“Finalmente, Pallot Arts Gallery!” Eliza exclamou eufórica para si mesma, a medida que seus olhos maravilhados contemplavam o requinte daquele edifício, sem ainda acreditar na sorte que tivera de conseguir estágio naquele lugar.
A arte desde sempre fora uma paixão para Eliza e foi na adolescência que ela começou a fazer seus primeiros esboços, pois era através do desenho que ela expressava todas as suas emoções. Sonhos, frustrações e decepções ganhavam cores e tornavam-se pinturas em suas telas, na qual representava a imagem de um mundo perfeito e idealizado. Eliza não era apenas uma jovem pessimista, mas também uma garota sonhadora, que a certa altura de sua vida refugiou-se entre tintas e pincéis para fugir dos seus problemas e esquecer quem era e, como consequência disso, aos vinte e dois anos ela ainda procurava um significado real para sua existência um tanto vazia.
Deixando de lado suas turbulências interiores, ela olhou mais uma vez fascinada para a galeria, que em sua visão sonhadora parecia uma verdadeira obra de arte que contemplaria perfeitamente as esculturas de Donatello.
Como o momento presente exigia dela foco e determinação, ela deixou momentaneamente seu encantamento de lado e entrou confiante na galeria e dirigiu-se a seguir a recepcionista.
— Buongiorno, signorina. — Eliza a cumprimentou educadamente.
A secretária de Giulietta retribuiu a saudação polidamente, deixando evidenciar claramente que estava entediada. Mas, como o ofício lhe exigia polidez, ela perguntou-lhe mais amável.
— Em que posso ajudá-la?
— Me chamo Eliza Villar. Tenho uma entrevista com signora Pallot...
— A estagiária.
A secretária a interrompeu abruptamente e assumindo sua postura inicial, pediu indiferente. — Sente-se e espere. A signora Pallot está em reunião.Diante daquela nada convencional recepção, Eliza agradeceu a acolhida por mera educação, enquanto por dentro uma vozinha interior esbravejava afrontada: 'que mulher rude! Espero que o restante dos empregados não seja um reflexo dessa secretária mal-educada.'
Mas, como ela não estava ali para criar caso, ela sentou-se obediente em uma confortável poltrona e esperou pacientemente por horas; aproveitando vez ou outra àquela excessiva demora para olhar discretamente para o ambiente ao seu redor, que, aliás, exalava riqueza e elegância por todos os lados, indicando-lhe que aquele era o verdadeiro mundo dos bem-nascidos. O mundo ao qual ela não pertencia.
Olhar ao seu redor e não se perceber parte daquele lugar, deu-lhe certa nostalgia e a fez mergulhar dentro de si mesma.
Eliza Villar era filha única, fato que a fazia se sentir solitária, e às vezes ela chegava a cogitar em como seria bom ter irmãos — alguém com quem pudesse conversar, dividir problemas ou até mesmo brigar vez ou outra.
Pensar na possibilidade de como teria sido sua vida se tivesse irmãos a fez suspirar desanimada, pois aquela era uma possibilidade remota. Algo irreal e fora de cogitação, de maneira que ela teria que se contentar em ser filha única, pois, apesar de Fernanda Villar — mãe de Eliza — ter ficado viúva muito cedo, ela não se casou mais, e desde então, se dedicava exclusivamente a sua filha e isso, de certa forma a incomodava, pois mesmo sem querer, sua mãe acabava sufocando-a.
Não ter tido uma infância feliz e abastada sempre pesou negativamente na vida dela e a fazia sentir-se inferior — talvez pelo fato de desde pequena ter que aprender a conviver com o mínimo —, já que o que sua mãe ganhava não era o suficiente para suprir algumas de suas necessidades básicas, de maneira que a educação seria sua porta de entrada para um futuro melhor.
— Signorina Villar. Siga-me por favor.
A voz longínqua da secretaria a trouxe de volta a realidade e segundos depois Eliza foi conduzida para uma sala ampla e requintada. Os móveis eram revestidos de couro legítimo; telas colecionáveis de artistas renomados e objetos de arte de grande estética adornavam o local; tudo perfeitamente distribuído em uma enorme sala.
