Capítulo 3

Eliza acordou na manhã seguinte com o barulho insistente do despertador gritando em seu ouvido como se dissesse: ‘Levante-se, preguiçosa!’ Hora de acordar!

A fim de se livrar do som insuportável do aparelho, ela tateou a mesa de cabeceira, mas como a sorte era fugaz como uma raposa, em um único descuido o despertador se vingou fazendo-a derrubar o celular e os livros no chão.

Depois de ver sua bagunça espalhada pelo chão, ela choramingou em silêncio, e se recriminou mentalmente por sua falta de atenção: como você é desastrada, Eliza. E o dia estava apenas começando!

Como nem tudo era perfeito, e seguindo a lógica do velho ditado que dizia que a pressa era inimiga da perfeição, ela descobriu que se enquadrava perfeitamente na análise de Newton em que toda ação gera uma reação: Eliza recebeu o dela.

Conformada de que não começaria o dia com o pé direito, ela se contentou com o esquerdo e depois de está totalmente desperta, recolheu rapidamente seu celular do chão – ou o que restou dele – e correu para o banheiro.

Como aparentemente parecia que ela estava correndo contra o tempo, Eliza se apressou o máximo possível e em menos de meia hora já estava na cozinha preparando seu desjejum. Depois de preparar pães, ovos e frutas, ela fez sua refeição sozinha — aliás como todos os dias —, pois Lúcia sempre acordava muito tarde e Mirella aquela hora ainda estava no hospital para mais um exaustivo plantão: ela era enfermeira.

Em conformidade com a ideia de que tudo naquela manhã parecia conspirar contra ela — para seu desgosto — Lúcia deixou algumas tigelas sujas da noite anterior espalhadas pela pia, confirmando assim o óbvio: sua colega de quarto não tinha a menor vocação para as tarefas domésticas. Por outro lado, Eliza não a culpava, pois os pais de Lúcia a criaram como uma verdadeira boneca de porcelana, de maneira que ela era uma garota mimada, cujo caráter egocêntrico foi moldado desde a infância. Culpa dos pais? Talvez! Não dava para apontar o transgressor, porque ao contrário dela, Eliza vinha de uma família pobre onde as tarefas domésticas eram divididas entre ela e sua mãe.

Ao pousar novamente os olhos naquela bagunça, ela constatou que não teria muito tempo à sua disposição, o que significava que se Mirella não lavasse a louça ao chegar em casa, ela permaneceria no mesmo lugar esperando por ela, já que Lúcia dificilmente limparia sua própria bagunça e, como a Eliza cabia quase todos os afazeres domésticos, ela decidiu aliviar as responsabilidades de Lúcia — mesmo que sua amiga não merecesse.

Assim que a sujeira na pia foi resolvida, ela saiu correndo em direção ao seu quarto no intuito de se arrumar, pois estava fora de cogitação chegar atrasada no seu segundo dia de trabalho. 

De volta ao seu ‘esconderijo’ como Lúcia bem lembrava, ela se maquiou casualmente e ficou surpresa com o resultado inesperado, pois diante do espelho se via a imagem de uma jovem confiante e segura de si: uma mulher linda e sensual, muito diferente da jovem retraída e tímida do dia anterior.

Naquela manhã, Eliza optou por uma camisa gola alta de seda estampada, pantalona preta e blazer bege de corte reto e retrô; tudo suave e harmonioso, e em seguida prendeu o cabelo em um coque alto, deixando algumas mechas soltas para emoldurar seu rosto gracioso. O resultado final foi melhor do que o esperado e ela contemplou o nascimento de uma nova mulher. De fato, a maquiagem a deixou mais adulta, mais sofisticada: normalmente ela não usava maquiagem, contudo, seu estágio atual exigia-lhe postura profissional e uma boa aparência.

Satisfeita com sua imagem, calçou sandálias de salto alto, pegou a bolsa a tiracolo e saiu.

Quando Eliza chegou à galeria, ela percebeu que seu dia desafortunado estava apenas piorando, e isso se confirmou quando a secretária de Giulietta a cumprimentou com um humor taciturno mais perigoso do que um tsunami, alertando-a assim de que ela deveria tomar cuidado ao dirigir-se a ela, pois Vittoria parecia um campo minado.

