Mesmo diante da onipotência no olhar de Giulio, por um breve momento Eliza pensou ter vislumbrado um fascínio malicioso. No entanto, ela se recusou a aceitar a ideia de que ele estivesse zombando de sua inferioridade, afinal, por que Giulio Vallone perderia tempo humilhando uma garota como ela?
— Se você me der licença Signore, preciso voltar ao meu trabalho. — Pediu ainda extremamente envergonhada.
— Quem a está impedindo Signorina Villar?
Diante daquelas palavras ela teve mais uma vez a sensação de que ele estava provocando-a, já que o olhar astuto dele naquele momento era igual a de uma raposa traiçoeira tentando confundi-la e, mediante àquela certeza, ela achou mais conveniente afastar-se dele e daquela situação embaraçosa, e retomar suas funções — ou pelo menos tentar.
Seja por descuido ou por ainda está abalada com as palavras dele; fato era que ela se esbarrou acidentalmente em uma das telas e só quando o tilintar da obra caindo sobre o piso de porcelanato chegou a seus ouvidos foi que ela deu-se conta do ocorrido.
Frente àquele descuido, ela exclamou horrorizada. — Meu Deus, o que eu fiz!
Mesmo estando com os nervos à flor da pele, ela virou-se para vê a expressão de Giulio, porém o mesmo estava imperturbável, com o olhar fixo nela.
Ainda sob o efeito de seu sobressalto, ela pegou a tela e analisou-a com cautela. Após descobrir que a moldura estava intacta, ela respirou mais aliviada.
— Vejo que minha presença a perturba. — Giulio falou com um sorriso divertido dançando no canto dos lábios e aproximando-se dela, pegou a moldura e pediu-lhe. — Calma! É apenas uma tela.
— Uma tela muito valiosa que iria custar-me muito caro se eu a tivesse danificado. — Observou sem esconder sua angústia, pois não queria ter seus sonhos destruídos por um acidente como aquele.
Como se estivesse diante de um perito, ela o viu examinar cada canto da moldura atentamente, e após sua análise, ele dirigiu-lhe um olhar de censura, contudo amenizou o clima ao dizer-lhe. — Não se preocupe, a tela sobreviveu às suas mãos... Vou deixá-la em paz antes que você destrua a galeria. — A provocou deliberadamente.
Sem pensar que se colocava em posição inferior diante dele, ela praticamente implorou.
— Por favor, Signore Vallone, prometa-me que não vai contar nada para a Sra. Pallot sobre o que aconteceu aqui? Eu preciso muito desse estágio.
— Não se preocupe: esse será nosso pequeno segredo, a menos, é claro, que Giulietta tenha visto tudo pelas câmeras de segurança. — Giulio deu-lhe uma piscadela sensual e apontou para as câmeras espalhadas pela sala.
A menção as câmeras de segurança fizeram-na duvidar de sua capacidade de raciocínio, e nessa hora ela sentiu o chão fugir de seus pés, pois se Giulietta visse o que havia acontecido ela certamente estaria em apuros e desempregada. E, se, sua situação já não fosse desfavorável, pior ficou quando Giulio sem avisar puxou-a para si e cobriu-lhe os lábios com um beijo.
A princípio ela ficou passiva diante do gesto inesperado dele. Contudo ao sentir os braços fortes dele enlaçando-a pela cintura ela começou a se debater, ciente de que todo o seu esforço era em vão: Giulio era mais forte que ela.
A pressão dos lábios dele sobre os dela era exigente, mas gentil, de uma forma que fez Eliza parar de lutar e sucumbir àquele beijo devastador e, quando, finalmente ele a soltou ela estava ofegante e com as pernas trêmulas.
Abrindo um sorriso triunfante no rosto bonito, ele observou. — Não se preocupe, se Giulietta viu o beijo verá também que fui eu quem a agarrou... A propósito, seus lábios são macios. — Acrescentou para indignação dela.
‘Cretino.’ Pensou extremamente revoltada com a postura inaceitável dele.
Tão silencioso quanto entrou, ele saiu, deixando-a em um terrível estado de nervos. ‘Por Deus, ele beijou-me. Giulio Vallone: um idiota arrogante, beijou-me’.