Detalhes como aquele deixavam o ambiente sofisticado e aconchegante e ouriçou novamente o deslumbramento dela, o que de certo modo não a fez perceber de imediato uma mulher ruiva e elegantemente vestida sentada em um canto a parte do escritório, aparentando ter cerca de quarenta anos — bonita e sofisticada — de estatura alta, cabelos medianos, olhos expressivamente verdes com algumas pequenas sardas emoldurando seu rosto pálido. Sem dúvida aquela elegante mulher tratava-se de Giulietta Pallot, sua futura chefe.
— Sente-se, signorina Villar. — Giulietta pediu-lhe, indicando-lhe a cadeira à sua frente, demonstrando está ligeiramente curiosa em relação a ela. — Fiquei muito impressionada com o seu currículo, mas confesso que não esperava encontrar uma garota tão jovem.
Frente àquela observação o ar pareceu falar-lhe e ela a encarou frustrada. Era verdade que ela era muito jovem, mas Eliza não via nenhum obstáculo em sua idade que diminuísse suas qualificações e atribuições. Ela tinha plena consciência de seu potencial como conhecedora de arte e estava mais do que capacitada para estagiar lá, a menos, é claro, que fosse norma da galeria não contratar jovens.
Como se àquela fosse uma verdade absoluta, ela perguntou-lhe desanimada. — A Signora não admite pessoas jovens?
— Perdoe-me querida. Não foi isso que eu quis insinuar. — Giulietta a corrigiu amigavelmente aliviando assim a fina camada de tensão no rosto de Eliza. — Pelo contrário; será bom ter um rosto jovem desfilando pela galeria. Infelizmente, já não me encaixo mais nos moldes dos meus vinte anos.
Ouvir aquilo deu-lhe um novo ânimo e ela sorriu aliviada, pois tinha batalhado muito para conseguir aquele estágio e não seria justo perdê-lo por conta de sua pouca idade.
Como observou Giulietta, Eliza era uma brasileira muito atraente e era dona de uma beleza exótica: tinha cabelos castanhos médio com nuances de vermelho, olhos cor de mel, pele clara e levemente bronzeada e pernas definidas. De longe, um bom físico.
— Posso chamá-la de Eliza?
— Sim, signora Pallot. — Ela respondeu feliz por ter sido aceita no estágio.
Como se a urgência de a situar quanto a admissão dela se fizesse necessária, sua contratante evidenciou.
— Minha querida, você foi altamente recomendado pelo Professor Salvattori e será a primeira estrangeira a ser contratada por esta empresa, por tanto espero que você não me decepcione.
— Agradeço-lhe pela oportunidade e pode ter certeza de que não a decepcionarei.
— Sinceramente, espero que não. — Reforçou com a nítida sensação de que iria arrepender-se mais cedo do que imaginava.
Depois de acertados todos os detalhes de sua contratação, Giulietta ligou para a recepção e em questão de minutos a secretária se encontrava em seu escritório. Após receber as instruções necessárias, Eliza foi encaminhada para o salão de exposições que era a parte mais aguardada por ela, dada a diversidade de obras de artes distribuídas no hall do imenso salão.
Quando a secretária a deixou ela arregaçou as mangas e se entregou à tarefa que deveria desempenhar — embora fosse etiquetar telas, esse trabalho era digno e a deixava orgulhosa, e aquela atividade prazerosa a manteve ocupada a manhã toda e, quando ela percebeu, já se passava das treze.
A barriga roncando era um convite sútil para o almoço e depois de ela guardar o resto do material que estava manuseando, pegou sua bolsa e se dirigiu a um pequeno restaurante nas proximidades da galeria. O almoço foi simples e não durou mais de meia hora, e assim que o terminou retornou imediatamente para o seu estágio. Ao aproximar-se da galeria viu que tinha uma Mercedes prateada estacionada em frente à porta principal da mesma, e pela opulência do veículo ela julgou tratar-se de um cliente muito rico.
