Lorenzo Salvatore
O barulho da festa ecoava pelo salão principal, mas para mim era apenas um ruído distante. Meus olhos percorriam cada canto, atento a cada movimento, a cada rosto. Eu sabia exatamente onde estavam as saídas, quem eram os convidados e quem poderia representar uma ameaça. Esse era o meu trabalho.
Os Ricciardi eram mais do que minha responsabilidade. Eles eram a razão pela qual eu mantinha minha posição no mundo. Proteger Domenico Ricciardi e sua família não era apenas uma obrigação; era uma honra.
— Lorenzo. — A voz grave de Domenico me tirou dos meus pensamentos. Ele se aproximou, acompanhado por alguns de seus aliados mais influentes. — Vamos para a sala de reuniões. Há algo que preciso discutir com eles.
Assenti sem hesitar, me posicionando ao lado dele enquanto atravessávamos o salão. As portas da sala de reuniões se fecharam atrás de nós, abafando o som da festa. Lá dentro, os homens se sentaram ao redor da longa mesa de madeira maciça. Eu permaneci em pé, na sombra, mas atento a cada palavra.
Domenico começou a falar sobre a expansão recente e os planos para fortalecer as alianças entre as famílias. Não era incomum que, em conversas como essa, os filhos e filhas fossem mencionados como parte das estratégias.
— Suas filhas são belíssimas, Domenico, e inteligentes, como a mãe delas — comentou um dos homens, um aliado de longa data. — Tenho certeza de que Francesca ou Giulia poderiam formar uma união forte com algum dos meus filhos.
O nome de Giulia pairou no ar, e eu senti um leve desconforto se formar no meu peito. Não era minha função me importar com quem ela se casaria ou com quem seu pai planejava uni-la, mas, mesmo assim, aquilo me incomodava.
Mantive minha postura firme, os braços cruzados nas costas, sem expressar qualquer reação. Domenico riu baixo, assentindo.
— Giulia é uma mulher notável, mas não é fácil de agradar. Ela é... como posso dizer? Determinada demais. — Ele sorriu com uma ponta de orgulho. — Francesca é mais dócil, talvez seja mais fácil de lidar.
Os homens riram, e eu fixei meu olhar na porta da sala, que estava ligeiramente aberta. Meu coração parou por um instante quando vi a figura de Giulia ali. Ela estava escondida, ouvindo.
Nossos olhares se cruzaram por um breve segundo, e foi o suficiente para perceber que seus olhos estavam marejados. Ela ouviu tudo.
Sem hesitar, me aproximei de Domenico e me inclinei para sussurrar em seu ouvido:
— Ela está ouvindo.
Domenico me olhou por um momento, a expressão de surpresa logo substituída por uma máscara de neutralidade. Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, Giulia saiu, a porta se fechando suavemente atrás dela.
Os homens continuaram a conversa, mas eu mal os ouvi. Minutos depois, quando a reunião terminou e os aliados de Domenico começaram a deixar a sala, me aproximei dele.
— Ficarei aqui com Marco e os outros — ele disse, percebendo minha inquietação. — Vá atrás de Giulia e certifique-se que ela esteja bem!
Assenti, deixando Domenico sob a proteção de outros homens de confiança, e saí da sala. Meu olhar varreu o salão, mas Giulia não estava lá. Francesca conversava com Matteo Moretti, completamente alheia ao que tinha acontecido.
Me movi rapidamente pelas áreas mais reservadas da casa, os passos firmes ecoando pelo piso de mármore. Conhecia Giulia o suficiente para saber que, quando precisava de espaço, não ficava entre a multidão.
Encontrei-a no terraço, de costas para mim, os longos cabelos negros balançando levemente com a brisa. Ela olhava para a cidade iluminada, mas seu corpo estava tenso, e eu soube que ela estava tentando controlar as emoções.
— Giulia. — Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia.
Ela não se virou, mas endireitou os ombros, como se estivesse se preparando para me enfrentar.
— Seu pai está lhe procurando. Preocupado com você.
Ela soltou uma risada amarga, ainda sem me olhar. — Preocupado comigo? Não foi o que pareceu a poucos minutos, quando estava falando sobre quem eu deveria me casar, como se fosse uma mercadoria. — Finalmente, ela se virou, e seus olhos escuros encontraram os meus. Havia raiva ali, mas também uma dor que ela tentava esconder. — É isso que eu sou, Lorenzo? Apenas mais um item para ser negociado?
Eu não sabia o que responder. Não era meu lugar, e qualquer palavra poderia piorar a situação. Ainda assim, a ideia de vê-la sendo tratada como uma peça em um jogo estratégico me incomodava mais do que eu estava disposto a admitir.
