HENRIQUEO armazém estava carregado de tensão. O som de meus passos ecoava pelas paredes escuras e sujas, enquanto meus olhos estavam fixos em Tito. O olhar frio e calculista dele me dizia que ele acreditava que já tinha vencido. Mas ele não sabia até onde eu estava disposto a ir.Os dois capangas de Tito avançaram primeiro, cercando-me como predadores à espreita de sua presa. Eu sabia que eles não hesitariam em me derrubar se Tito desse o comando. Mas, desta vez, eu estava pronto. Pronto para lutar por minha família. Pronto para lutar por tudo o que ainda restava de bom na minha vida.Segurei a arma com firmeza, meus músculos tensos e a respiração controlada. Não era a primeira vez que me via numa situação assim. Mas agora, eu tinha mais a perder do que jamais tive antes.Tito observava, como sempre, esperando que eu vacilasse. Ele acreditava que me conhecia, que sabia exatamente o que eu faria.— Você acha que pode sair dessa, Henrique? — Tito disse, sua voz carregada de desprezo. —
CLARAQuando Henrique finalmente voltou, senti como se um peso enorme tivesse sido tirado de mim. Ele estava aqui. Vivo. Seguro. O medo que me consumia desde que ele partiu começou a desaparecer, mas o alívio total não veio de imediato. Havia tantas cicatrizes, tantas emoções não resolvidas.Eu o vi sair do carro e, por um momento, tudo ao meu redor pareceu desacelerar. Era ele, o homem que eu amava, o homem que havia arriscado tudo por nós.Quando ele se aproximou, fui direto para seus braços. Eu precisava sentir que ele realmente estava ali, que essa não era mais uma situação de vida ou morte. Eu o abracei com força, e ele me segurou da mesma maneira.— Você voltou. — minha voz saiu baixa, quase como um sussurro.— Eu disse que voltaria. — Ele respondeu, sua voz cansada, mas firme.Olhei em seus olhos e vi o cansaço, a tensão que ainda estava ali. Ele tinha feito o que precisava ser feito, mas não sem pagar o preço. Eu sabia que o peso de tudo que ele viveu ainda estava sobre seus o
CLARAO alívio de ter Henrique de volta, são e salvo, era indescritível, mas agora começava uma nova fase. Não era mais a ameaça física de Tito que nos rondava, mas as consequências emocionais de tudo o que enfrentamos. O peso da tensão das últimas semanas ainda estava em cada detalhe do nosso dia a dia.Sofia parecia a mais despreocupada de todos. Crianças têm essa incrível capacidade de superar traumas sem nem mesmo perceber, contanto que estejam cercadas de amor. Ela corria pela casa como sempre, feliz por ter seu pai de volta. A casa de Letícia já não parecia o lugar seguro que era antes; agora era um refúgio temporário, esperando o próximo passo.— O que vem agora, Henrique? — perguntei numa manhã tranquila, enquanto ele preparava o café na cozinha. O cheiro de café recém-coado enchia o ambiente, trazendo um breve conforto.Ele me olhou, seus olhos um pouco mais suaves do que nos dias anteriores, mas ainda carregados de cansaço.— Precisamos de uma nova vida, Clara. — Ele disse,
HENRIQUENos dias que se seguiram à nossa decisão de sair da cidade, tudo parecia mais real, mas também mais complicado. Planejar uma nova vida não era tão simples quanto eu gostaria que fosse. Havia tantas coisas a serem resolvidas, tantos fantasmas que eu precisava exorcizar.Minha prioridade era garantir que Clara e Sofia estivessem bem. Tudo o que eu fazia agora era por elas. Mas, ao mesmo tempo, a culpa ainda me assombrava. Clara podia estar disposta a seguir em frente, mas eu sabia que as feridas que o submundo deixou em mim não se curariam tão facilmente.Acordei cedo naquela manhã, tentando organizar meus pensamentos antes de Clara e Sofia acordarem. Estava na cozinha, tomando café e revisando uma lista de coisas que precisávamos resolver antes de partir.Sair da cidade significava muito mais do que apenas arrumar malas. Precisávamos de um plano claro, um lugar onde pudéssemos nos estabelecer, e, acima de tudo, eu precisava ter certeza de que Tito ou qualquer outro vestígio do
