Giulia Ricciardi
Passei os dedos pelo tecido macio do vestido vermelho, admirando como ele caía perfeitamente em meu corpo. Longo, elegante, com uma fenda lateral que mostrava parte da minha perna e uma abertura nas costas que revelava minha tatuagem delicada — uma flor de lótus que eu fizera em um impulso, como uma pequena forma de expressão pessoal. Era sensual, mas nada vulgar. Papà nunca aceitaria algo vulgar.
O reflexo no espelho me devolvia uma imagem que eu sabia interpretar bem. Filha de Domenico Ricciardi, poderosa, graciosa, uma Ricciardi em todos os sentidos. Mas, no fundo, eu ainda era apenas Giulia, uma mulher de 26 anos que conhecia cada canto desse universo de luxo e perigo, mas que, às vezes, desejava um pouco mais.
O som da música e das vozes subia do andar de baixo, onde a festa estava em pleno andamento. Papà fazia questão de comemorar cada vitória, e esta era uma das maiores: um novo território conquistado, um passo a mais para solidificar o poder da nossa família.
Havia um certo orgulho em ser parte disso. Nós, Ricciardi, éramos uma família unida. Marco, meu irmão mais velho, era o herdeiro óbvio do legado de Papà, enquanto Francesca, minha irmã caçula, vivia com uma leveza que eu admirava. Mamà sempre nos ensinou a sermos gratos pelo que tínhamos, e eu realmente era. Ainda assim, havia momentos em que me perguntava se algum dia teria liberdade para escolher por mim mesma.
Toquei minha tatuagem, sentindo a textura suave da pele. A flor de lótus era meu pequeno segredo, algo que Papà nunca aprovaria, mas que me fazia lembrar que eu ainda tinha controle sobre algumas partes de quem eu era.
Uma batida na porta interrompeu meus pensamentos.
— Giulia, Papà quer que você desça. — Era Francesca, com a voz doce e impaciente. — Ele disse que já estamos atrasadas.
— Já estou indo. — Sorri, mesmo que ela não pudesse ver. Francesca era a única que sabia dos meus segredos.
Ela saiu, e eu me virei novamente para o espelho. Passei os dedos pelos cabelos negros e lisos, cortados em camadas que caíam como uma moldura perfeita ao redor do meu rosto. Mamà sempre dizia que eu havia herdado a elegância dela, e eu gostava de acreditar nisso.
Minha mente vagou para Lorenzo. Ele estaria lá embaixo, ao lado de Papà, atento a cada detalhe. Lorenzo sempre foi como uma fortaleza inabalável, frio, controlado, distante. Mas havia algo nele que me intrigava, algo que eu nunca consegui ignorar. Talvez fosse o fato de ele ser a única pessoa neste mundo que parecia verdadeiramente intocável.
Balancei a cabeça, afastando o pensamento. Lorenzo não era para mim, e eu sabia disso. Não porque ele não fosse digno, mas porque nosso mundo não permitia essas distrações. Papà nunca aceitaria, e Lorenzo jamais se permitiria cruzar essa linha.
Ergui o queixo, ajeitei a postura e dei um último olhar para o reflexo. Era hora de descer e cumprir meu papel. A vida na nossa família exigia isso: perfeição, lealdade e força.
— Vamos lá — murmurei para mim mesma, saindo do quarto e descendo as escadas, onde o brilho da festa já iluminava todo o salão principal.
A música e as vozes do salão principal me envolveram assim que desci as escadas. O brilho dos lustres de cristal e o som das taças tilintando criavam um cenário de opulência que só os Ricciardi sabiam proporcionar. Olhei ao redor, cumprimentando os convidados com um sorriso educado, enquanto sentia os olhares me acompanharem. Papà sempre dizia que as filhas Ricciardi deviam ser tão poderosas quanto belas.
— Giulia! — Francesca chamou de um canto próximo ao bar, acenando com sua taça de champanhe.
