Eliza acordou na manhã seguinte com o barulho insistente do despertador gritando em seu ouvido como se dissesse: ‘Levante-se, preguiçosa!’ Hora de acordar!
A fim de se livrar do som insuportável do aparelho, ela tateou a mesa de cabeceira, mas como a sorte era fugaz como uma raposa, em um único descuido o despertador se vingou fazendo-a derrubar o celular e os livros no chão.
Depois de ver sua bagunça espalhada pelo chão, ela choramingou em silêncio, e se recriminou mentalmente por sua falta de atenção: como você é desastrada, Eliza. E o dia estava apenas começando!
Como nem tudo era perfeito, e seguindo a lógica do velho ditado que dizia que a pressa era inimiga da perfeição, ela descobriu que se enquadrava perfeitamente na análise de Newton em que toda ação gera uma reação: Eliza recebeu o dela.
Conformada de que não começaria o dia com o pé direito, ela se contentou com o esquerdo e depois de está totalmente desperta, recolheu rapidamente seu celular do chão – ou o que restou dele – e correu para o banheiro.
Como aparentemente parecia que ela estava correndo contra o tempo, Eliza se apressou o máximo possível e em menos de meia hora já estava na cozinha preparando seu desjejum. Depois de preparar pães, ovos e frutas, ela fez sua refeição sozinha — aliás como todos os dias —, pois Lúcia sempre acordava muito tarde e Mirella aquela hora ainda estava no hospital para mais um exaustivo plantão: ela era enfermeira.
Em conformidade com a ideia de que tudo naquela manhã parecia conspirar contra ela — para seu desgosto — Lúcia deixou algumas tigelas sujas da noite anterior espalhadas pela pia, confirmando assim o óbvio: sua colega de quarto não tinha a menor vocação para as tarefas domésticas. Por outro lado, Eliza não a culpava, pois os pais de Lúcia a criaram como uma verdadeira boneca de porcelana, de maneira que ela era uma garota mimada, cujo caráter egocêntrico foi moldado desde a infância. Culpa dos pais? Talvez! Não dava para apontar o transgressor, porque ao contrário dela, Eliza vinha de uma família pobre onde as tarefas domésticas eram divididas entre ela e sua mãe.
Ao pousar novamente os olhos naquela bagunça, ela constatou que não teria muito tempo à sua disposição, o que significava que se Mirella não lavasse a louça ao chegar em casa, ela permaneceria no mesmo lugar esperando por ela, já que Lúcia dificilmente limparia sua própria bagunça e, como a Eliza cabia quase todos os afazeres domésticos, ela decidiu aliviar as responsabilidades de Lúcia — mesmo que sua amiga não merecesse.
Assim que a sujeira na pia foi resolvida, ela saiu correndo em direção ao seu quarto no intuito de se arrumar, pois estava fora de cogitação chegar atrasada no seu segundo dia de trabalho.
De volta ao seu ‘esconderijo’ como Lúcia bem lembrava, ela se maquiou casualmente e ficou surpresa com o resultado inesperado, pois diante do espelho se via a imagem de uma jovem confiante e segura de si: uma mulher linda e sensual, muito diferente da jovem retraída e tímida do dia anterior.
Naquela manhã, Eliza optou por uma camisa gola alta de seda estampada, pantalona preta e blazer bege de corte reto e retrô; tudo suave e harmonioso, e em seguida prendeu o cabelo em um coque alto, deixando algumas mechas soltas para emoldurar seu rosto gracioso. O resultado final foi melhor do que o esperado e ela contemplou o nascimento de uma nova mulher. De fato, a maquiagem a deixou mais adulta, mais sofisticada: normalmente ela não usava maquiagem, contudo, seu estágio atual exigia-lhe postura profissional e uma boa aparência.
Satisfeita com sua imagem, calçou sandálias de salto alto, pegou a bolsa a tiracolo e saiu.
Quando Eliza chegou à galeria, ela percebeu que seu dia desafortunado estava apenas piorando, e isso se confirmou quando a secretária de Giulietta a cumprimentou com um humor taciturno mais perigoso do que um tsunami, alertando-a assim de que ela deveria tomar cuidado ao dirigir-se a ela, pois Vittoria parecia um campo minado.