Recuperada do susto de ser surpreendida por um beijo, Eliza retomou às suas tarefas muito preocupada por ter esquecido do sistema de segurança, pois se Giulietta visse o que havia acontecido — como Giulio fizera questão de frisar — seria seu último dia de estágio naquele lugar e ela não estava preparada para perdê-lo: sua permanência na Itália dependeria do resultado daquele dia desastroso.
Mesmo diante de tanto pessimismo ela conseguiu se concentrar em suas tarefas, e por volta das treze horas deu um pausa no trabalho e saiu para almoçar.
Como no dia anterior, ela optou por um restaurante simples, e como de costume a refeição foi escolhida pelo preço e não pelas atraentes poções do Menu; o que a fez verificar com cuidado todos os preços e escolher um Pugliese vegetariano e água para acompanhar, já que o dinheiro que tinha consigo pelo menos daria para pagar aquele prato.
Por ser pobre, Eliza já estava acostumada a pechinchar preços, uma vez que sua atual situação financeira não lhe era favorável e o dinheiro gasto com ônibus e almoço pesavam muito nas contas no final do mês. Mas, aquele gasto extra estava com os dias contados, pois ela descobriu através da faxineira que havia uma pequena cozinha nos fundos da galeria voltada exclusivamente para as necessidades básicas dos funcionários. O local estava totalmente equipado com fogão, micro-ondas e geladeira e isso era ótimo para ela, caso optasse por fazer suas refeições no próprio ambiente de trabalho.
Da mesma forma do dia anterior, ela não demorou muito para concluir sua refeição e isso lhe garantiu alguns minutos a mais de descanso. Porém seu senso de dever mais uma vez prevaleceu e a obrigou a voltar imediatamente para a galeria. E foi na disposição de uma jovem sonhadora que ela pagou o restaurante e saiu cantarolando rumo ao trabalho.
Assim que chegou, arregaçou as mangas e mergulhou de cabeça em suas atividades; de maneira que a tarde passou rapidamente e ela suspirou aliviada quando a noite caiu e o seu horário de expediente se encaminhava para chegar ao fim. Todavia, quando estava prestes a sair, ela foi surpreendida pela presença de Giulietta no corredor da galeria.
Como se ela estivesse invisível, Giulietta passou por ela ignorando-a completamente e caminhou taciturna em direção à tela que ela havia derrubado naquela manhã. Com mãos ávidas, ela pegou a moldura e examinou-a fixamente e seus olhos penetrantes e vívidos viram o que Eliza e Giulio não puderam enxergar.
Visivelmente chateada, ela resmungou. — Veja! Há um pequeno arranhão nesta moldura. — Depois de mostrar-lhe a parte arranhada da tela, ela a repreendeu insatisfeita — Honestamente, Signorina Villar, espero que você tenha mais cuidado ao manusear essas telas. Seria uma pena ter que despedi-la tão cedo. De qualquer forma, é uma possibilidade a se rever.
Diante do óbvio descontentamento de sua chefe, Eliza se redimiu envergonhada.
— Peço que me perdoe por minha falta de atenção. Garanto que o que aconteceu hoje nunca mais se repetirá.
— Para o seu próprio bem espero que isso não se repita. Não gostei nada do que aconteceu aqui. — Giulietta observou, deixando claro que não era apenas da pintura que ela estava se referindo, mas também do beijo trocado entre ela e Giulio. — Não pense que você se esconde de mim, Signorina Villar. Meus olhos estão por toda parte da galeria e não vou tolerar certos comportamentos.
Sentindo-se envergonhada diante de ambas as situações, ela não ousou encarar Giulietta e essa falta de atitude em defender-se, acentuava a decepção da senhora Pallot em relação a ela; de modo que não seria mais surpresa para ela se aquele fosse seu último dia de estágio.
Pensar na possibilidade de perder aquele estágio a fez sair daquele estado de inércia e encarando sua empregadora nos olhos, disse-lhe.
— A Signora pode descontar do meu salário.
— Não é apenas questão de dinheiro, Eliza. É questão de confiança. Você decepcionou-me no seu segundo dia de estágio. Não sei se vale a pena mantê-la comigo na galeria. — Observou e nesse momento o coração de Eliza disparou. — Por hoje você está dispensada. Amanhã passe no meu escritório e conversaremos melhor sobre tudo isso.
— Perdoe-me, não era minha intenção decepcioná-la. — Eliza desculpou-se em voz baixa e em seguida dirigiu-se ao banheiro, enquanto lutava contra as lágrimas que ameaçavam cair a qualquer momento.