Caminhei até ela, desviando de grupos de pessoas que conversavam animadamente. Francesca estava deslumbrante em um vestido azul que realçava seus cabelos castanhos e os olhos claros que herdou de Mamà. Ela parecia estar se divertindo, como sempre.
— Você está linda, sorella — disse ela, sorrindo de forma travessa.
— E você parece ter planos — respondi, inclinando a cabeça em direção à sua taça. — Já começou a beber antes mesmo de jantar?
Ela riu, balançando a cabeça. — Apenas um gole. E, na verdade, estava prestes a comentar algo. — Seus olhos brilharam enquanto ela inclinava levemente o queixo em direção ao outro lado do salão. — Está vendo aquele homem ali?
Segui seu olhar até um rapaz alto, moreno, de cabelo bem aparado. Ele parecia ter por volta de 30 anos, com um rosto marcado por traços fortes, mas elegantes. A barba estava aparada na medida certa, destacando a mandíbula definida. Vestia um terno cinza escuro que acentuava seu corpo musculoso, ombros largos e postura impecável. Seus olhos castanhos, profundos e calculistas, vagavam pelo salão, analisando as pessoas ao seu redor. Havia algo nele que chamava atenção imediatamente — uma confiança natural.
— Ele é bonito — comentei, desviando o olhar para Francesca. — Quem é?
— É o filho do senhor Moretti, um dos aliados de Papà — respondeu ela, animada. — Matteo, se não me engano. Não acha que ele é... interessante?
Observei o homem mais uma vez. Ele parecia sério, mas não distante, um pouco mais descontraído do que os outros filhos de aliados que conhecíamos. Alguém que, sem dúvida, atrairia a atenção de Papà.
— Talvez Papà gostasse da ideia de uma união com os Moretti. — Minha sugestão foi casual, mas Francesca se animou imediatamente.
— Acha mesmo? Talvez eu deva conversar com ele depois. Quem sabe? — Ela estava visivelmente entusiasmada, e eu sorri. Francesca sempre fora a mais romântica entre nós.
Enquanto ela continuava falando sobre Matteo, meu olhar vagou pelo salão, parando abruptamente em uma figura familiar. Lorenzo.
Meu coração acelerou, quase imperceptivelmente, mas o suficiente para me deixar alerta. Ele estava ao lado de Papà, observando o ambiente com a precisão de um predador. O terno preto caía perfeitamente em seu corpo, e os dois primeiros botões da camisa estavam abertos, revelando um pedaço de uma tatuagem que subia pelo peito. Um colar simples pendia em seu pescoço, combinando com a aura misteriosa que sempre o cercava. No ouvido, um fone discreto o conectava à equipe de segurança, mas seus olhos estavam atentos a tudo.
Por um breve instante, o olhar dele encontrou o meu. Foi como se o tempo parasse. Seu olhar era intenso, firme, como se ele pudesse ler tudo o que eu tentava esconder. Meu corpo ficou tenso, e uma leve onda de calor subiu pelo meu rosto.
Desviei o olhar rapidamente, fingindo continuar interessada no que Francesca estava dizendo. Mas algo em mim sabia que Lorenzo ainda estava me observando, mesmo enquanto voltava a varrer o salão com o olhar.
— Giulia? Está me ouvindo? — Francesca interrompeu meus pensamentos.
— Sim, claro — respondi, recuperando a compostura.
Ela riu, sem perceber minha distração. — Espero que Papà aprove a ideia de Matteo.
Eu apenas assenti, tentando esconder o turbilhão de emoções que Lorenzo sempre causava em mim.
