HENRIQUENos dias que se seguiram à nossa decisão de sair da cidade, tudo parecia mais real, mas também mais complicado. Planejar uma nova vida não era tão simples quanto eu gostaria que fosse. Havia tantas coisas a serem resolvidas, tantos fantasmas que eu precisava exorcizar.Minha prioridade era garantir que Clara e Sofia estivessem bem. Tudo o que eu fazia agora era por elas. Mas, ao mesmo tempo, a culpa ainda me assombrava. Clara podia estar disposta a seguir em frente, mas eu sabia que as feridas que o submundo deixou em mim não se curariam tão facilmente.Acordei cedo naquela manhã, tentando organizar meus pensamentos antes de Clara e Sofia acordarem. Estava na cozinha, tomando café e revisando uma lista de coisas que precisávamos resolver antes de partir.Sair da cidade significava muito mais do que apenas arrumar malas. Precisávamos de um plano claro, um lugar onde pudéssemos nos estabelecer, e, acima de tudo, eu precisava ter certeza de que Tito ou qualquer outro vestígio do
CLARAA mudança estava finalmente acontecendo. A cada dia que passava, o sentimento de que estávamos prontos para recomeçar crescia. Henrique já havia encontrado um lugar fora da cidade, um pouco afastado, longe de tudo que nos lembrava do submundo. Era um lugar pacato, seguro, perfeito para darmos a Sofia a tranquilidade que ela merecia. Mas, ao mesmo tempo, a ansiedade só aumentava dentro de mim.Eu sabia que Henrique estava carregando muito peso. Ele era forte, mas mesmo os mais fortes têm seus limites. Ele estava fazendo tudo para que essa nova vida desse certo, mas as cicatrizes emocionais que o submundo deixou em nós não desapareciam com uma simples mudança de endereço. Ainda havia momentos de silêncio entre nós, cheios de memórias dolorosas, de dúvidas não ditas.Enquanto empacotava nossas coisas na sala, fiquei olhando por um longo tempo para uma foto antiga nossa, tirada muito antes de tudo isso começar. Naquela época, eu não tinha ideia do que Henrique carregava dentro de si
CLARAO dia da mudança chegou antes do que eu imaginava. Era estranho como o tempo parecia passar rápido demais em alguns momentos e se arrastar em outros. Estávamos empacotando nossas últimas coisas, e cada vez que olhava para as caixas empilhadas ao nosso redor, sentia uma mistura de alívio e medo. Nós estávamos realmente indo embora.Henrique estava mais silencioso do que o normal, mas não era difícil entender o porquê. Essa mudança era um recomeço, mas também uma despedida definitiva de quem ele foi. Olhei para ele enquanto carregava algumas caixas para o carro. Ele estava concentrado, mas a tensão ainda estava presente em seus movimentos.Eu sabia que ele estava lutando para deixar o submundo para trás, mas, mesmo com Tito fora do nosso caminho, o peso de tudo o que vivemos não desaparecia tão facilmente. E, por mais que essa fosse a decisão certa, ainda havia aquela sensação incômoda de que estávamos fugindo, tentando escapar de algo que nos seguia.Sofia, por outro lado, estava
CLARAOs primeiros dias na nova casa foram, de certa forma, um sonho. Sofia estava encantada com o quintal, correndo entre as árvores como se não houvesse mais preocupações no mundo. Para ela, esse novo lugar era um mundo mágico, cheio de aventuras. Para mim e Henrique, era a esperança de que essa nova vida finalmente nos traria paz.A cada manhã, quando abria as janelas e via o sol iluminando o gramado, eu tentava acreditar que o pior já tinha passado. Que agora, finalmente, poderíamos respirar e começar a construir a vida que sempre desejamos. Henrique estava mais relaxado, embora eu soubesse que ainda havia partes dele que lutavam contra os fantasmas do passado.Naquela manhã, enquanto preparava o café, senti uma paz inesperada. Era como se algo dentro de mim finalmente estivesse se assentando, como se eu pudesse começar a me permitir acreditar que essa tranquilidade era real. Sofia entrou correndo na cozinha, com os cabelos desgrenhados e o rosto radiante.— Papai disse que vamos