CLARAA mudança estava finalmente acontecendo. A cada dia que passava, o sentimento de que estávamos prontos para recomeçar crescia. Henrique já havia encontrado um lugar fora da cidade, um pouco afastado, longe de tudo que nos lembrava do submundo. Era um lugar pacato, seguro, perfeito para darmos a Sofia a tranquilidade que ela merecia. Mas, ao mesmo tempo, a ansiedade só aumentava dentro de mim.Eu sabia que Henrique estava carregando muito peso. Ele era forte, mas mesmo os mais fortes têm seus limites. Ele estava fazendo tudo para que essa nova vida desse certo, mas as cicatrizes emocionais que o submundo deixou em nós não desapareciam com uma simples mudança de endereço. Ainda havia momentos de silêncio entre nós, cheios de memórias dolorosas, de dúvidas não ditas.Enquanto empacotava nossas coisas na sala, fiquei olhando por um longo tempo para uma foto antiga nossa, tirada muito antes de tudo isso começar. Naquela época, eu não tinha ideia do que Henrique carregava dentro de si
CLARAO dia da mudança chegou antes do que eu imaginava. Era estranho como o tempo parecia passar rápido demais em alguns momentos e se arrastar em outros. Estávamos empacotando nossas últimas coisas, e cada vez que olhava para as caixas empilhadas ao nosso redor, sentia uma mistura de alívio e medo. Nós estávamos realmente indo embora.Henrique estava mais silencioso do que o normal, mas não era difícil entender o porquê. Essa mudança era um recomeço, mas também uma despedida definitiva de quem ele foi. Olhei para ele enquanto carregava algumas caixas para o carro. Ele estava concentrado, mas a tensão ainda estava presente em seus movimentos.Eu sabia que ele estava lutando para deixar o submundo para trás, mas, mesmo com Tito fora do nosso caminho, o peso de tudo o que vivemos não desaparecia tão facilmente. E, por mais que essa fosse a decisão certa, ainda havia aquela sensação incômoda de que estávamos fugindo, tentando escapar de algo que nos seguia.Sofia, por outro lado, estava
CLARAOs primeiros dias na nova casa foram, de certa forma, um sonho. Sofia estava encantada com o quintal, correndo entre as árvores como se não houvesse mais preocupações no mundo. Para ela, esse novo lugar era um mundo mágico, cheio de aventuras. Para mim e Henrique, era a esperança de que essa nova vida finalmente nos traria paz.A cada manhã, quando abria as janelas e via o sol iluminando o gramado, eu tentava acreditar que o pior já tinha passado. Que agora, finalmente, poderíamos respirar e começar a construir a vida que sempre desejamos. Henrique estava mais relaxado, embora eu soubesse que ainda havia partes dele que lutavam contra os fantasmas do passado.Naquela manhã, enquanto preparava o café, senti uma paz inesperada. Era como se algo dentro de mim finalmente estivesse se assentando, como se eu pudesse começar a me permitir acreditar que essa tranquilidade era real. Sofia entrou correndo na cozinha, com os cabelos desgrenhados e o rosto radiante.— Papai disse que vamos
O sol estava começando a se pôr, e a luz dourada que atravessava as árvores pintava o campo em tons de laranja e rosa. Era uma tarde perfeita, daquelas que pareciam saídas de um sonho, mas não era um sonho. Era a nossa realidade, nossa nova vida.Henrique estava de pé ao meu lado, sua mão apertando suavemente a minha, enquanto observávamos Sofia brincar perto das flores. Ela corria, rindo, seus cachos balançando com o vento leve, completamente alheia ao que acontecia ao redor. Era pura felicidade, a inocência de uma criança que agora só conhecia o amor e a paz. E isso era tudo o que eu sempre quis para ela.— Ela está tão feliz, — murmurei, olhando para Henrique com um sorriso.Ele assentiu, um brilho de orgulho em seus olhos. Henrique era diferente agora. Ele sempre fora forte, mas agora essa força não vinha de suas lutas contra o submundo, e sim do amor que construímos. Ele era o homem que sempre esteve destinado a ser — livre, amoroso, e presente.— E é tudo graças a você, — ele di