(Sorella: Irmã)
(Papà: Papai)
Lorenzo SalvatoreO barulho da festa ecoava pelo salão principal, mas para mim era apenas um ruído distante. Meus olhos percorriam cada canto, atento a cada movimento, a cada rosto. Eu sabia exatamente onde estavam as saídas, quem eram os convidados e quem poderia representar uma ameaça. Esse era o meu trabalho.Os Ricciardi eram mais do que minha responsabilidade. Eles eram a razão pela qual eu mantinha minha posição no mundo. Proteger Domenico Ricciardi e sua família não era apenas uma obrigação; era uma honra.— Lorenzo. — A voz grave de Domenico me tirou dos meus pensamentos. Ele se aproximou, acompanhado por alguns de seus aliados mais influentes. — Vamos para a sala de reuniões. Há algo que preciso discutir com eles.Assenti sem hesitar, me posicionando ao lado dele enquanto atravessávamos o salão. As portas da sala de reuniões se fecharam atrás de nós, abafando o som da festa. Lá dentro, os homens se sentaram ao redor da longa mesa de madeira maciça. Eu permaneci em pé, na somb
Giulia Ricciardi A festa finalmente tinha terminado. Eu subi as escadas até meu quarto, meus pés descalços mal fazendo barulho no piso de madeira. A longa noite e o peso da bebida me deixavam um pouco zonza, mas era mais do que isso. Algo mais queimava em mim, algo que eu não conseguia nomear, ou talvez não quisesse.Fechei a porta atrás de mim e encarei meu reflexo no espelho. O vestido vermelho ainda estava impecável, apesar das horas de uso. Meu cabelo, antes tão perfeitamente arrumado, agora caía em cascatas desalinhadas pelos meus ombros. Suspirei. Fui até a penteadeira, pegando um algodão e o removedor de maquiagem.Enquanto esfregava o rosto, tentando apagar os traços da noite, uma batida baixa na porta me interrompeu.— Entre — eu disse, sem tirar os olhos do espelho, esperando ver Francesca ou talvez até minha mãe entrando para perguntar como estava a festa.Mas não era nenhuma delas. Era ele.Lorenzo fechou a porta atrás de si, silenciosamente, como sempre fazia. Ele estava
Lorenzo SalvatoreCheguei ao portão da casa da minha mãe e já sentia a diferença no ar. Não era apenas pelo bairro simples onde ela morava, longe das mansões e do luxo da família Ricciardi. Era o cheiro de café fresco, o som de risadas ao longe, a ausência do peso que carregava nos ombros todos os dias.Estacionei meu carro ao lado da calçada, um sedã preto discreto. Desci, observando a fachada modesta da casa. A pintura branca estava um pouco desgastada, mas minha mãe insistia que não queria reformas. "Está boa do jeito que está, Lorenzo. Use seu dinheiro para a educação da sua irmã, não com isso."Abri a porta da frente, e o aroma de café invadiu minhas narinas imediatamente.— Lorenzo! — Minha mãe virou-se da pia com um sorriso caloroso no rosto. Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque frouxo, e ela usava o avental que eu mesmo tinha comprado para ela anos atrás.Antes que eu pudesse responder, senti um par de braços se jogar contra mim. Minha irmã, Anna, me abraçou com f
Giulia RicciardiA luz dourada do fim da tarde atravessava as janelas do meu quarto, iluminando o cavalete à minha frente. Minha tela quase terminada retratava um campo florido que eu havia visto em um verão distante, quando ainda era criança. Pintar era o meu refúgio, um dos poucos momentos em que eu sentia que podia ser eu mesma, sem as amarras da vida que meu sobrenome impunha.Enquanto passava o pincel pelos últimos detalhes de uma flor, ouvi a porta do quarto se abrir. Francesca entrou sem bater, como sempre fazia, segurando uma maçã meio comida. Seus longos cabelos estavam presos em um rabo de cavalo despretensioso, e seus olhos brilhavam com uma curiosidade irritante.— Giulia, você vai mesmo fazer essa cara de quem comeu e não gostou para o rapaz de amanhã? — ela perguntou, encostando-se na porta.Revirei os olhos, ainda focada no quadro.— Não estou com paciência para isso agora, Francesca.Ela se aproximou, sentando-se na beira da cama, e me olhou com aquele ar travesso que