— Bom dia, signora Vittoria. Alguma instrução para hoje?
— Como estagiária é seu deve conhecer sua função dentro dessa empresa, não o meu.
— Eu só pensei que...
Antes que ela tivesse tempo de terminar seu raciocínio, Vittoria a interrompeu bruscamente.
— Você não é paga para pensar e sim para agir, por tanto vá procurar algo para fazer e saia da minha frente!
— Desculpe-me.
— Pare de se desculpar e vá trabalhar.
Diante daquela tremenda grosseria e falta de educação, Eliza disfarçou seu constrangimento e a seguir se dirigiu para o salão de exposições como se nada tivesse acontecido, enquanto a certeza de que a presença dela incomodava Vittoria crescia cada vez mais. A princípio, até considerou a possibilidade de estar errada em seu julgamento e de que todo o problema estivesse apenas em sua cabeça, mas diante de todas as respostas agressivas que recebeu até então, isso só veio confirmar suas suspeitas: Vittoria não a suportava, aliás, suportar era uma boa palavra em comparação a alguém que demonstrava odiá-la. Por isso, em meio a esse aviso, Eliza achou mais conveniente ficar alerta, pois esse tipo de pessoa costumava ser traiçoeira.
De qualquer forma, mesmo com a desagradável recepção, ela decidiu esquecer o ocorrido e procurou concentrar-se no trabalho. Absorta em sua tarefa, ela não viu o momento que Giulio entrou no salão, e foi só quando a voz cínica dele soou atrás dela, que ela ficou ciente de sua presença.
— Ora, ora, signorina Villar! Tudo isso é para me impressionar?
Quando as palavras dele chegaram aos seus ouvidos, ela sentiu o estômago revirar. De alguma forma, o tom audacioso dele mexeu com seus instintos de proteção e isso não era nada agradável.
Embora relutante, ela virou-se e o encarou de frente, enquanto lutava consigo mesma para controlar o tremor que começou a percorrer seu corpo. Mas, mesmo diante de seu nervosismo, ela respondeu-lhe o mais naturalmente possível.
— Desculpe senhor, acho que não entendi. Você está insinuando que eu...
Aproximando-se dela com arrogância, observou.— Não deixei claro? Achei que fosse uma garota inteligente o suficiente para perceber minha intenção.
— Lamento desapontá-lo, mas não costumo vestir-me para os outros. Muito menos para você.
— Assim fica mais interessante signorina. Tenho certeza de que você pelada é muito mais bonita.
Giulio disse-lhe descaradamente para descontentamento dela e nessa hora ela constatou que a depravação dele era bem maior do que seu ego.
— Seu insolente! Como você ousa?! — Eliza retrucou indignada e acrescentou furiosa. — Com quem você pensa que está falando?
— Com quem penso que estou falando, sgnorina? Acredito que sua audácia tapou-lhe a visão.
A observação pretensiosa dele a chocou, e era um forte indicativo de que ela tinha ido longe demais, afinal ele era uma pessoa influente e muito querida pela Signora Pallot, e não era de bom-tom maltratar um cliente ou amigo de Giulietta. Diante desse fato, ela se sentiu obrigada a consertar a situação e, mesmo sentindo-se ofendida, foi forçada a engolir a humilhação e de cabeça baixa, desculpou-se.
— Sinto muito, Signore. Eu não tive a intenção de afrontá-lo ou ofendê-lo.
— Assim é bem melhor, Signorina Villar. Seria uma pena se Giulietta soubesse que você maltratou um cliente precioso. — Arqueando uma das sobrancelhas, observou. — Felizmente sou um homem generoso e perdoarei sua insolência.
‘Estúpido!’ Ela pensou indignada e desculpou-se mais uma vez.
Ver-se naquela situação embaraçosa era humilhante e a fez perceber o quanto Giulio era perigoso. Um homem lindo e perigoso.