O sol estava começando a se pôr, e a luz dourada que atravessava as árvores pintava o campo em tons de laranja e rosa. Era uma tarde perfeita, daquelas que pareciam saídas de um sonho, mas não era um sonho. Era a nossa realidade, nossa nova vida.Henrique estava de pé ao meu lado, sua mão apertando suavemente a minha, enquanto observávamos Sofia brincar perto das flores. Ela corria, rindo, seus cachos balançando com o vento leve, completamente alheia ao que acontecia ao redor. Era pura felicidade, a inocência de uma criança que agora só conhecia o amor e a paz. E isso era tudo o que eu sempre quis para ela.— Ela está tão feliz, — murmurei, olhando para Henrique com um sorriso.Ele assentiu, um brilho de orgulho em seus olhos. Henrique era diferente agora. Ele sempre fora forte, mas agora essa força não vinha de suas lutas contra o submundo, e sim do amor que construímos. Ele era o homem que sempre esteve destinado a ser — livre, amoroso, e presente.— E é tudo graças a você, — ele di
CLARASe teve uma coisa que aprendi nos últimos anos, era que a vida nem sempre seguia o roteiro que nós tínhamos escrito em nossas cabeças. E olha que eu me considerava boa em escrever roteiros — mas… isso foi realmente algo que ficou no passado. Afinal… aos 23 anos, minha vida era praticamente perfeita. Eu tinha um emprego decente, amigos incríveis, e um namorado com quem dividi três anos da minha vida. Tudo parecia estar no lugar, mas… ultimamente, eu comecei a sentir que… alguma coisa estava faltando.Sabe aquela sensação de que você está esquecendo alguma coisa importante? Como quando você sai de casa, mas não tem certeza se trancou a porta? Bom… é esse sentimento irritante que fica martelando na minha mente o tempo inteiro, só que eu não faço ideia do que estou esquecendo. E já está começando a me deixar louca!Hoje de manhã, enquanto tomava meu café, essa sensação bateu ainda mais forte — o que quase me tirou completamente da órbita. A cozinha estava quieta, exceto pelo som do
LUCASTrair é uma palavra forte. Eu sei. Mas, às vezes, as coisas saem do controle antes que a gente perceba. Não estou tentando justificar o que fiz, mas, sério, a vida é complicada pra caramba.Quando eu comecei a namorar a Clara, tudo era perfeito. Ela era incrível, ainda é, mas com o tempo, algo mudou. Não sei dizer exatamente o quê. Só sei que a gente foi se afastando aos poucos, e eu comecei a me sentir preso, como se estivesse numa rotina sem saída. As coisas que antes eram legais começaram a parecer... entediantes. Eu sei que isso parece horrível, mas é a verdade. E a verdade, às vezes, dói.Eu nunca quis machucar a Clara. Isso eu digo de coração. Mas aí apareceu a Aline... Cara, a Aline é diferente. Ela me faz sentir vivo de novo, sabe? É como se todo aquele brilho que eu sentia no começo com a Clara tivesse voltado, só que dessa vez com a Aline. Tudo aconteceu de forma tão rápida que eu mal consegui perceber. Quando me dei conta, já estava completamente envolvido. E então pe
CLARAVoltar pra casa depois de uma noite como essa é como ser atropelada por um caminhão e ainda ter que levantar sozinha. Não que eu saiba como é ser atropelada, mas acho que essa é a melhor comparação que consigo fazer no momento.Eu saí correndo daquele café sem nem saber para onde estava indo. Tudo que eu queria era fugir. Fugir do Lucas, da Aline, de mim mesma. A única coisa que meu cérebro conseguia processar era o som das palavras dele ecoando na minha cabeça: “Eu conheci alguém… é a Aline.”A Aline. A minha melhor amiga, a pessoa que eu confiava de olhos fechados, que esteve ao meu lado em todos os momentos importantes da minha vida. E agora, ela estava ao lado do Lucas, do meu namorado. Não, ex-namorado. O que me restava era tentar juntar os cacos de mim mesma e descobrir o que fazer com essa bagunça toda.Quando finalmente cheguei em casa, Ana estava na sala, assistindo a uma série qualquer. Ela olhou pra mim e, no mesmo instante, soube que algo estava terrivelmente errado.