Capítulo 5 - Prisão

Giulia Ricciardi

A luz dourada do fim da tarde atravessava as janelas do meu quarto, iluminando o cavalete à minha frente. Minha tela quase terminada retratava um campo florido que eu havia visto em um verão distante, quando ainda era criança. Pintar era o meu refúgio, um dos poucos momentos em que eu sentia que podia ser eu mesma, sem as amarras da vida que meu sobrenome impunha.

Enquanto passava o pincel pelos últimos detalhes de uma flor, ouvi a porta do quarto se abrir. Francesca entrou sem bater, como sempre fazia, segurando uma maçã meio comida. Seus longos cabelos estavam presos em um rabo de cavalo despretensioso, e seus olhos brilhavam com uma curiosidade irritante.

— Giulia, você vai mesmo fazer essa cara de quem comeu e não gostou para o rapaz de amanhã? — ela perguntou, encostando-se na porta.

Revirei os olhos, ainda focada no quadro.

— Não estou com paciência para isso agora, Francesca.

Ela se aproximou, sentando-se na beira da cama, e me olhou com aquele ar travesso que só ela tinha.

— Só estou dizendo... Ele pode ser bonito. Interessante até. Vai que você se surpreende?

Deixei o pincel de lado e me virei para encará-la.

— Francesca, não é só uma questão de "dar uma chance". Aceitar ver esse homem amanhã é quase o mesmo que aceitar um noivado. Sabe como papà é. Ele vai pressionar, insinuar, manipular... E antes que eu perceba, estarei presa a alguém que eu nem conheço.

Ela deu uma mordida na maçã e respondeu, com a boca cheia:

— Mas e se ele for incrível? A vida pode te surpreender, sorella.

Suspirei profundamente, cruzando os braços.

— Não quero que minha vida dependa de surpresas ou sorte, Francesca. Não quero viver infeliz com alguém que eu não amo.

O sorriso travesso dela desapareceu, dando lugar a uma expressão mais séria.

— Tudo bem, entendi. Mas... — Ela hesitou antes de continuar. — Talvez seja hora de superar essa história com Lorenzo.

A menção do nome dele me fez estremecer, e meus músculos ficaram tensos.

— Isso não tem nada a ver com ele, Francesca — retruquei, seca.

Ela arqueou as sobrancelhas, desafiadora.

— Não tem? Porque, para mim, parece que você ainda está presa nessa fantasia impossível.

Levantei-me, tentando afastar a irritação crescente, e comecei a organizar os pincéis na mesa.

— Você não entende. Isso não é sobre Lorenzo. É sobre mim. Sobre o que eu quero para a minha vida.

Ela se levantou também, cruzando os braços, parecendo pronta para rebater.

— Então me explica, Giulia. Porque, do jeito que vejo, você está se prendendo a um homem que nunca poderá ser seu.

— Você acha que eu não sei disso? — Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia, carregada de frustração. Virei-me para encará-la, meus olhos fixos nos dela. — Isso não é sobre ele, Francesca. Não é sobre um homem. É sobre liberdade. Sobre não ter cada detalhe da minha vida decidido por papà. Você acha que é fácil viver assim? Que eu posso simplesmente ignorar tudo e me contentar?

Ela desviou o olhar, parecendo incomodada com minha explosão. A tensão no quarto era palpável, e eu sabia que se continuássemos, acabaríamos brigando de verdade.

Francesca deu um passo para trás, segurando o resto da maçã com força.

— Tudo bem, Giulia. Acho melhor eu ir antes que uma de nós diga algo que vai se arrepender depois.

Assenti, tentando recuperar a calma.

— É melhor mesmo.

Ela saiu do quarto sem dizer mais nada, fechando a porta com mais força do que o necessário. Quando fiquei sozinha, soltei o ar que nem tinha percebido estar segurando. Meu coração estava acelerado, e minha mente girava em círculos.

Por que Francesca não entendia? Não era só sobre Lorenzo. Claro, ele era uma peça importante no quebra-cabeça, mas o que eu queria — o que eu precisava — era mais do que isso. Eu queria ser livre para escolher. Para viver.

Olhei para o quadro inacabado, agora sob a luz mais fraca do sol poente. Peguei o pincel novamente e tentei me concentrar, mas minhas mãos tremiam. A discussão havia deixado um gosto amargo na minha boca.

