Está gelo aqui. Sento-me num banquinho e tiro meia moeda de prata da minha bolsinha anexa ao cinto. Tudo no mundo da magia faz-se por trocas . O rapaz, o sétimo filho do sétimo filho, acorda com a moeda a aterrar no seu peito. Está branco e tísico e parece que vai morrer, mas Inverno apôs Inverno mantém-se firme na cama, só se levantando na Primavera e no Verão e tornando a adoecer no Outono. Se não fosse um sétimo filho do sétimo filho há muito que Ulf o teria afogado no Cuda, mas um sétimo sabe coisas, e é uma espécie de talismã, e a vida de Ulf tem corrido bem nestas serranias.
- Minorca.
- Não o chameis assim.
- Minorca, brinquei contigo o Verão passado, fomos pescar e subir às árvores, lembras-te? – pergunto ao puto. Ele abre seus bogalhudos olhos, limpa-os e perscruta-me dizendo:
- Boríngio.
- Aldo.
- Fizeste-me uma espada de madeira
- ..E um arco.
- E um arco. – o mancebo remata e tosse convulsivamente. Cib
Retiro, dum armário enfaixado na parede acima da cama, uma túnica, envergo-a e acerco-me do fogo, está um gato pachorrento num dos cantos vigiando as frechas dos ratos.- Como se chama o gato?- Sexta-feira.- Sexta-feira? – pergunto surpreendido por ela ter falado.Sexta? Dia de frig? observo o gato preto com seus olhos azuis demónio-saltitantes. É sempre bom ter um gato, para fazer trabalhos contra os génios maus que se alojam nos cantos da casa. Toco no martelo lembrando-me de runas fortes. Desembainho a espada, apontando-a à noiva.- Como vos chamais?- Sardenna.- Que raio de nome é esse? Sarmata? Dacio? Cita? - Embainho a espada, pescando-lhe o olho. Seus olhos rasgados continuavam sem alguma emoção, senta-se no chão e recua num doloroso passado:- Minha origem é gépida. Vivíamos em grandes tendas redondas nas margens d
Odoacro aponta a mesma, lentamente a pesado portal ficou escancarado e da escuridão saiu o nosso pesadelo, cavaleiros irrompiam do caos com longas crinas nos capecetes, ondulando ao vento e retesando os arcos.- Mexam-se! Dispersem! - grito enquanto vejo um cavaleiro de mitra na cabeça atirando sobre as indefesas gentes das muralhas. Hermelinda recebeu a frechada na barriga e caiu redonda no empedrado. Corro levando Sardenna, mas alguém em fuga vem contra mim e caímos os dois, a mão de Sardenna vai-se, levanto-me em pânico, procurando a minha noiva, corria algures no meio da multidão que descia das muralhas e se embrenhava pelas ruelas estreitas do horror. Olho para trás e evito um cimitarra que falha a minha cabeça por milímetros. Amarro-me ao rabo de cavalo, puxo-o, impulsiono o meu corpo para a frente apoio o braço na perna do filho da espete, ele dá-me com o punho da cimitarra na cabe
Por fim, tudo pára e tento situar-me. Estou numa espécie de nicho, ouço ao longe ecos da conversa entre a avô e Anwari e grito de pânico ao ver um enorme homem de dois metros, gordo e agachado a contemplar-me. Estava totalmente nu e tinha a cabeça rapada. - Tu és um gigante? - Ná! sou um descendente dos gigantes, sou um dos últimos descendentes dos gigantes, e sou hábil a coser. – apresenta-me uma agulha sem pico e um fio finíssimo feito dos tendões dos gamos, minha cabeça lateja e o sangue caindo-me das espessas sobrancelhas toldava-me a visão. - E agora adormece! – a agulha sem pico aproxima-se da minha cabeça. Estava anestesiado enquanto o gigante me cose, esgravatava um chão de palha, e ouvia Anwari a dizer a avó: - Vocês entraram na gruta, é aqui que trabalhamos o ferro, vocês são humanos, só poderão sair na Primavera. O melhor é adormecerem até lá. - Olho a cara diligente do gigante, sua cabeça andava à roda. Quero vomitar, em agonia digo adeus
À minha volta é só gritos e sangue, as gens das muralhas são alvejadas com flechas, miro o poço começo a correr e escondo-me dentro dele, sofro uma abrupta queda mas miraculosamente não bato nas rochas irregulares que saiam da circular parede, mergulho na água escura e fria e escondo-me no túnel que serve de ligação ao rio, ali enregelado esperei, até que eles começam a atirar os corpos cá para baixo. Camalo, Frumário sem pernas, um dos filhos de Ulf, gente e mais gente, quase a encher até cá cima, era um fedor insuportável, minha amputação não parava de sangrar, creio que desmaiei, talvez me lamuriasse enquanto as Valquírias não me levavam, talvez isso tivesse chamado a atenção de alguém de cima,…- torna a tossir…. Senti-me içado, e o resto já sabes, Ulf me salvou. - Ulf, os dois filhos dele morreram? - Sim. - Pobre Ulf. - Pobre porquê? viu-se livre de dois filhos que o contestavam. Porque raios achais que ele se retirou da cerimónia? – fiquei pensat
