lindo de ouro branco; havia mandado fazer quando soube que teriam uma menina. Engoliu em seco ao ler o nome na joia. “Lívia” — Por que está pegando isso? Seus olhos finalmente se encontraram, após encontrar sua voz novamente. — É da minha filha. — Nossa filha. – Retrucou. — Eu vou deixar junto de suas coisinhas no quarto. – Respondeu, andando para longe do marido. – Ela vai gostar de ver isso junto aos seus outros
Felicity não soube por quanto tempo ficou deitada de lado, na cama macia, com ambas as mãos abaixo da orelha e os olhos totalmente abertos. Ela não enxergava nada naquele momento, não estava naquele plano, e mesmo assim, podia sentir as lágrimas descendo por seu rosto. Ela não sabia que ainda tinha lágrimas, não quando havia chorado por dias e mais dias, incansavelmente, mas ali estavam elas enquanto pensava em sua filhinha. Tocou a barriga plana, fechando as mãos em cima dela, imaginando como seria se ela ainda estivesse ali. Provavelmente sua vida e a de seu marido não estaria desmoronando da forma como estava. Brigavam todos os dias, e ela sabia que era sua culpa. Mas ela não conseguia se controlar, nem com as palavras, nem com os sentimentos. Estava com raiva. E descontava no único que não tinha culpa. Sua mente sabia que ele não tinha culpa, mas seu coração, ele o culpava todos os dias por não estar junto dela quando escorregou em uma poça d’água no chão da cozinha enquanto lavav
Pelos príximos dias, Oliver aparecia apenas para ver como ela estava, e sempre quando ela estava dormindo. Não queria mais brigas. A observava por horas, e saia de mansinho, querendo evitar que ela percebesse sua presença de alguma forma. Não queria desistir dela. Não queria deixá-la sozinha naquela casa. Mas estava quebrado. Precisava de alguma forma se recuperar ao menos um pouco. Aquela casa, aquela situação, aquelas lembranças, faziam um mal a ele, que ele não conseguia nem sequer imaginar o quanto. Mas podia sentir. Ele não queria causar mais dor em si ou na esposa, então achou melhor dar um tempo de tudo. Théo o recebeu de braços abertos e ele era muito grato. Se não fosse por ele, estaria... em um hotel. Irritantemente sozinho. E mesmo que fosse bom estar sozinho de vez em quando, ainda assim, sentia a necessidade de ter com quem conversar. Liam quase não acreditou quando soube. E mesmo que não estivesse de acordo, não disse uma palavra, e Oliver foi grato também por isso. Não
Oliver soube que havia algo de errado no instante em que não a encontrou na cozinha, como sempre, fazendo seus bolinhos, cookies ou seja lá o que fosse que não a deixasse agitada por todo o dia. Era cedo, mas nem tão cedo, e por isso imaginou que a encontraria ali, na cozinha, cozinhando, que era o que ela fazia quando estava com a cabeça cheia. Mas não foi o que encontrou ao entrar em casa. Tudo estava escuro quando subiu as escadas, e foi isso que o fez ficar em alerta pela primeira vez. Estranhou quando não ouviu seus passos ou mesmo seus sussurros; porque ela havia passado a falar sozinha desde que tudo aconteceu. Por um momento imaginou que sua esposa estivesse dormindo, mas passava das 8h e ela ainda não havia se levantado, então era impossível. Havia tido uma noite ruim e acabou se atrasando para o trabalho, mas nem por isso deixou de passar ali para vê-la. Ainda que soubesse que a encontraria desperta. Pela primeira vez em dias. Vários dias. Quinze, para ser mais exato. Seguiu