Mesmo diante da onipotência no olhar de Giulio, por um breve momento Eliza pensou ter vislumbrado um fascínio malicioso. No entanto, ela se recusou a aceitar a ideia de que ele estivesse zombando de sua inferioridade, afinal, por que Giulio Vallone perderia tempo humilhando uma garota como ela? — Se você me der licença Signore, preciso voltar ao meu trabalho. — Pediu ainda extremamente envergonhada. — Quem a está impedindo Signorina Villar? Diante daquelas palavras ela teve mais uma vez a sensação de que ele estava provocando-a, já que o olhar astuto dele naquele momento era igual a de uma raposa traiçoeira tentando confundi-la e, mediante àquela certeza, ela achou mais conveniente afastar-se dele e daquela situação embaraçosa, e retomar suas funções — ou pelo menos tentar. Seja por descuido ou por ainda está abalada com as palavras dele; fato era que ela se esbarrou acidentalmente em uma das telas e só quando o tilintar da obra caindo sobre o piso de porcelanato chegou a seus ouvi
Depois de se agarrar à esperança e arrancar o nó que estava preso em sua garganta, Eliza lavou o rosto e decidiu retocar a maquiagem borrada, pois ela ainda tinha uma reputação a zelar — isso se ela conseguisse controlar o tremor de suas mãos gélidas. Ainda sob o efeito das palavras de Giulietta, ela suspirou profundamente e começou a refazer a maquiagem, com a nítida sensação de que sairia da galeria desempregada, e, se, fosse para ser demitida, que fosse pelo menos com um mínimo de dignidade. Frente a essa forte convicção, Eliza terminou de se arrumar, e ao olhar-se atentamente no espelho sentiu-se mais forte e mais bonita do que nunca. A névoa avelã de seu olhar pálido se foi, deixando apenas uma bela jovem a desabrochar, de maneira que quem a visse pela rua não diria que ela se debulhou em lágrimas em frente ao espelho, e muito menos notaria a turbulência interna que ela estava enfrentando naquele fatídico dia. No entanto, apesar da aparente calmaria que Eliza demonstrou sentir
Depois que Mirella a deixou, Eliza começou a refletir sobre o que aconteceu e ela descobriu que, infelizmente, Giulio Vallone não era apenas o grande responsável por sua futura demissão, mas também por derrubar as paredes sólidas que ela havia construído em torno de si mesma durante anos – algo que ela lutou muito para conseguir preservar. Desde o fatídico dia em que o encontrou na galeria, algo dentro dela a avisou aos gritos para se afastar dele. Sua intuição lhe dizia que Giulio era perigoso, astuto e cruel e que ela era apenas a parte vulnerável da história e, como toda parte fraca ela iria perder, e isso estava começando a se concretizar. Envolta em tantos pensamentos perturbadores, Eliza se esqueceu completamente do café que estava no fogo, de maneira que quando ela acordou de seu transe, era tarde demais: o líquido já havia transbordado e sujado todo o fogão. — Não acredito que fiz isso. Como posso fingir que estou calma destruindo a cozinha dessa maneira? Concentre-se, Eliza
Depois de ser ignorada por horas, Eliza entrou no escritório de Giulietta com as emoções à flor da pele. Por mais que ela tentasse permanecer firme, a verdade era que ela não estava preparada para aquele momento. Mesmo assim, depois de uma longa jornada para chegar à Itália, à galeria, ao sonho de sua infância, sua vida parecia andar em uma corda bamba. — Sente-se! — Giulietta pediu indicando-lhe a cadeira à sua frente. Extremamente ansiosa e obediente, Eliza sentou-se esperando as intervenções de sua chefe. Naquele instante ela soube que a sorte estava sendo lançada, e agora era tudo ou nada, e honestamente, ela esperava que fosse tudo. Como Giulietta não era mulher de fazer rodeios ela foi direta em sua fala. — Vejo que você não trabalhou hoje, signorina Villar. Pode me dizer o motivo? — Eu pensei que... — Você pensa demais, Eliza. Mas é compreensível dada a sua idade. Embora você não seja paga para pensar. — Giulietta a interrompeu com tanta força que suas mãos começaram a tre