Assim que Eliza entrou na galeria, ela encontrou um típico homem italiano: alto, moreno, bonito em fisionomia e aparentemente na casa dos trinta anos. Ele estava elegantemente sentado em uma das cadeiras de espera da recepção. Contudo, ao julgar pelo seu porte sério e a inquietação de sua perna, ele provavelmente estava ansioso para falar com Giulietta Pallot. Era inegável: ele parecia tão opulente quanto o veículo que ostentava. Como se um ímã o atraísse para ela, o estranho pousou os olhos em Eliza e ela sentiu-se capturada pela floresta mais selvagem, mais enigmática e mais escura do verde cintilante de seu olhar. Naquele momento ela percebeu que poderia fazer vários retratos mentais sobre ele e colocá-los em uma pintura. No entanto, pela maneira descarada como os olhos dele a varreram de cima a baixo – percorrendo cada centímetro de seu corpo como um cão feroz –, ela deduziu que esse homem não valia o tempo de sua admiração. Estava visível: ele fazia o estilo "Conquistador de muit
Eliza acordou na manhã seguinte com o barulho insistente do despertador gritando em seu ouvido como se dissesse: ‘Levante-se, preguiçosa!’ Hora de acordar! A fim de se livrar do som insuportável do aparelho, ela tateou a mesa de cabeceira, mas como a sorte era fugaz como uma raposa, em um único descuido o despertador se vingou fazendo-a derrubar o celular e os livros no chão. Depois de ver sua bagunça espalhada pelo chão, ela choramingou em silêncio, e se recriminou mentalmente por sua falta de atenção: como você é desastrada, Eliza. E o dia estava apenas começando! Como nem tudo era perfeito, e seguindo a lógica do velho ditado que dizia que a pressa era inimiga da perfeição, ela descobriu que se enquadrava perfeitamente na análise de Newton em que toda ação gera uma reação: Eliza recebeu o dela. Conformada de que não começaria o dia com o pé direito, ela se contentou com o esquerdo e depois de está totalmente desperta, recolheu rapidamente seu celular do chão – ou o que restou de
Mesmo diante da onipotência no olhar de Giulio, por um breve momento Eliza pensou ter vislumbrado um fascínio malicioso. No entanto, ela se recusou a aceitar a ideia de que ele estivesse zombando de sua inferioridade, afinal, por que Giulio Vallone perderia tempo humilhando uma garota como ela? — Se você me der licença Signore, preciso voltar ao meu trabalho. — Pediu ainda extremamente envergonhada. — Quem a está impedindo Signorina Villar? Diante daquelas palavras ela teve mais uma vez a sensação de que ele estava provocando-a, já que o olhar astuto dele naquele momento era igual a de uma raposa traiçoeira tentando confundi-la e, mediante àquela certeza, ela achou mais conveniente afastar-se dele e daquela situação embaraçosa, e retomar suas funções — ou pelo menos tentar. Seja por descuido ou por ainda está abalada com as palavras dele; fato era que ela se esbarrou acidentalmente em uma das telas e só quando o tilintar da obra caindo sobre o piso de porcelanato chegou a seus ouvi
Depois de se agarrar à esperança e arrancar o nó que estava preso em sua garganta, Eliza lavou o rosto e decidiu retocar a maquiagem borrada, pois ela ainda tinha uma reputação a zelar — isso se ela conseguisse controlar o tremor de suas mãos gélidas. Ainda sob o efeito das palavras de Giulietta, ela suspirou profundamente e começou a refazer a maquiagem, com a nítida sensação de que sairia da galeria desempregada, e, se, fosse para ser demitida, que fosse pelo menos com um mínimo de dignidade. Frente a essa forte convicção, Eliza terminou de se arrumar, e ao olhar-se atentamente no espelho sentiu-se mais forte e mais bonita do que nunca. A névoa avelã de seu olhar pálido se foi, deixando apenas uma bela jovem a desabrochar, de maneira que quem a visse pela rua não diria que ela se debulhou em lágrimas em frente ao espelho, e muito menos notaria a turbulência interna que ela estava enfrentando naquele fatídico dia. No entanto, apesar da aparente calmaria que Eliza demonstrou sentir