— Claro, você é o homem fiel dele, claro que não vai me dar razão. — ela falou baixo, dando um riso irônico — Como sou tola!
— Você não é uma mercadoria.— Foi tudo o que consegui dizer.
Ela me olhou por mais alguns segundos, como se procurasse algo em mim, alguma resposta que talvez eu não pudesse dar. Então, balançou a cabeça, os olhos brilhando com uma mistura de frustração e tristeza.
— Não importa. Isso é quem eu sou. Uma Ricciardi.
Ela se afastou, passando por mim sem dizer mais nada. Fiquei parado ali, olhando para o horizonte, tentando ignorar a sensação de que algo dentro de mim estava mudando.
Voltei ao salão, e meus olhos imediatamente procuraram por Giulia. Ela estava no bar, segurando um copo de uísque. Sua postura era relaxada, mas algo em seu olhar me dizia que ela estava se esforçando para parecer indiferente.
Mantive minha posição próxima à entrada, atento ao fluxo de pessoas, mas não pude evitar observá-la à distância. Ela bebia com mais frequência do que o normal, e isso não era típico dela. Giulia sempre teve autocontrole, mesmo em momentos em que a pressão parecia insuportável.
A festa continuava animada, mas a quantidade de convidados começou a diminuir à medida que a noite avançava. Os aliados de Domenico se despediam, e os mais próximos ficavam apenas o suficiente para manter as aparências. Enquanto isso, Giulia permanecia no mesmo lugar, bebendo como se estivesse tentando apagar algo dentro de si.
Mais um copo de uísque desceu pela garganta dela. Observei cada movimento, a maneira como ela inclinava a cabeça levemente para trás ao beber, o brilho de desafio em seus olhos, mesmo que não houvesse ninguém para desafiá-la naquele momento.
Eu estava a poucos metros dela quando Domenico passou por mim, murmurando:
— Certifique-se de que tudo está em ordem antes de encerrar a noite.
— Sim, senhor.
Olhei para o bar mais uma vez. Giulia ainda estava ali, agora girando o copo vazio entre os dedos, como se pensasse em pedir mais. Então, ela se levantou.
Seus passos não eram exatamente firmes, mas também não vacilantes. Ainda assim, algo em sua expressão me preocupou. Ela saiu pelo lado do salão, ignorando todos ao redor, e meu instinto me fez segui-la. Mantive uma distância segura, não queria que ela percebesse que eu estava ali... pelo menos não ainda.
Ela cruzou o jardim, a noite estava fria, mas isso não pareceu incomodá-la. Giulia seguiu em direção à parte mais afastada da propriedade, perto do lago. O som das águas agitadas pelo vento ecoava suavemente, e a luz da lua iluminava sua figura.
Eu a observei de longe, parado entre as árvores. Giulia parecia absorta em seus pensamentos, mas então sua voz cortou o silêncio:
— Sei que você está aí, Lorenzo.
Meu corpo congelou por um segundo, mas logo saí das sombras, caminhando na direção dela.
— Você deveria voltar para dentro. Já passou da hora de descansar — disse, mantendo a voz firme, mas baixa.
Ela se virou para mim, e mesmo na penumbra, seus olhos escuros brilhavam com uma intensidade que sempre me desconcertava. Ela riu, uma risada amarga que não combinava com a mulher confiante que eu conhecia.
— Descansar? — Ela deu um passo na minha direção, o vestido vermelho se movendo como um fogo vivo ao seu redor. — Talvez eu devesse mesmo. Talvez eu devesse simplesmente seguir o que meu pai manda, casar com algum idiota que ele escolheu e passar o resto da vida fingindo que sou feliz.
— Você está bêbada, Giulia — falei, tentando manter a calma.
— E você é chato. — Ela se aproximou mais, tão perto que eu podia sentir o cheiro de uísque misturado ao perfume floral que parecia ser parte dela. — O tanto que você tem de beleza, tem de chatice.
Eu fiquei imóvel, mas meu coração acelerou. Ela levantou o olhar para mim, seus olhos agora fixos nos meus. Senti o ar ao nosso redor ficar pesado, como se algo estivesse prestes a acontecer. Meu olhar caiu sobre os lábios dela, e percebi que os dela faziam o mesmo em relação aos meus.
Por um breve instante, o mundo pareceu parar. A festa, a música, as preocupações... tudo desapareceu. Mas então, antes que eu pudesse ceder ao que quer que estivesse nos puxando um para o outro, dei um passo para trás.
