CLARA
Levantar da cama depois de tudo o que aconteceu parecia um daqueles desafios impossíveis, tipo escalar o Everest sem oxigênio. Eu não sou exatamente uma expert em escaladas, mas se fosse apostar, diria que, emocionalmente, estava bem perto disso. Mesmo assim, o mundo não para, e eu não podia ficar parada também.
Ana, sempre ela, estava ali para me dar um empurrãozinho. Literalmente.
— Levanta, Clara. Você vai se atrasar, de novo. — Ela disse, puxando as cobertas de cima de mim como se estivesse tentando tirar um Band-Aid de uma ferida aberta.
— Eu não quero. — Minha voz saiu abafada pela almofada que eu tinha enfiado na cara, na tentativa de escapar da realidade.
— O que você quer é irrelevante agora. O que você precisa é sair dessa cama e começar a viver sua vida.
— Ana, minha vida desmoronou, lembra? — retruquei, sem fazer nenhum esforço para me mexer.
— Sua vida não desmoronou. Você só perdeu um peso morto, que, por acaso, vinha em forma de namorado infiel. Agora, levanta e vai trabalhar. Você é melhor do que isso, Clara. Muito melhor.
Ana sempre teve uma maneira prática de lidar com as coisas. E, embora eu não estivesse nem um pouco no clima de ouvir lições de moral, sabia que ela estava certa. Eu não podia deixar que o que Lucas e Aline fizeram me definisse. Ainda era minha vida, e eu precisava assumir o controle, mesmo que estivesse difícil.
Com muito esforço, me arrastei até o banheiro e encarei o espelho. Meu rosto estava pálido, os olhos inchados. Eu parecia ter saído de um filme de terror, mas, na verdade, estava apenas vivendo um pesadelo bem real. Respirei fundo, tomei um banho rápido, e coloquei a primeira roupa decente que encontrei no armário.
Quando finalmente estava pronta, Ana me olhou com um sorriso de aprovação.
— É isso aí. Agora vai lá e mostra pro mundo que você não precisa de ninguém para ser feliz.
— Vou tentar — respondi, mais por obrigação do que por convicção.
O caminho para o trabalho foi mais longo do que o normal. Não porque o trânsito estava pior, mas porque minha mente estava a mil. Eu tentava, em vão, afastar os pensamentos de Lucas e Aline. Tudo me fazia lembrar deles, até o som da música que tocava no rádio do carro.
Cheguei ao escritório e fui direto para a minha mesa, evitando qualquer contato visual com os colegas. Não estava com humor para explicar por que meus olhos pareciam duas bolas de golfe. Mas, claro, eu não poderia escapar de todos.
— Clara, você está bem? — A voz de Joana, uma das minhas colegas de trabalho, me fez dar um salto. Eu estava tão perdida em pensamentos que nem percebi ela chegando.
— Estou... estou bem, só uma noite difícil — menti, tentando sorrir.
Joana era uma daquelas pessoas que sempre parecia estar de bom humor. Ela era uma colega legal, mas, naquele momento, a última coisa que eu queria era participar de uma conversa alegre sobre qualquer coisa.
— Bom, se precisar de qualquer coisa, estou por aqui, tá? — Ela disse, me dando um sorriso solidário antes de voltar para sua mesa.
Agradeci com um aceno de cabeça e me afundei no trabalho, tentando usar as campanhas de marketing para afastar os pensamentos que continuavam a me atormentar. Mas é claro que isso não durou muito.
Na hora do almoço, em vez de sair com o pessoal, decidi ficar na minha mesa. Não queria enfrentar a enxurrada de perguntas que inevitavelmente surgiriam se eu me juntasse a eles. Peguei minha comida e voltei para minha mesa, tentando manter o foco no trabalho.
Foi então que recebi uma mensagem de um número desconhecido no celular. Meu coração disparou ao abrir a mensagem e ver que era da Aline.