Oliver estava naquela sala de espera, angustiado, esperando por uma notícia e que ela fosse boa. Após chegar com sua esposa em seus braços, gritando desesperado por ajuda, trouxeram uma maca e a levaram, mas aquele não era o hospital no qual trabalhava Agatha Villela, a médica na qual era a chefe dos residentes sua esposa trabalha — a mesma na qual havia sido de sua esposa em sua residência no hospital Villela —, e por isso ligou para a mulher loira, pedindo para que ela comparecesse e cuidasse de Felicity. Sabia que ela era a melhor e naquele momento ele precisava da melhor. Sentia-se um pouco culpado; talvez, se não tivesse dito todas aquelas coisas, ela não tivesse feito o que fez. Ele só pensava na angústia que foi encontrá-la com o pulso fraco, completamente desmaiada sobre a cama, com aquele vidro com poucos comprimidos dentro. Quantos ela havia tomado? Por que ela faria isso sabendo o quanto era perigoso? No que ela estava pensando... E Oliver, que andava de um lado par
E então, após dizer o nome, desligou. Seus amigos também deveriam saber, mas não conseguiria ligar para mais alguém e falar com sua própria boca, então abriu o WhatsApp, abriu o grupo no qual estavam todos os seus amigos, inclusive sua esposa, e digitou rapidamente onde estava, o que havia acontecido, contou que não sabia nada de Felicity ainda e pediu para que não comparecessem, pois seria muito tumultuado; ele não conseguiria suportar naquele momento de tensão, mesmo que soubesse que os amigos seriam gentis. Prometeu notícias e então desligou a tela, dando um longo suspiro em seguida. Tinha medo do que ouviria dos médicos, mas precisava acreditar de que ela ficaria bem – do que aconteceu a pouco, claro, afinal, ela não estava bem emocionalmente e nem sabia se ficaria se não aceitasse ajuda. Não demorou muito para que seu irmão chegasse. Ele sentou-se ao seu lado e ouviu atentamente a tudo que havia acontecido, e assim como imaginou, ouviu que não era sua culpa. Thomy estava sempre
— Eu sinto muito, ele acabou de se transformar em um staf. — Eu não quero saber dele, ou no que ele se transformou ou não, eu quero saber se posso ver minha esposa. – Diz de maneira grosseira, mas não se desculpou, estava irritado por tudo que aconteceu a pouco e preocupado com a esposa mesmo que dissessem que ela estava bem. — A Villela o acompanhará até o quarto dela. E eu estarei de plantão hoje, então caso precise de mim, é só chamar. — Obrigado. – Diz verdadeiramente, antes de olhar para seu irmão. — Vai lá. Eu vou avisar a nossa família e aos seus amigos que ela está bem. O moreno mais novo apenas balançou a cabeça antes de seguir a médica, na qual conhecia a um tempo já que ela havia sido a chefe de sua esposa na época da residência dela no hospital mais renomado daquele país. A mais velha havia pedido desculpas por sua conduta de a pouco, mas Oliver apenas balançou a cabeça; não estava preocupado com as palavras dela ou mesmo se importando, tudo que ele queria naquele mo
— Sabe o que senti quando entrei no quarto e... – Sentiu o nó de antes na garganta. – E a encontrei inconsciente? Como me senti ao te chamar, várias vezes e você não abriu os olhos? Ela mordeu o lábio, sentindo o choro vir da garganta. — Eu pensei que estava morta, Felicity. — Me desculpa. – Sua voz saiu embargada, assim como a dele a pouco. — Não faça mais isso. – Praticamente implorou. – Apenas... não faça, por favor. O silêncio reinou por um tempo. — Eu não estou bem. – Confessou com os olhos lacrimejados. – Eu não sou a melhor pessoa nesse momento, e não consigo ser quem você precisa. Eu não consigo. Estou destruída, completamente. – Ela deu uma pausa dando um baixo soluço, antes de confessar o que jamais havia o feito para ninguém. – Eu sonho com a nossa filha, eu falo com ela, eu vejo ela, Oliver... Ele engoliu em seco. — E eu sei que ela não está... viva. Mas eu penso que sim, então, acredito que estou muito doente. – Confessou entre o choro. – Então, eu acho, que o