Capt.5

Tropeço num prato de barro cheio de ossos de borrego e estatelo-me no chão batido de terra, a dor no nariz é atroz e levo os dedos à cana a ver se a tinha partido, estou tonto, ajudam-me a levantar:

- Deixem passar, lá para fora, lá para fora a respirar ar puro. - Odoacro e Brigo encostam-me num acento de granito que saia da base da torre. Lá, deixam-me sozinho a recozer as minhas dores, de tronco nu e recebendo a geada no lombo, “filhos da p**a esqueceram-se de mim»! A lua está pálida e encolhida sobre si mesma como que hibernando na letargia da Estação da neve. – Ó da torre! Ó da torre! – o vento frio fustiga-me os ossos afectando-me os pulmões. – Ó da torre! Ó da torre! – nu, no mais desolado cenário montanhês. – Ó da torre! Ó da torre! – creio que chamam, mas será o hidromel a circular no sangue e a pregar partidas ao ouvido? A custo levanto-me dorido e atontado dirigindo-me com cuidado à amurada, enquanto dentro da torre a festa com a gaita-de-foles continuava. Acerco-me espreitando para de lá das ameias. Em baixo, um grupo de trinta cavaleiros olhava cá para cima, com elmos de crina e os raios de lua reflectidos em suas armaduras de escamas prateadas. Permaneciam silenciosos, mirando-me. Arranjo forças para perguntar?

- QUEM SOIS?

-  Avaz, líder do esquadrão alano ao serviço de Réquila, filho do nosso Rex Hermerich. a mando do chefe da guarnição de Olissipo, tenho que entregar alguém ao chefe de Saturnring.

«alguém?! A minha noiva é de Olissipo, a cidade das laranjas e das éguas fertilizadas pelo vento?

- Já lá vou! – grito, enquanto desço as tortuosas escadas e pego nos arreios do garanhão, açoitando ao mesmo tempo na garupa. O cavalo relincha estremunhado e puxa as cordas da  pesada trave da porta abrindo-a. Os altivos trinta cavaleiros alanos vêem um bêbado a cambalear de tronco nu e perguntam-se:

- É este o chefe de Saturnring?

- Onde está a minha noiva? –inquiro, vomitando amarelo para os cascos do cavalo de Avaz, o mesmo trota para trás e o alano controla a montada, dizendo a seus pares que despejem um saco, o mesmo à atirado para o duro chão de pedras, o saco não era mais do que um emaranhado de cobertores de lã com alguém a mexer lá dentro, consigo discernir um tufo de cabelos ruivos.

- Ei, algo está mal! – digo, estranhado e limpando o vómito dos meus lábios com  as costas da mão.

- Missão cumprida homens, boa sorte nobre suevo! – escocearam rapidamente os cavalos e alancaram daqui feitos loucos, fiquei só, com as portas abertas e um saco de pulgas debatendo-se. Dou três espirros e pego no tufo de cabelos, pondo um corpo a reclamar de pé e ponho-o em meus ombros, como se faz com as ovelhas. O corpo começa a amaldiçoar-me numa língua familiar, em cima dos meus ombros.

- Algo está mal.

Entro de rompante porta adentro, dando um valente pontapé na mesma. A música pára e todos ficam estáticos a olhar para mim, dirijo-me à mesa do banquete e, depositando lá o cobertor, peço a Odoacro que destape os mantos. Ele rapidamente desvelou uma hirta moçoila de cabelos vermelhos de fogo a amaldiçoar todos numa língua eslava. Uma cara de assombro assume-se em todos.

- Diacho se isto é uma luso-romana! – constata abismado Ulfe, um proprietário que tem um merdoso terreno nos arrebaldes de Saturnring, apartando as tranças para detrás das costas. A moçoila toma, de maneira ríspida, novamente o cobertor para tapar seus seios.

- Existe alguma confusão, esta moçoila é germana! – constata, abismado, Cassiano, pegando num tufo de cabelos vermelhos.

- Não me parece germana padre, tem a cara meia quadrada e olhos das estepes, de que  tribo és moçoila? Vandala, Sarmata, Alana? – pergunta Odoacro, pegando com o polegar e o indicador no queixo da ruiva. – ela instintivamente morde-lhe os dedos. O suevo, desfere-lhe uma valente bofetada nas faces que lhe rompeu o lábio. A moçoila cai no chão amparada por Hermelinha que começa a gritar. Odoacro quer continuar a dar-lhe porrada, uma galinha, na confusão, esvoaça nas minhas trombas, atiro-me ás costas de Odoacro:

- Pára, bastarzinho! Luso-romana ou não é minha noiva! - Dependurado continuo nele puxando-lhe a trança, ele tenta desembainhar a adaga da sua bainha, mas Cassiano e Teófilo intervêm tentando apartar-nos. Frumário começa a bater-nos com uma moca na cabeça e atontados lá desisto do pescoço de Odoacro e o bastardo repõe a adaga na sua ilharga.