"Clara, precisamos conversar. Eu sei que o que fiz foi imperdoável, mas por favor, me deixa explicar."
Eu não sabia se ria ou se chorava. Explicar? O que ela poderia possivelmente dizer que tornaria tudo isso menos horrível? Só de ler a mensagem, senti um nó na garganta. Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim queria saber o que ela tinha a dizer. Talvez fosse a necessidade de encerrar esse capítulo da minha vida, ou talvez fosse a simples curiosidade de entender como uma amizade de anos poderia se transformar nisso.
Respirei fundo e, contra meu melhor julgamento, comecei a digitar uma resposta.
"Não sei se estou pronta para ouvir o que você tem a dizer, mas acho que devemos conversar. Só não agora. Preciso de tempo."
Enviei a mensagem e, em seguida, joguei o celular na bolsa, como se isso pudesse afastar a dor. O resto da tarde foi um borrão. Eu estava lá fisicamente, mas minha mente estava em outro lugar. Tudo parecia um esforço gigante — desde responder e-mails até participar de reuniões que, naquele momento, me pareciam completamente irrelevantes.
Quando o expediente finalmente terminou, senti um alívio imediato. Saí do escritório o mais rápido possível, sem olhar para trás. Eu só queria voltar para casa e me esconder do mundo.
Mas, claro, a vida tinha outros planos. Enquanto eu esperava pelo elevador, meu chefe, Ricardo, apareceu do nada.
— Clara, tenho uma reunião importante com um cliente amanhã, e quero que você participe — ele disse, de maneira casual.
Ricardo era o tipo de chefe que todo mundo respeitava, mas, ao mesmo tempo, ele conseguia ser bastante intimidador. Eu sabia que ele tinha expectativas altas, e isso sempre me deixava um pouco nervosa.
— Claro, estarei lá — respondi, tentando soar confiante, embora a última coisa que eu quisesse fosse me envolver em algo importante naquele momento.
— Ótimo. É uma grande conta, e preciso que a gente esteja no nosso melhor. Até amanhã.
Ele saiu antes que eu pudesse fazer mais perguntas. Eu sabia que essa reunião era importante, e provavelmente uma grande oportunidade para minha carreira, mas, sinceramente, não conseguia pensar em nada além do caos que estava minha vida pessoal.
Voltei para casa exausta, tanto física quanto emocionalmente. Ana estava na sala, e eu mal tive energia para dar um oi antes de me jogar no sofá.
— Como foi o dia? — ela perguntou, tentando não parecer excessivamente preocupada.
— O de sempre. Nada fora do comum, exceto pelo fato de que a Aline me mandou uma mensagem querendo conversar.
— E o que você respondeu?
— Que preciso de tempo. Não sei se consigo encarar isso agora, Ana. Ainda dói demais.
— Claro que dói. E vai continuar doendo por um tempo. Mas você não precisa tomar nenhuma decisão agora. Se der um passo de cada vez, vai conseguir passar por isso.
Ela tinha razão, como sempre. Eu sabia que, eventualmente, teria que enfrentar a Aline e o Lucas, mas isso não precisava ser hoje. Tudo o que eu precisava agora era de tempo. Tempo para processar, tempo para me curar, tempo para entender o que queria para o meu futuro.
Naquela noite, antes de dormir, me peguei pensando na reunião do dia seguinte. Talvez essa fosse a distração que eu precisava. Algo novo, que me fizesse focar em outra coisa além do caos que minha vida tinha se tornado.
E, pela primeira vez em dias, me senti um pouco mais otimista. Não muito, mas o suficiente para acreditar que, talvez, as coisas pudessem melhorar.
