Capítulo 04

CLARA

Levantar da cama depois de tudo o que aconteceu parecia um daqueles desafios impossíveis, tipo escalar o Everest sem oxigênio. Eu não sou exatamente uma expert em escaladas, mas se fosse apostar, diria que, emocionalmente, estava bem perto disso. Mesmo assim, o mundo não para, e eu não podia ficar parada também.

Ana, sempre ela, estava ali para me dar um empurrãozinho. Literalmente.

— Levanta, Clara. Você vai se atrasar, de novo. — Ela disse, puxando as cobertas de cima de mim como se estivesse tentando tirar um Band-Aid de uma ferida aberta.

— Eu não quero. — Minha voz saiu abafada pela almofada que eu tinha enfiado na cara, na tentativa de escapar da realidade.

— O que você quer é irrelevante agora. O que você precisa é sair dessa cama e começar a viver sua vida.

— Ana, minha vida desmoronou, lembra? — retruquei, sem fazer nenhum esforço para me mexer.

— Sua vida não desmoronou. Você só perdeu um peso morto, que, por acaso, vinha em forma de namorado infiel. Agora, levanta e vai trabalhar. Você é melhor do que isso, Clara. Muito melhor.

Ana sempre teve uma maneira prática de lidar com as coisas. E, embora eu não estivesse nem um pouco no clima de ouvir lições de moral, sabia que ela estava certa. Eu não podia deixar que o que Lucas e Aline fizeram me definisse. Ainda era minha vida, e eu precisava assumir o controle, mesmo que estivesse difícil.

Com muito esforço, me arrastei até o banheiro e encarei o espelho. Meu rosto estava pálido, os olhos inchados. Eu parecia ter saído de um filme de terror, mas, na verdade, estava apenas vivendo um pesadelo bem real. Respirei fundo, tomei um banho rápido, e coloquei a primeira roupa decente que encontrei no armário.

Quando finalmente estava pronta, Ana me olhou com um sorriso de aprovação.

— É isso aí. Agora vai lá e mostra pro mundo que você não precisa de ninguém para ser feliz.

— Vou tentar — respondi, mais por obrigação do que por convicção.

O caminho para o trabalho foi mais longo do que o normal. Não porque o trânsito estava pior, mas porque minha mente estava a mil. Eu tentava, em vão, afastar os pensamentos de Lucas e Aline. Tudo me fazia lembrar deles, até o som da música que tocava no rádio do carro.

Cheguei ao escritório e fui direto para a minha mesa, evitando qualquer contato visual com os colegas. Não estava com humor para explicar por que meus olhos pareciam duas bolas de golfe. Mas, claro, eu não poderia escapar de todos.

— Clara, você está bem? — A voz de Joana, uma das minhas colegas de trabalho, me fez dar um salto. Eu estava tão perdida em pensamentos que nem percebi ela chegando.

— Estou... estou bem, só uma noite difícil — menti, tentando sorrir.

Joana era uma daquelas pessoas que sempre parecia estar de bom humor. Ela era uma colega legal, mas, naquele momento, a última coisa que eu queria era participar de uma conversa alegre sobre qualquer coisa.

— Bom, se precisar de qualquer coisa, estou por aqui, tá? — Ela disse, me dando um sorriso solidário antes de voltar para sua mesa.

Agradeci com um aceno de cabeça e me afundei no trabalho, tentando usar as campanhas de marketing para afastar os pensamentos que continuavam a me atormentar. Mas é claro que isso não durou muito.

Na hora do almoço, em vez de sair com o pessoal, decidi ficar na minha mesa. Não queria enfrentar a enxurrada de perguntas que inevitavelmente surgiriam se eu me juntasse a eles. Peguei minha comida e voltei para minha mesa, tentando manter o foco no trabalho.

Foi então que recebi uma mensagem de um número desconhecido no celular. Meu coração disparou ao abrir a mensagem e ver que era da Aline.

"Clara, precisamos conversar. Eu sei que o que fiz foi imperdoável, mas por favor, me deixa explicar."

Eu não sabia se ria ou se chorava. Explicar? O que ela poderia possivelmente dizer que tornaria tudo isso menos horrível? Só de ler a mensagem, senti um nó na garganta. Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim queria saber o que ela tinha a dizer. Talvez fosse a necessidade de encerrar esse capítulo da minha vida, ou talvez fosse a simples curiosidade de entender como uma amizade de anos poderia se transformar nisso.

Respirei fundo e, contra meu melhor julgamento, comecei a digitar uma resposta.

"Não sei se estou pronta para ouvir o que você tem a dizer, mas acho que devemos conversar. Só não agora. Preciso de tempo."

Enviei a mensagem e, em seguida, joguei o celular na bolsa, como se isso pudesse afastar a dor. O resto da tarde foi um borrão. Eu estava lá fisicamente, mas minha mente estava em outro lugar. Tudo parecia um esforço gigante — desde responder e-mails até participar de reuniões que, naquele momento, me pareciam completamente irrelevantes.

Quando o expediente finalmente terminou, senti um alívio imediato. Saí do escritório o mais rápido possível, sem olhar para trás. Eu só queria voltar para casa e me esconder do mundo.

Mas, claro, a vida tinha outros planos. Enquanto eu esperava pelo elevador, meu chefe, Ricardo, apareceu do nada.

— Clara, tenho uma reunião importante com um cliente amanhã, e quero que você participe — ele disse, de maneira casual.

Ricardo era o tipo de chefe que todo mundo respeitava, mas, ao mesmo tempo, ele conseguia ser bastante intimidador. Eu sabia que ele tinha expectativas altas, e isso sempre me deixava um pouco nervosa.

— Claro, estarei lá — respondi, tentando soar confiante, embora a última coisa que eu quisesse fosse me envolver em algo importante naquele momento.

— Ótimo. É uma grande conta, e preciso que a gente esteja no nosso melhor. Até amanhã.

Ele saiu antes que eu pudesse fazer mais perguntas. Eu sabia que essa reunião era importante, e provavelmente uma grande oportunidade para minha carreira, mas, sinceramente, não conseguia pensar em nada além do caos que estava minha vida pessoal.

Voltei para casa exausta, tanto física quanto emocionalmente. Ana estava na sala, e eu mal tive energia para dar um oi antes de me jogar no sofá.

— Como foi o dia? — ela perguntou, tentando não parecer excessivamente preocupada.

— O de sempre. Nada fora do comum, exceto pelo fato de que a Aline me mandou uma mensagem querendo conversar.

— E o que você respondeu?

— Que preciso de tempo. Não sei se consigo encarar isso agora, Ana. Ainda dói demais.

— Claro que dói. E vai continuar doendo por um tempo. Mas você não precisa tomar nenhuma decisão agora. Se der um passo de cada vez, vai conseguir passar por isso.

Ela tinha razão, como sempre. Eu sabia que, eventualmente, teria que enfrentar a Aline e o Lucas, mas isso não precisava ser hoje. Tudo o que eu precisava agora era de tempo. Tempo para processar, tempo para me curar, tempo para entender o que queria para o meu futuro.

Naquela noite, antes de dormir, me peguei pensando na reunião do dia seguinte. Talvez essa fosse a distração que eu precisava. Algo novo, que me fizesse focar em outra coisa além do caos que minha vida tinha se tornado.

E, pela primeira vez em dias, me senti um pouco mais otimista. Não muito, mas o suficiente para acreditar que, talvez, as coisas pudessem melhorar.

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