Giulia RicciardiO som de batidas suaves na porta me tirou do sono. Com esforço, abri os olhos, vendo a luz da manhã já entrando pelas cortinas entreabertas.— Senhorita Giulia — chamou a voz de Sílvia, uma das empregadas da casa. — Seu pai pediu para avisar que a senhorita deve descer em dez minutos para o café da manhã.Suspirei profundamente, sentindo o peso da obrigação logo ao acordar.— Obrigada, Sílvia. Já estou descendo — respondi, minha voz ainda rouca de sono.Levantei-me, sentindo a preguiça do corpo após a noite anterior. Fui direto para o banheiro, onde tomei um banho rápido e frio para despertar de vez. Enquanto a água escorria pelo meu corpo, meus pensamentos vagavam para o que me esperava no dia. A aula do curso de moda começaria hoje, e eu estava animada. Era uma pequena fuga para um mundo só meu, ainda que temporária.Depois do banho, escolhi uma roupa prática: uma calça jeans justa, uma regata branca e uma jaqueta jeans que completava o visual. Coloquei alguns acess
Lorenzo SalvatoreUma semana depois...A sala de reuniões da mansão Ricciardi estava silenciosa, exceto pelo som das vozes firmes de meus homens enquanto discutimos os detalhes finais da segurança para a viagem. Uma grande movimentação como essa exigia planejamento impecável, e eu não tolerava falhas. A fazenda da família Ricciardi, localizada em uma região isolada do interior, era grandiosa e cheia de história, mas também um alvo perfeito para qualquer um que quisesse causar problemas.Minha responsabilidade era garantir que nada acontecesse.— Quero que as escoltas sejam divididas em dois grupos — expliquei, apontando para o mapa sobre a mesa. — Um à frente do comboio, monitorando qualquer movimento suspeito na estrada, e outro na retaguarda, para evitar surpresas.Os homens assentiram, absorvendo cada instrução. Domenico estava sentado à cabeceira da mesa, silencioso, mas com o olhar atento. Eu sabia que ele confiava plenamente em mim, mas ainda assim, era impossível ignorar a pres
Giulia Ricciardi Era impossível conter minha animação enquanto colocava as últimas peças na mala. Um casamento na fazenda da família significava uma pausa na rotina opressiva da casa em Milão. Alice, minha prima, sempre foi como uma irmã mais velha para mim, e agora que ela iria se casar, eu estava emocionada em fazer parte desse momento tão especial. Os vestidos das madrinhas estavam impecáveis. Meu tio, Antônio, havia contratado um estilista renomado para cuidar de tudo, e o resultado era deslumbrante. Os vestidos verde musgo, que combinavam perfeitamente com o cenário da fazenda, tinham cortes elegantes e delicados, destacando a beleza de cada uma de nós. Só de imaginar a cerimônia, cercada pela natureza, com Alice radiante em seu vestido de noiva, meu coração se enchia de felicidade. Depois de arrumar minha mala com roupas para os quatro dias, itens de higiene, sapatos e, claro, o vestido de madrinha, fui tomar um banho rápido. A água quente ajudou a relaxar meus músculos, mas
Lorenzo Salvatore Assim que desci do quarto onde havia deixado minhas coisas, fui direto procurar Luis e Alice. Eles estavam no grande salão principal, cercados por familiares e amigos, todos oferecendo parabéns e felicitações pelo casamento. Esperei um momento apropriado antes de me aproximar. — Lorenzo! — Luis me avistou primeiro, abrindo um sorriso largo enquanto se aproximava para me cumprimentar. — Que bom que veio, irmão. — Obrigado pelo convite, Luis. — Apertei sua mão firmemente antes de dar um leve abraço. — Alice, meus parabéns. Você está radiante. — Obrigada, Lorenzo. — Alice respondeu com um sorriso tímido, segurando a mão de Luis. — E obrigado por estar aqui. Luis me olhou com curiosidade, inclinando levemente a cabeça. — E sua mãe e sua irmã? Por que não as trouxe? — A Anna foi para um acampamento com a escola — expliquei, lembrando do entusiasmo dela ao falar sobre a viagem. — E minha mãe está cheia de encomendas de costura. Ela disse que mandará presentes depois