Procuro com a nuca a sangrar a minha noiva, está encolhida num canto mal alumiado com ar assustadiço a olhar para todos os lados. Pego num archote da parede aclarando-lhe a cara. Hermelinda sussurra-me ao ouvido:

- Leve-a para minha casa. – imediatamente, pego-a pelos cabelos e deposito-a como as ovelhas nas minhas costas, toda a gente começa a aplaudir-me dizendo:

- Leva-a para a cama!

- Dá-lhe uma por mim.

Rio-me e abrem-me a porta para o exterior. A noiva dá-me murros nas costas e eu aproveito para lhe apalpar o rabo saído dos cobertores, resvalo no húmido empedrado, e desta vez magoamo-nos bem. Ai a minha anca! sou ajudado pela noiva estranha. Embrenhamo-nos nas ruas estreitas com os cães a ladrar, com o caos a ladrar, rio-me com a associação de ideias, até que dou um valente pontapé nas tábuas velhas da casa baixa de Hermelinda, acendo uma lucerna e dirigi-mo ao quarto da avô. A noiva senta-me na cama resguardando-se nos cobertores. Eu dirijo-me à arca, retirando de lá uma broa de centeio meia dura, dou-lhe a comicar, e a noiva esfomeada quase que engole o pão. Procuro debaixo da cama de Hermelinda uma ânfora contendo um vinho amargo, bebemo-lo mudos à luz da lucerna.

- Quem sois? De onde viestes? – a ruiva oriental olha para mim e não me responde, sondo seus olhos cinzentos rasgados e suas sardas, apetecia-me acariciá-la. Mas contive-me, nem sequer ia forçá-la, apesar de me apetecer virá-la ao contrário e metê-lo bem fundo. Retiro duma tábua encaixada no xisto uma coberta de lã e cubro-nos, deito-me e obrigo-a a deitar-se comigo. Ficamos juntos, até que o sono a venceu e começa levemente a roncar. A bebedeira estava-me a passar e tento meditar no que acontecera. Tinham enviado a noiva errada decerto, saber o que se passara implicava enviar uma missiva a Olissipo e isso era impensável, se mandava Odoacro ele perder-se-ia nas putas e ainda acabava esfaqueado e afogado no Tagus, além de que se punha a dizer que ele é o filho de Hermerico e um dia é pretendente ao trono. Se mandasse Frumário não aguentaria a viagem e morreria de cansaço em Scalabis. Eu não posso sair daqui, se saísse a anarquia reinaria e o rei quer manter esta cidadela em pé custe o que custar, mesmo que tenha apenas um jovem, um preguiçoso e dois exilados e uma muralha de granito a cair de podre.  

            De manhã acordo gelado deixando a minha noiva estranha envolta em lã. Envergo um manto listrado sobre os costados e dirijo-me ao celeiro ao lado do forno comunitário. Lá uma menina tirava leite das tetas de uma vaca malhada chamada Brunilde, para um cântaro de latão. Afasto-a com ar de mau, abaixo-me, pego na teta da vaca e esguicho leite quente para minha goela, respingando meu queixo barbudo e provocando asco à menina sentada num banquinho baixo de madeira. Pisco-lhe o olho, levanto-me e dirijo-me ao forno comunitário onde Brigo, com uma pá retirava três boas de centeio. O rei Hermerico envia medidas de farinha por ano, logo temos todos acesso ao pão, o mesmo está quente e pela-me nas mãos quando pego nele, aguento a dor da pele a queimar quase me rompendo os ouvidos. Racho a broa ao meio, abro as mãos de Odoacro que estava nas ameias e coloco rapidamente meia broa, obrigando-o a fechar as mãos. O bastardo loiro olha para mim e começa a lamuriar-se com a dor e a chamar-me filho da grandessíssima, dou três passos para trás e Odoacro esquecendo a dor alerta-me:

- Tens que arranjar uma casa para a tua noiva. - Entro na torre:

- Ele tem razão, enganada ou não ela é tua noiva. Não podes ficar na torre meu senhor e amo. – diz irónico Frumário, rematando de seguida:

- Temos que ir caçar, hoje é terça, dia de Tir, é um dia propício para a caça, precisamos de carne.

- Onde está Hermelinda? Frumário acena com a cabeça para as redes. Hermelinda balançava nelas olhando para cima para as traves onde sua avô estava sentada. “como raios foi ela lá parar? Sozinha!” relembro o pano runico:    Que a vida regresse ao corpo da avo de hermelinda.” Atrace disse-me que não deveria ter feito assim. A medo pergunto a Hermelinda, tocando-lhe ao de leve no ombros.

- Ela subiu sozinha para ali? – Hermelinda, assustada diz-me:

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