Odoacro e Falbilda renascida retornam ao carvalho com um odre de água. Eu estou agastado, estirado e cheio de terra peganhenta. Enervado, ralho ao duo:- Demoraram muito tempo para ir buscar água. - Os dois estavam ofegantes e ruborizados. A bela loira avó não responde e põe-se a tratar do nosso almoço. Odoacro lança-me um olhar cúmplice e guloso, eu censuro-o com a cabeça, segregando-lhe ao ouvido, “ não sei como te podes aproveitar de uma senhora idosa”. Ele muda de assunto com uma cara satisfeita, olhando para o baú poeirento que eu tinha aberto com um pé-de-cabra.- Já não me lembro onde deixei ficar a chave. De qualquer maneira não é grande coisa:Dois torques de prata, três braceletes de latão, valem pouco, trinta moedas de bronze com a efígie do nosso rei Hermerico..- Ele mandou cunhar moeda, o filho da pu
- Eu não concordo com o meu pai. Ele, dez milhas mais à frente, vai-vos fazer uma emboscada com dez homens. Não devereis seguir por aí, ide pelo norte. – dito isto volteia o cavalo e esporeia, subindo a colina barrenta e acenando-nos.- Espera! Precisamos de saber mais coisas. – vejo-o, desperançado, desaparecendo por entre os arbustos altaneiros. - E agora? - pergunto ao meu estranho duo.- Seguimos para Viseum. – diz-me Odoacro limpando o suor da testa. Seguimos então para as alturas de Viseum. Atravessamos duas pontes de arcos de pedra sobre o rio Monda e foi nas margens desse rio que pernoitamos. Acercamo-nos de umas lavadeiras que nos miram desconfiadas. Fabilda procurou obter informações sobre Viseum, as lavadeiras dizem-nos que não há gente sueva lá e quem manda na cidade e nos arrebaldes é um bispo de nome Remisol.- Que raio de nome, será luso-ro
Paramos numa fonte para beber água, enquanto que Asdróbal continuava-me a apresentar a cidade, - ali era um anfiteatro, agora é um tribunal e mercado de escravos. - Pára com isso, quando é que chegamos à casa à domus do bispo? não comi nada e o vinho anda às voltas do meu estômago. - Asdrobal, melindrado, pára de falar. Continuamos a atravessar o jardim, até que paramos numa domus com muros de estuque altos e brancos. O servo põe-se a bater numa porta de carvalho grossa com incrustações de ferro. Passado pouco tempo, a porta abre-se, Asdrobal entra e eu fico a olhar as paredes e dou uma mija nelas. A porta torna-se a abrir e a cabeça decorada com caracóis de Asdrobal apanha-me com as calças na mão. Envergonhado, sacudo as últimas pingas da pila e entro no atrium da casa. As paredes caiadas permitiam ver na escuridão os recortes de formas de grandes ânforas de barro e enormes vasos contendo mini-palmeiras. Entramos no peristilo já bem iluminado por tochas e com um tanque ao m
- Ei! tem calma, não me magoes. – Puxo-lhe os cabelos. Ela mais calma, baixa a cabeça e suporta a dor do seu recto, abrindo-se perante a investida do meu bacamarte. Sinto algo húmido a ceder, possivelmente um caudal de sangue que abrira. Pônho-me violentamente a estucá-la. Ela tremia e chorava baixinho, meu bacamarte impiedoso decorava-se agora de rubro. Sinto algo a subir por mim pernas acima. Tremo, quando um rio branco desagua na merda, retiro a minha pila mole, recupero as minhas roupas, dou um olhar de despedida, vendo uma moça a tremer toda ensanguentada pelas pernas abaixo. De regresso à tasca senti-me mal comigo mesmo, como se dois exércitos batalhassem em meu interior. Torno a bater fortemente, desta vez na porta da tasca. O taberneiro estremunhado abre-me a porta admoestando-me que a hora era tardia. Torno a subir por umas escadas desta vez de pedra. Na larga habitação, Odoacro e Fabilda abraçados estavam deitados num colchão de palha. Pouso delicadamente a lucerna que o t