Depois de sua conversa desastrosa com Giulietta, Eliza regressou as suas atividades com os ânimos abalados, pois a dura realidade sob seus olhos nublava qualquer tipo de faísca esperançosa que ela pudesse ter. O certo era que a partir daquele momento nada mais seria como antes — não para ela e nem para Giulietta. Como tudo ao redor dela parecia fora de contexto, o dia se arrastou em uma lentidão surpreendente, frente ao ar melancólico da galeria, a pressa exacerbada dos funcionários e os olhares distantes. Parecia haver algo acontecendo ali e seus instintos lhe apontavam que, provavelmente, Giulietta estava descontando seu mau humor nos empregados ao redor – se não fosse um dia tão miserável, Eliza teria sorrido para animar-se. O dia, contudo, só tendia a piorar, já que, como pensou que seria dispensada do emprego, ela não levou dinheiro para o almoço. Resultado: estava faminta! Decidida a ignorar os apelos sôfregos de seu estômago, Eliza tentou se concentrar no trabalho; uma tarefa
Livrar-se de Giulio não seria uma tarefa tão fácil como a princípio Eliza pensou e, ela descobriu isso no final do expediente, pois ao contrário de suas convicções, Giulio não pretendia deixá-la em paz. Ela não era apenas uma garota interessante; tinha algo de especial nela que o atraia como louco e isso o estava deixando impaciente e determinado a descobrir o que era. — Boa noite, Eliza. A voz rouca e sensual de Giulio penetrou em seus ouvidos, deixando-a momentaneamente apreensiva; o que a fez responder o cumprimentou polidamente e continuar seu caminho. — Precisamos conversar, Eliza. — Não temos nada a conversar, signore Vallone. — Ela rebateu ríspida e acelerou os passos enquanto fragmentos da conversa dela com Giulietta jorravam como torrentes em sua mente, por fim, quando deu por si, já estava praticamente correndo. — Eliza pare e me ouça. — Ele tentou chamá-la, mas ao contrário das outras vezes, foi ignorado. Diante da recusa de Eliza em parar para conversar, Giulio
Eliza saiu do restaurante ao lado de Giulio, pensativa. Procurando pela memória algo que tenha falado para que ele mudasse tão repentinamente de comportamento. Era esquisito, pois de um momento para o outro, ele mudou radicalmente sua postura e o modo como a via: não que isso fosse um problema real, mas havia algo lá que ele não disse e isso a estava intrigando, pois o homem até então, quase atencioso e preocupado, transformou-se em um grosseirão num piscar de olhos. Se não bastasse a hostilidade que ele demonstrou para com ela, o sem caráter ainda teve a ousadia de chamá-la de mal-educada. Para aumentar ainda mais a indignação de Eliza, ela o viu pegar algumas notas da carteira e sem o menor constrangimento, ele as estendeu a ela. — O que pensa que está fazendo? Não estou pedindo-lhe dinheiro. Não estou pedindo-lhe nada. — Ela acrescentou exasperada, após questioná-lo. O que o fazia agir de forma tão arrogante quando se tratava dela? Giulio sempre a tinha como uma mulher inferior.
A sensação letárgica de está mergulhando no doce acalento do sono durou pouco e o descanso de Eliza foi interrompido pelos caprichos infantis de sua colega de quarto e pelos punhos impacientes de Lúcia golpeando a porta de seu quarto.No primeiro momento, ela pensou em fingir que estava dormindo, porém conhecendo-a como era; Lúcia seria capaz pôr a porta a baixo. Desanimada, levantou-se para atendê-la.— Há algo acontecendo, Lúcia?Lúcia ignorou sua pergunta e invadiu o quarto esparramando-se em sua cama.— Já vai dormir Eliza? — Ela perguntou aparentemente esquecida da grosseria inicial.— Sim. Não sei se você esqueceu Lúcia, mas tenho trabalho, amanhã.Eliza respondeu o mais natural possível para não parecer grossa, mas dentro de si a vontade que tinha de pedir para ela se retirar era gra