— Você precisa ir para o seu quarto, Giulia — disse, minha voz saindo mais dura do que eu pretendia. — Isso não vai acabar bem, e você sabe disso.
Ela piscou algumas vezes, como se minha atitude a trouxesse de volta à realidade. Então, riu de novo, mas agora sem amargura.
— Sempre tão controlado, Lorenzo. Deve ser exaustivo.
Eu não respondi. Ela deu as costas para mim, caminhando de volta para a casa sem olhar para trás. Fiquei ali por mais alguns minutos, tentando ignorar a sensação de que havia cruzado uma linha invisível, mesmo sem querer.
Quando finalmente voltei ao salão, ela já tinha desaparecido. E eu sabia que aquela noite ficaria gravada na minha mente por muito mais tempo do que eu gostaria.
Giulia Ricciardi A festa finalmente tinha terminado. Eu subi as escadas até meu quarto, meus pés descalços mal fazendo barulho no piso de madeira. A longa noite e o peso da bebida me deixavam um pouco zonza, mas era mais do que isso. Algo mais queimava em mim, algo que eu não conseguia nomear, ou talvez não quisesse.Fechei a porta atrás de mim e encarei meu reflexo no espelho. O vestido vermelho ainda estava impecável, apesar das horas de uso. Meu cabelo, antes tão perfeitamente arrumado, agora caía em cascatas desalinhadas pelos meus ombros. Suspirei. Fui até a penteadeira, pegando um algodão e o removedor de maquiagem.Enquanto esfregava o rosto, tentando apagar os traços da noite, uma batida baixa na porta me interrompeu.— Entre — eu disse, sem tirar os olhos do espelho, esperando ver Francesca ou talvez até minha mãe entrando para perguntar como estava a festa.Mas não era nenhuma delas. Era ele.Lorenzo fechou a porta atrás de si, silenciosamente, como sempre fazia. Ele estava
Lorenzo SalvatoreCheguei ao portão da casa da minha mãe e já sentia a diferença no ar. Não era apenas pelo bairro simples onde ela morava, longe das mansões e do luxo da família Ricciardi. Era o cheiro de café fresco, o som de risadas ao longe, a ausência do peso que carregava nos ombros todos os dias.Estacionei meu carro ao lado da calçada, um sedã preto discreto. Desci, observando a fachada modesta da casa. A pintura branca estava um pouco desgastada, mas minha mãe insistia que não queria reformas. "Está boa do jeito que está, Lorenzo. Use seu dinheiro para a educação da sua irmã, não com isso."Abri a porta da frente, e o aroma de café invadiu minhas narinas imediatamente.— Lorenzo! — Minha mãe virou-se da pia com um sorriso caloroso no rosto. Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque frouxo, e ela usava o avental que eu mesmo tinha comprado para ela anos atrás.Antes que eu pudesse responder, senti um par de braços se jogar contra mim. Minha irmã, Anna, me abraçou com f
Giulia RicciardiA luz dourada do fim da tarde atravessava as janelas do meu quarto, iluminando o cavalete à minha frente. Minha tela quase terminada retratava um campo florido que eu havia visto em um verão distante, quando ainda era criança. Pintar era o meu refúgio, um dos poucos momentos em que eu sentia que podia ser eu mesma, sem as amarras da vida que meu sobrenome impunha.Enquanto passava o pincel pelos últimos detalhes de uma flor, ouvi a porta do quarto se abrir. Francesca entrou sem bater, como sempre fazia, segurando uma maçã meio comida. Seus longos cabelos estavam presos em um rabo de cavalo despretensioso, e seus olhos brilhavam com uma curiosidade irritante.— Giulia, você vai mesmo fazer essa cara de quem comeu e não gostou para o rapaz de amanhã? — ela perguntou, encostando-se na porta.Revirei os olhos, ainda focada no quadro.— Não estou com paciência para isso agora, Francesca.Ela se aproximou, sentando-se na beira da cama, e me olhou com aquele ar travesso que
Giulia RicciardiO som de batidas suaves na porta me tirou do sono. Com esforço, abri os olhos, vendo a luz da manhã já entrando pelas cortinas entreabertas.— Senhorita Giulia — chamou a voz de Sílvia, uma das empregadas da casa. — Seu pai pediu para avisar que a senhorita deve descer em dez minutos para o café da manhã.Suspirei profundamente, sentindo o peso da obrigação logo ao acordar.— Obrigada, Sílvia. Já estou descendo — respondi, minha voz ainda rouca de sono.Levantei-me, sentindo a preguiça do corpo após a noite anterior. Fui direto para o banheiro, onde tomei um banho rápido e frio para despertar de vez. Enquanto a água escorria pelo meu corpo, meus pensamentos vagavam para o que me esperava no dia. A aula do curso de moda começaria hoje, e eu estava animada. Era uma pequena fuga para um mundo só meu, ainda que temporária.Depois do banho, escolhi uma roupa prática: uma calça jeans justa, uma regata branca e uma jaqueta jeans que completava o visual. Coloquei alguns acess