Escondida de todos, ela não reprimiu sua dor e diante de sua imagem refletida no espelho deixou as lágrimas rolarem livremente. O choro libertador de algo que estava além de suas mãos era necessário para que ela pudesse se manter forte durante a dura conversa que teria. Amanhã uma única palavra mudaria o destino de sua vida, e ela esperava com todas as forças que não fosse um: ‘você está demitida’. Ouvir aquilo quebraria seu coração mil vezes.
Depois de se agarrar à esperança e arrancar o nó que estava preso em sua garganta, Eliza lavou o rosto e decidiu retocar a maquiagem borrada, pois ela ainda tinha uma reputação a zelar — isso se ela conseguisse controlar o tremor de suas mãos gélidas. Ainda sob o efeito das palavras de Giulietta, ela suspirou profundamente e começou a refazer a maquiagem, com a nítida sensação de que sairia da galeria desempregada, e, se, fosse para ser demitida, que fosse pelo menos com um mínimo de dignidade. Frente a essa forte convicção, Eliza terminou de se arrumar, e ao olhar-se atentamente no espelho sentiu-se mais forte e mais bonita do que nunca. A névoa avelã de seu olhar pálido se foi, deixando apenas uma bela jovem a desabrochar, de maneira que quem a visse pela rua não diria que ela se debulhou em lágrimas em frente ao espelho, e muito menos notaria a turbulência interna que ela estava enfrentando naquele fatídico dia. No entanto, apesar da aparente calmaria que Eliza demonstrou sentir
Depois que Mirella a deixou, Eliza começou a refletir sobre o que aconteceu e ela descobriu que, infelizmente, Giulio Vallone não era apenas o grande responsável por sua futura demissão, mas também por derrubar as paredes sólidas que ela havia construído em torno de si mesma durante anos – algo que ela lutou muito para conseguir preservar. Desde o fatídico dia em que o encontrou na galeria, algo dentro dela a avisou aos gritos para se afastar dele. Sua intuição lhe dizia que Giulio era perigoso, astuto e cruel e que ela era apenas a parte vulnerável da história e, como toda parte fraca ela iria perder, e isso estava começando a se concretizar. Envolta em tantos pensamentos perturbadores, Eliza se esqueceu completamente do café que estava no fogo, de maneira que quando ela acordou de seu transe, era tarde demais: o líquido já havia transbordado e sujado todo o fogão. — Não acredito que fiz isso. Como posso fingir que estou calma destruindo a cozinha dessa maneira? Concentre-se, Eliza
Depois de ser ignorada por horas, Eliza entrou no escritório de Giulietta com as emoções à flor da pele. Por mais que ela tentasse permanecer firme, a verdade era que ela não estava preparada para aquele momento. Mesmo assim, depois de uma longa jornada para chegar à Itália, à galeria, ao sonho de sua infância, sua vida parecia andar em uma corda bamba. — Sente-se! — Giulietta pediu indicando-lhe a cadeira à sua frente. Extremamente ansiosa e obediente, Eliza sentou-se esperando as intervenções de sua chefe. Naquele instante ela soube que a sorte estava sendo lançada, e agora era tudo ou nada, e honestamente, ela esperava que fosse tudo. Como Giulietta não era mulher de fazer rodeios ela foi direta em sua fala. — Vejo que você não trabalhou hoje, signorina Villar. Pode me dizer o motivo? — Eu pensei que... — Você pensa demais, Eliza. Mas é compreensível dada a sua idade. Embora você não seja paga para pensar. — Giulietta a interrompeu com tanta força que suas mãos começaram a tre
Depois de sua conversa desastrosa com Giulietta, Eliza regressou as suas atividades com os ânimos abalados, pois a dura realidade sob seus olhos nublava qualquer tipo de faísca esperançosa que ela pudesse ter. O certo era que a partir daquele momento nada mais seria como antes — não para ela e nem para Giulietta. Como tudo ao redor dela parecia fora de contexto, o dia se arrastou em uma lentidão surpreendente, frente ao ar melancólico da galeria, a pressa exacerbada dos funcionários e os olhares distantes. Parecia haver algo acontecendo ali e seus instintos lhe apontavam que, provavelmente, Giulietta estava descontando seu mau humor nos empregados ao redor – se não fosse um dia tão miserável, Eliza teria sorrido para animar-se. O dia, contudo, só tendia a piorar, já que, como pensou que seria dispensada do emprego, ela não levou dinheiro para o almoço. Resultado: estava faminta! Decidida a ignorar os apelos sôfregos de seu estômago, Eliza tentou se concentrar no trabalho; uma tarefa