— Bom dia, signora Vittoria. Alguma instrução para hoje?

— Como estagiária é seu deve conhecer sua função dentro dessa empresa, não o meu.

— Eu só pensei que... 

Antes que ela tivesse tempo de terminar seu raciocínio, Vittoria a interrompeu bruscamente.

— Você não é paga para pensar e sim para agir, por tanto vá procurar algo para fazer e saia da minha frente!

— Desculpe-me.

— Pare de se desculpar e vá trabalhar.

Diante daquela tremenda grosseria e falta de educação, Eliza disfarçou seu constrangimento e a seguir se dirigiu para o salão de exposições como se nada tivesse acontecido, enquanto a certeza de que a presença dela incomodava Vittoria crescia cada vez mais. A princípio, até considerou a possibilidade de estar errada em seu julgamento e de que todo o problema estivesse apenas em sua cabeça, mas diante de todas as respostas agressivas que recebeu até então, isso só veio confirmar suas suspeitas: Vittoria não a suportava, aliás, suportar era uma boa palavra em comparação a alguém que demonstrava odiá-la. Por isso, em meio a esse aviso, Eliza achou mais conveniente ficar alerta, pois esse tipo de pessoa costumava ser traiçoeira.

De qualquer forma, mesmo com a desagradável recepção, ela decidiu esquecer o ocorrido e procurou concentrar-se no trabalho. Absorta em sua tarefa, ela não viu o momento que Giulio entrou no salão, e foi só quando a voz cínica dele soou atrás dela, que ela ficou ciente de sua presença.

— Ora, ora, signorina Villar! Tudo isso é para me impressionar?

Quando as palavras dele chegaram aos seus ouvidos, ela sentiu o estômago revirar. De alguma forma, o tom audacioso dele mexeu com seus instintos de proteção e isso não era nada agradável.

Embora relutante, ela virou-se e o encarou de frente, enquanto lutava consigo mesma para controlar o tremor que começou a percorrer seu corpo. Mas, mesmo diante de seu nervosismo, ela respondeu-lhe o mais naturalmente possível.

— Desculpe senhor, acho que não entendi. Você está insinuando que eu...

Aproximando-se dela com arrogância, observou.— Não deixei claro? Achei que fosse uma garota inteligente o suficiente para perceber minha intenção.

— Lamento desapontá-lo, mas não costumo vestir-me para os outros. Muito menos para você.

— Assim fica mais interessante signorina. Tenho certeza de que você pelada é muito mais bonita.

Giulio disse-lhe descaradamente para descontentamento dela e nessa hora ela constatou que a depravação dele era bem maior do que seu ego.

— Seu insolente! Como você ousa?! — Eliza retrucou indignada e acrescentou furiosa. — Com quem você pensa que está falando?

— Com quem penso que estou falando, sgnorina? Acredito que sua audácia tapou-lhe a visão.

A observação pretensiosa dele a chocou, e era um forte indicativo de que ela tinha ido longe demais, afinal ele era uma pessoa influente e muito querida pela Signora Pallot, e não era de bom-tom maltratar um cliente ou amigo de Giulietta. Diante desse fato, ela se sentiu obrigada a consertar a situação e, mesmo sentindo-se ofendida, foi forçada a engolir a humilhação e de cabeça baixa, desculpou-se.

— Sinto muito, Signore. Eu não tive a intenção de afrontá-lo ou ofendê-lo.

— Assim é bem melhor, Signorina Villar. Seria uma pena se Giulietta soubesse que você maltratou um cliente precioso. — Arqueando uma das sobrancelhas, observou. — Felizmente sou um homem generoso e perdoarei sua insolência.

‘Estúpido!’ Ela pensou indignada e desculpou-se mais uma vez.

Ver-se naquela situação embaraçosa era humilhante e a fez perceber o quanto Giulio era perigoso. Um homem lindo e perigoso.

Capítulos gratis disponibles en la App >

Capítulos relacionados

Último capítulo