Talvez Francesca estivesse certa em uma coisa: eu estava presa, mas não a Lorenzo. Eu estava presa a um mundo que não era meu. E a cada dia que passava, essa prisão parecia mais apertada.

...

A noite avançava lentamente, mas eu continuava no meu quarto, mergulhada no silêncio reconfortante que ninguém ousara interromper. Para minha surpresa — e alívio —, ninguém veio me chamar para jantar ou perguntar se eu precisava de algo. Francesca provavelmente sabia que ainda estávamos no limite de uma briga, e papà devia estar ocupado com seus próprios assuntos para se lembrar de mim.

Sentada na cama com meu notebook no colo, percorria páginas e páginas na internet, tentando encontrar algo para ocupar minha mente. O curso de pintura que eu frequentava era maravilhoso, mas insuficiente para preencher o vazio que sentia. Não era o suficiente para calar a insatisfação que crescia dentro de mim a cada dia.

Eu sempre gostei de aprender coisas novas. Desde que terminei a faculdade de Artes, passei a me inscrever em qualquer curso que me parecesse interessante. Já que papà não permitia que Francesca ou eu trabalhássemos — alegando que não precisávamos "nos rebaixar" —, ao menos os cursos me davam a sensação de que eu fazia algo por mim.

Enquanto clicava de página em página, meus olhos se detiveram em algo que chamou minha atenção: um curso de moda. Não era exatamente sobre artes, mas envolvia criatividade, estética e um mundo que sempre me fascinou. Moda era algo que eu gostava desde adolescente, mas nunca considerei seguir por esse caminho. Talvez agora fosse o momento.

Sem pensar muito, me inscrevi. A primeira aula já seria amanhã. Fechei o notebook, sentindo uma pontada de empolgação que não experimentava há tempos. Por um breve momento, deixei de lado as preocupações com papà, com o rapaz que ele queria me apresentar, e até mesmo com Lorenzo.

Passei horas lendo sobre o curso, pesquisando os trabalhos de estilistas famosos e imaginando como seria mergulhar nesse universo. Quando dei por mim, a noite já havia caído completamente, e o relógio marcava quase meia-noite.

Foi só então que percebi o quanto estava faminta. Levantei-me, sentindo o peso das horas que passei sentada, e desci as escadas em direção à cozinha. A casa estava silenciosa, exceto pelo ocasional som de passos vindo dos seguranças que faziam a ronda noturna. Peguei um sanduíche e uma taça de vinho na cozinha e, em vez de voltar para o quarto, decidi ir para o jardim.

A noite estava clara, iluminada por uma lua cheia brilhante e um céu salpicado de estrelas. Sentei-me em um banco de pedra, segurando minha taça e o prato com o sanduíche, enquanto observava o reflexo da lua na piscina. O ar fresco era um alívio bem-vindo depois de horas confinada no quarto.

De longe, avistei os seguranças andando pelo perímetro da propriedade. A visão deles, sempre alertas, sempre presentes, trouxe de volta aquela sensação incômoda de prisão. Não era só sobre o controle de papà; era sobre todo o mundo em que nasci. Um mundo que não me dava espaço para errar, experimentar ou, às vezes, simplesmente respirar.

Enquanto mordiscava o sanduíche, pensei no curso de moda. Era uma pequena rebeldia, eu sabia. Papà provavelmente torceria o nariz se soubesse que me inscrevi em algo tão "fútil" aos olhos dele. Mas era algo meu. Algo que eu podia controlar e que me dava uma fagulha de liberdade, mesmo que mínima.

Terminei de comer e fiquei ali, apreciando a quietude da noite. O jardim sempre fora um dos meus lugares favoritos na casa, especialmente quando todos já estavam dormindo. Era como se, naquele momento, o mundo fosse só meu.

No entanto, mesmo sob as estrelas, com o vento suave balançando meu cabelo, não conseguia escapar da sensação de que algo estava faltando. Havia uma inquietação constante dentro de mim, algo que nem os cursos, nem as noites silenciosas no jardim, nem mesmo a pintura conseguiam preencher.

Apertei a taça de vinho entre os dedos, olhando para o céu. Eu amava minha família, mas desejava tanto escapar da sombra deles. Queria mais para minha vida do que ser a filha obediente e submissa de Domenico Ricciardi.

Suspirei profundamente, decidindo que amanhã seria um novo dia. O curso de moda seria meu pequeno passo em direção a algo diferente, algo que fosse apenas meu. E, por agora, isso teria que ser o suficiente.

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