Livrar-se de Giulio não seria uma tarefa tão fácil como a princípio Eliza pensou e, ela descobriu isso no final do expediente, pois ao contrário de suas convicções, Giulio não pretendia deixá-la em paz. Ela não era apenas uma garota interessante; tinha algo de especial nela que o atraia como louco e isso o estava deixando impaciente e determinado a descobrir o que era. — Boa noite, Eliza. A voz rouca e sensual de Giulio penetrou em seus ouvidos, deixando-a momentaneamente apreensiva; o que a fez responder o cumprimentou polidamente e continuar seu caminho. — Precisamos conversar, Eliza. — Não temos nada a conversar, signore Vallone. — Ela rebateu ríspida e acelerou os passos enquanto fragmentos da conversa dela com Giulietta jorravam como torrentes em sua mente, por fim, quando deu por si, já estava praticamente correndo. — Eliza pare e me ouça. — Ele tentou chamá-la, mas ao contrário das outras vezes, foi ignorado. Diante da recusa de Eliza em parar para conversar, Giulio
Eliza saiu do restaurante ao lado de Giulio, pensativa. Procurando pela memória algo que tenha falado para que ele mudasse tão repentinamente de comportamento. Era esquisito, pois de um momento para o outro, ele mudou radicalmente sua postura e o modo como a via: não que isso fosse um problema real, mas havia algo lá que ele não disse e isso a estava intrigando, pois o homem até então, quase atencioso e preocupado, transformou-se em um grosseirão num piscar de olhos. Se não bastasse a hostilidade que ele demonstrou para com ela, o sem caráter ainda teve a ousadia de chamá-la de mal-educada. Para aumentar ainda mais a indignação de Eliza, ela o viu pegar algumas notas da carteira e sem o menor constrangimento, ele as estendeu a ela. — O que pensa que está fazendo? Não estou pedindo-lhe dinheiro. Não estou pedindo-lhe nada. — Ela acrescentou exasperada, após questioná-lo. O que o fazia agir de forma tão arrogante quando se tratava dela? Giulio sempre a tinha como uma mulher inferior.
A sensação letárgica de está mergulhando no doce acalento do sono durou pouco e o descanso de Eliza foi interrompido pelos caprichos infantis de sua colega de quarto e pelos punhos impacientes de Lúcia golpeando a porta de seu quarto.No primeiro momento, ela pensou em fingir que estava dormindo, porém conhecendo-a como era; Lúcia seria capaz pôr a porta a baixo. Desanimada, levantou-se para atendê-la.— Há algo acontecendo, Lúcia?Lúcia ignorou sua pergunta e invadiu o quarto esparramando-se em sua cama.— Já vai dormir Eliza? — Ela perguntou aparentemente esquecida da grosseria inicial.— Sim. Não sei se você esqueceu Lúcia, mas tenho trabalho, amanhã.Eliza respondeu o mais natural possível para não parecer grossa, mas dentro de si a vontade que tinha de pedir para ela se retirar era gra
Com a aproximação do evento na galeria, a manhã de Eliza começou bastante agitada. Isso de certo modo era bom, pois assim ela não teria muito tempo para pensar no jantar desastroso que tivera com Giulio — se é que ela poderia considerar aquele encontro como um jantar! Depois daquele dia não o vira mais. Pelo jeito ele fora decisivo quando disse ser o último encontro deles. Finalmente ele resolvera deixa-la em paz e teve o bom senso de compreender que era impossível qualquer aproximação entre eles.Ao mesmo tempo que Eliza ficara contente por está livre da presença perturbadora de Giulio, ela estava frustrada: era inquestionável que a presença dele estava dando um novo ânimo a sua vida, talvez seja porque, pela primeira vez há muito tempo, ela se sentiu uma mulher de verdade: desejada e bonita.Ela não podia negar que não sentia falta de seus olhares cobiçosos. De vez em quando era bom sentir-se admirada — só que no caso de Giulio, a admiração por ela passou no primeiro jantar. Pensar d