Lorenzo SalvatoreUma semana depois...A sala de reuniões da mansão Ricciardi estava silenciosa, exceto pelo som das vozes firmes de meus homens enquanto discutimos os detalhes finais da segurança para a viagem. Uma grande movimentação como essa exigia planejamento impecável, e eu não tolerava falhas. A fazenda da família Ricciardi, localizada em uma região isolada do interior, era grandiosa e cheia de história, mas também um alvo perfeito para qualquer um que quisesse causar problemas.Minha responsabilidade era garantir que nada acontecesse.— Quero que as escoltas sejam divididas em dois grupos — expliquei, apontando para o mapa sobre a mesa. — Um à frente do comboio, monitorando qualquer movimento suspeito na estrada, e outro na retaguarda, para evitar surpresas.Os homens assentiram, absorvendo cada instrução. Domenico estava sentado à cabeceira da mesa, silencioso, mas com o olhar atento. Eu sabia que ele confiava plenamente em mim, mas ainda assim, era impossível ignorar a pres
Giulia Ricciardi Era impossível conter minha animação enquanto colocava as últimas peças na mala. Um casamento na fazenda da família significava uma pausa na rotina opressiva da casa em Milão. Alice, minha prima, sempre foi como uma irmã mais velha para mim, e agora que ela iria se casar, eu estava emocionada em fazer parte desse momento tão especial. Os vestidos das madrinhas estavam impecáveis. Meu tio, Antônio, havia contratado um estilista renomado para cuidar de tudo, e o resultado era deslumbrante. Os vestidos verde musgo, que combinavam perfeitamente com o cenário da fazenda, tinham cortes elegantes e delicados, destacando a beleza de cada uma de nós. Só de imaginar a cerimônia, cercada pela natureza, com Alice radiante em seu vestido de noiva, meu coração se enchia de felicidade. Depois de arrumar minha mala com roupas para os quatro dias, itens de higiene, sapatos e, claro, o vestido de madrinha, fui tomar um banho rápido. A água quente ajudou a relaxar meus músculos, mas
Lorenzo Salvatore Assim que desci do quarto onde havia deixado minhas coisas, fui direto procurar Luis e Alice. Eles estavam no grande salão principal, cercados por familiares e amigos, todos oferecendo parabéns e felicitações pelo casamento. Esperei um momento apropriado antes de me aproximar. — Lorenzo! — Luis me avistou primeiro, abrindo um sorriso largo enquanto se aproximava para me cumprimentar. — Que bom que veio, irmão. — Obrigado pelo convite, Luis. — Apertei sua mão firmemente antes de dar um leve abraço. — Alice, meus parabéns. Você está radiante. — Obrigada, Lorenzo. — Alice respondeu com um sorriso tímido, segurando a mão de Luis. — E obrigado por estar aqui. Luis me olhou com curiosidade, inclinando levemente a cabeça. — E sua mãe e sua irmã? Por que não as trouxe? — A Anna foi para um acampamento com a escola — expliquei, lembrando do entusiasmo dela ao falar sobre a viagem. — E minha mãe está cheia de encomendas de costura. Ela disse que mandará presentes depois
Giulia RicciardiAcordei com o som das risadas e vozes animadas de Francesca e Liz. Ainda meio grogue, demorei alguns segundos para me situar. O quarto estava iluminado pela luz da manhã que atravessava as cortinas, e as duas já estavam de pé, aparentemente discutindo o que vestir para o evento de hoje.— Finalmente! Achei que você não ia levantar nunca. — Francesca provocou, olhando para mim pelo espelho enquanto arrumava os cabelos.Liz virou-se com um sorriso caloroso.— Bom dia, dorminhoca!— Bom dia, meninas. — Respondi, esfregando os olhos. — Parece que vocês já estão animadas para o dia.— Claro que estamos! — Liz respondeu, rindo. — Hoje é o grande dia das mulheres.Lembrei-me do que Alice tinha nos contado na noite anterior: um amigo secreto “adulto”, algo ousado e divertido que ela havia organizado para nós. A ideia era que cada uma levasse um presente que pudesse ser usado por qualquer uma das participantes, sem saber para quem o presente seria. Confesso que a ideia me deix