Depois que Mirella a deixou, Eliza começou a refletir sobre o que aconteceu e ela descobriu que, infelizmente, Giulio Vallone não era apenas o grande responsável por sua futura demissão, mas também por derrubar as paredes sólidas que ela havia construído em torno de si mesma durante anos – algo que ela lutou muito para conseguir preservar. Desde o fatídico dia em que o encontrou na galeria, algo dentro dela a avisou aos gritos para se afastar dele. Sua intuição lhe dizia que Giulio era perigoso, astuto e cruel e que ela era apenas a parte vulnerável da história e, como toda parte fraca ela iria perder, e isso estava começando a se concretizar. Envolta em tantos pensamentos perturbadores, Eliza se esqueceu completamente do café que estava no fogo, de maneira que quando ela acordou de seu transe, era tarde demais: o líquido já havia transbordado e sujado todo o fogão. — Não acredito que fiz isso. Como posso fingir que estou calma destruindo a cozinha dessa maneira? Concentre-se, Eliza
Depois de ser ignorada por horas, Eliza entrou no escritório de Giulietta com as emoções à flor da pele. Por mais que ela tentasse permanecer firme, a verdade era que ela não estava preparada para aquele momento. Mesmo assim, depois de uma longa jornada para chegar à Itália, à galeria, ao sonho de sua infância, sua vida parecia andar em uma corda bamba. — Sente-se! — Giulietta pediu indicando-lhe a cadeira à sua frente. Extremamente ansiosa e obediente, Eliza sentou-se esperando as intervenções de sua chefe. Naquele instante ela soube que a sorte estava sendo lançada, e agora era tudo ou nada, e honestamente, ela esperava que fosse tudo. Como Giulietta não era mulher de fazer rodeios ela foi direta em sua fala. — Vejo que você não trabalhou hoje, signorina Villar. Pode me dizer o motivo? — Eu pensei que... — Você pensa demais, Eliza. Mas é compreensível dada a sua idade. Embora você não seja paga para pensar. — Giulietta a interrompeu com tanta força que suas mãos começaram a tre
Depois de sua conversa desastrosa com Giulietta, Eliza regressou as suas atividades com os ânimos abalados, pois a dura realidade sob seus olhos nublava qualquer tipo de faísca esperançosa que ela pudesse ter. O certo era que a partir daquele momento nada mais seria como antes — não para ela e nem para Giulietta. Como tudo ao redor dela parecia fora de contexto, o dia se arrastou em uma lentidão surpreendente, frente ao ar melancólico da galeria, a pressa exacerbada dos funcionários e os olhares distantes. Parecia haver algo acontecendo ali e seus instintos lhe apontavam que, provavelmente, Giulietta estava descontando seu mau humor nos empregados ao redor – se não fosse um dia tão miserável, Eliza teria sorrido para animar-se. O dia, contudo, só tendia a piorar, já que, como pensou que seria dispensada do emprego, ela não levou dinheiro para o almoço. Resultado: estava faminta! Decidida a ignorar os apelos sôfregos de seu estômago, Eliza tentou se concentrar no trabalho; uma tarefa
Livrar-se de Giulio não seria uma tarefa tão fácil como a princípio Eliza pensou e, ela descobriu isso no final do expediente, pois ao contrário de suas convicções, Giulio não pretendia deixá-la em paz. Ela não era apenas uma garota interessante; tinha algo de especial nela que o atraia como louco e isso o estava deixando impaciente e determinado a descobrir o que era. — Boa noite, Eliza. A voz rouca e sensual de Giulio penetrou em seus ouvidos, deixando-a momentaneamente apreensiva; o que a fez responder o cumprimentou polidamente e continuar seu caminho. — Precisamos conversar, Eliza. — Não temos nada a conversar, signore Vallone. — Ela rebateu ríspida e acelerou os passos enquanto fragmentos da conversa dela com Giulietta jorravam como torrentes em sua mente, por fim, quando deu por si, já estava praticamente correndo. — Eliza pare e me ouça. — Ele tentou chamá-la, mas ao contrário das outras vezes, foi ignorado. Diante da recusa de Eliza em parar para conversar, Giulio