CLARANa manhã seguinte, acordei com o som irritante do alarme. E, por um momento, quase voltei a dormir. Mas então me lembrei da reunião importante que Ricardo mencionou ontem. Era como se meu cérebro estivesse dividindo minha vida em duas partes: a bagunça emocional que era meu coração e a tentativa desesperada de manter minha carreira intacta.Levantei da cama e fui direto para o banho, deixando a água quente escorrer pelo meu corpo, tentando lavar toda a tensão acumulada. Vesti a melhor roupa que encontrei no armário, algo que me fazia sentir confiante, mesmo que só por fora. Por dentro, eu ainda estava quebrada.Quando cheguei ao escritório, o clima estava um pouco diferente. Ricardo parecia mais animado que o normal, e isso não era algo fácil de acontecer. Ele era conhecido por ser exigente, então, quando estava de bom humor, algo grande estava para acontecer.— Clara, preciso de você na sala de reuniões em cinco minutos. Vamos discutir a apresentação com o cliente — disse ele,
CLARAAquela noite eu mal dormi. Não por causa do que aconteceu com Lucas ou da traição de Aline, mas por causa de Henrique. Eu sabia que era ridículo — mal conhecia o homem! —, mas, mesmo assim, algo nele mexeu comigo de uma forma que eu não conseguia entender.No dia seguinte, acordei com a sensação de que estava prestes a fazer algo importante, mas sem ter a mínima ideia do que era. E isso me deixava ainda mais nervosa. Tomei meu café da manhã em silêncio, enquanto Ana folheava uma revista na mesa ao lado. Ela percebeu meu nervosismo, mas sabiamente não comentou nada.Fui para o trabalho como se estivesse em piloto automático. Tudo parecia fora do lugar, como se o mundo ao meu redor estivesse em câmera lenta, enquanto minha mente corria a mil por hora. Quando cheguei ao escritório, a primeira coisa que fiz foi checar meus e-mails, torcendo para encontrar alguma mensagem importante que me distraísse dos pensamentos sobre Henrique.Para minha surpresa, havia uma mensagem dele na minh
CLARANa semana seguinte, me vi pensando em Henrique mais vezes do que gostaria de admitir. Cada vez que seu nome surgia em uma conversa no escritório, sentia uma pontada de ansiedade misturada com uma excitação que eu não conseguia entender. Era como se meu corpo estivesse reagindo a ele de uma forma que minha mente não conseguia controlar.Eu sabia que estava andando em território perigoso. Depois de tudo que aconteceu com Lucas, a última coisa que eu precisava era me envolver emocionalmente com alguém, especialmente alguém tão ligado ao meu trabalho. Mas, por mais que tentasse, não conseguia evitar a atração que sentia por Henrique. Era como se algo além de mim estivesse no controle, puxando-me para ele.Na terça-feira, recebi um e-mail dele, pedindo uma reunião para discutir os próximos passos da campanha. Eu sabia que era uma simples reunião de trabalho, mas a ideia de passar mais tempo com ele me deixou nervosa. Não nervosa de um jeito ruim, mas nervosa de um jeito que fazia meu
CLARAOs dias seguintes foram uma mistura confusa de trabalho e pensamentos constantes sobre Henrique. Era como se meu cérebro tivesse decidido que ele era o novo foco central da minha vida, e não importava o quanto eu tentasse me distrair, tudo sempre voltava para ele.No escritório, as coisas continuavam normais — ou pelo menos, eu tentava agir como se estivessem. Ninguém sabia sobre o turbilhão de emoções que eu estava sentindo, nem mesmo Ana. Eu sabia que, se contasse a ela, ela iria entender, mas parte de mim ainda queria manter esses sentimentos em segredo, talvez por medo do que eles realmente significavam.Na sexta-feira à tarde, recebi outro e-mail de Henrique. Era uma mensagem curta, convidando-me para um evento de lançamento que sua empresa estava organizando na semana seguinte. Disse que seria uma boa oportunidade para discutirmos mais sobre a campanha e, claro, para eu conhecer algumas pessoas importantes do setor.Ao ler o e-mail, senti um misto de nervosismo e empolgaçã
CLARANo dia seguinte ao evento, acordei com uma sensação estranha de expectativa, como se algo estivesse prestes a acontecer. A noite anterior ainda estava fresca na minha mente, e não conseguia parar de pensar em Henrique e em tudo o que ele disse. Era como se ele tivesse plantado uma semente de esperança dentro de mim, algo que eu não sentia há muito tempo.Mas, ao mesmo tempo, havia uma nuvem de preocupação pairando sobre mim. Eu sabia que estava começando a me apaixonar por Henrique, mas também sabia que havia muitas complicações nesse caminho. A mais óbvia era o fato de que ele era tio de Lucas, o homem que havia destruído meu coração. E, mesmo que eu não tivesse contado a Henrique sobre minha relação com Lucas, sabia que esse segredo não poderia ser mantido para sempre.Passei o dia tentando me concentrar no trabalho, mas minha mente continuava voltando para Henrique. As lembranças da noite anterior se misturavam com os pensamentos do que poderia acontecer a seguir. Eu sabia qu
CLARAOs dias que seguiram ao jantar com Henrique foram uma montanha-russa emocional. Passei horas revivendo cada momento, cada palavra, cada olhar. Por um lado, me sentia incrivelmente feliz, como se finalmente estivesse começando a sair da escuridão que Lucas havia deixado em minha vida. Por outro, a culpa e o medo começaram a se instalar.Eu sabia que Henrique merecia saber a verdade sobre Lucas, mas como eu poderia contar a ele? Como eu poderia explicar que o homem que ele considerava família era o mesmo que havia partido meu coração em mil pedaços? A ideia de perder o que tínhamos, mesmo que ainda estivesse no começo, me aterrorizava. Mas, ao mesmo tempo, sabia que estava construindo algo sobre uma base de mentiras e omissões. E isso me corroía por dentro.No trabalho, tentei me concentrar, mas era difícil quando minha mente estava constantemente dividida. Henrique me enviava mensagens durante o dia, sempre simpáticas e encorajadoras, e cada uma delas fazia meu coração bater mais
CLARAA semana que se seguiu à conversa com Henrique foi uma das mais difíceis da minha vida. Cada dia parecia se arrastar, e a ausência dele era como um vazio que eu não sabia como preencher. Eu sabia que ele precisava de tempo para processar tudo, mas não podia evitar a sensação de que, de alguma forma, eu havia arruinado algo especial.No trabalho, mantive a fachada de profissionalismo, mas por dentro, estava um caos. Henrique não entrou em contato comigo durante toda a semana, e cada dia sem ouvir sua voz ou ver sua mensagem apenas intensificava a incerteza que eu sentia. As coisas entre nós haviam mudado, e eu não sabia se algum dia voltariam a ser as mesmas.Na sexta-feira, ao final do expediente, decidi que precisava sair e espairecer. Ana sugeriu que fôssemos a um novo bar que havia aberto na cidade, e, embora a ideia de sair e socializar não me atraísse muito, sabia que precisava tentar. Qualquer coisa era melhor do que ficar em casa remoendo meus pensamentos.Quando chegamos
CLARAAcordei na manhã seguinte sentindo o calor suave da luz do sol que entrava pelas cortinas. Por um momento, fiquei ali, deitada, permitindo que a realidade da noite anterior se firmasse na minha mente. Tudo o que havia acontecido entre mim e Henrique parecia um sonho, mas o toque dele ainda estava fresco na minha pele, me lembrando de que tudo era real.Virei-me para o lado e o vi ainda dormindo, a expressão tranquila em seu rosto me fez sorrir. Ele parecia tão diferente do homem confiante e controlado que eu conhecia no ambiente de trabalho. Aqui, ele era simplesmente Henrique, o homem com quem eu havia compartilhado uma noite de pura conexão. Não apenas física, mas algo mais profundo, algo que me fez sentir viva de uma forma que eu não sentia há muito tempo.Por um instante, pensei em como as coisas poderiam mudar depois disso. A relação que estávamos construindo era algo que eu sabia que poderia ser maravilhoso, mas também sabia que não seria simples. Havia tantas complicações