LUZ NARRANDO
O sol já tinha se posto quando me sentei na beira da cama, olhando para a mala aberta diante de mim. O silêncio do quarto era cortado apenas pelo som distante dos grilos lá fora e pelo vento que batia na janela. Meu coração estava inquieto. Amanhã seria um dia importante, e eu ainda não sabia como lidar com isso. Peguei uma camisa leve e dobrei com cuidado antes de colocá-la na mala. A viagem até a fazenda do pai de Anderson não era só uma simples visita. Era um passo grande, algo que podia mudar tudo. Desde que Anderson começou a falar mais sobre Arthur, eu sabia que esse momento chegaria. Mas agora que estava tão perto, me sentia estranhamente apreensiva Respirei fundo, tentando afastar a incerteza. Havia algo diferente nesse plano. Não era só conhecer o pai de Anderson, mas também o que aquilo poderia significar para mim. Minha vida tinha tomado um rumo inesperado nos últimos tempos, e parecia que eu estava sendo puxada para algo muito maior do que imaginava. Ajeitei as roupas dentro da mala e fechei o zíper com um estalo seco. Não tinha mais volta. Anderson já tinha avisado que sairíamos cedo, então eu precisava estar pronta. Não sabia o que me esperava naquela fazenda, mas meu coração dizia que essa viagem ia mudar tudo. Deitei na cama e fiquei olhando para o teto, tentando acalmar os pensamentos que rodavam na minha mente. O sono veio aos poucos, pesado e cheio de expectativas. No fundo, uma pergunta não saía da minha cabeça: estaria eu pronta para o que estava por vir? O sol mal havia nascido quando me levantei, sentindo o frescor da manhã entrar pela janela entreaberta. O apartamento ainda estava silencioso, e por um momento, fiquei parada ali, observando a cidade que começava a despertar. Amanhãs como essa sempre me traziam uma sensação estranha, um misto de expectativa e ansiedade. Hoje, ainda mais. Depois de um banho demorado, me vesti com calma e fui até a cozinha. Anderson já estava lá, encostado na bancada, mexendo no celular enquanto o cheiro de café recém-passado se espalhava pelo ambiente. — Bom dia, dormiu bem? — ele perguntou, sem desviar os olhos do aparelho. — Mais ou menos. Fiquei pensando demais — confessei, pegando uma xícara e servindo um pouco de café. Ele ergueu o olhar e me analisou por um instante antes de soltar um pequeno sorriso. — Nervosa? — Um pouco — admiti, levando a xícara até os lábios. — É uma viagem importante, não tem como não ficar. Anderson assentiu, pegando um pão e passando manteiga com calma. — Meu pai é um homem de personalidade forte, mas acho que vocês vão se dar bem — disse, me observando. — Ele respeita quem tem coragem. Aquelas palavras me fizeram refletir. Será que eu tinha coragem suficiente? Ou será que estava me metendo em algo muito maior do que eu conseguia lidar? Terminamos o café da manhã em silêncio, apenas o som das colheres batendo contra as xícaras preenchendo o ambiente. Depois, fizemos os últimos ajustes nas malas. Anderson verificou o carro, conferiu os documentos, e então, finalmente, estávamos prontos. Descemos para a garagem, e o ar fresco da manhã me fez arrepiar levemente. O carro de Anderson já estava carregado com nossas bagagens. Ele abriu a porta do passageiro para mim, e eu entrei, sentindo a mistura de ansiedade e empolgação tomar conta. Quando ele deu partida no motor e saímos para a estrada, fiquei observando a paisagem mudar aos poucos. Primeiro, os prédios altos da cidade deram lugar a bairros mais tranquilos, depois a rodovia se abriu diante de nós, cercada por campos e árvores. O rádio tocava uma melodia suave, e o balanço do carro me fazia relaxar aos poucos. Anderson dirigia tranquilo, uma mão no volante, a outra apoiada na perna. De vez em quando, ele lançava um olhar na minha direção, como se tentasse captar meus pensamentos. — No que tá pensando? — ele perguntou, quebrando o silêncio confortável. Suspirei, observando a estrada à frente. — Em tudo. Em como essa viagem pode mudar as coisas. Em como seu pai vai me receber. E também… no que eu realmente quero pra mim. Anderson ficou quieto por um momento, depois soltou um pequeno riso. — Parece que essa viagem tá mexendo mais com você do que eu imaginei. — Talvez — murmurei, sorrindo de lado. A estrada se estendia diante de nós, e eu sabia que cada quilômetro nos levava para algo novo, algo que poderia mudar completamente o rumo da minha vida. Mas, por enquanto, tudo o que eu podia fazer era seguir em frente. O sol já estava alto quando decidimos fazer uma parada em um posto de gasolina à beira da estrada. A viagem até a fazenda era longa, e um descanso antes de seguir viagem parecia uma boa ideia. Anderson estacionou o carro perto da loja de conveniência e desligou o motor, se espreguiçando no banco antes de sair. — Vamos esticar as pernas um pouco? — ele sugeriu, abrindo a porta e saindo. Assenti e fiz o mesmo. Assim que pisei no chão, senti o calor do asfalto sob meus pés. O vento quente soprava levemente, trazendo consigo o cheiro de café fresco e gasolina misturados. O posto não estava muito movimentado, apenas alguns caminhoneiros e viajantes parados por ali. Entramos na loja de conveniência e fomos direto para a área onde serviam café. O lugar era simples, mas acolhedor. Algumas mesas de madeira ocupavam o espaço, e uma funcionária sorridente nos cumprimentou assim que nos aproximamos do balcão. — O que vai querer? — Anderson perguntou, pegando um cardápio pequeno. — Um café e um pão de queijo — respondi sem pensar muito. — E você? — Acho que vou pegar o mesmo — ele disse, fazendo o pedido. Escolhemos uma mesa perto da janela, de onde dava para ver a estrada se estendendo ao longe. Enquanto esperávamos o pedido, fiquei observando os carros passarem, cada um seguindo para algum destino desconhecido. — Tá cansada? — Anderson perguntou, apoiando os braços na mesa. — Um pouco, mas acho que esse café vai ajudar — sorri, tentando aliviar a tensão que ainda sentia. Ele concordou com um aceno de cabeça e, por um momento, ficamos em silêncio, apenas aproveitando o momento. Quando a atendente trouxe nossos pedidos, o aroma do café quente me envolveu, e ao dar o primeiro gole, senti meu corpo relaxar um pouco mais. — Você acha que seu pai vai gostar de mim? — perguntei baixinho, sem encará-lo diretamente. Anderson apoiou a xícara na mesa e soltou um suspiro leve. — Eu não tenho dúvidas de que ele vai te respeitar — respondeu. — Agora, gostar ou não… isso vai depender de vocês dois. Aquilo não me tranquilizou completamente, mas pelo menos eu sabia que não estava indo despreparada. Terminamos nosso café com calma, aproveitando cada minuto antes de voltarmos para a estrada. A viagem ainda era longa, mas a sensação de que algo grande estava prestes a acontecer não me deixava.ARTHUR NARRANDO Arthur estava em pé, com as botas enfurnadas na terra molhada, o suor escorrendo pela testa, e os olhos fixos na vaca atolada no lamaçal. As mãos calejadas, com dedos grossos, apertavam o cabo do facão com tanta força que parecia que ele ia quebrar o metal. O ar estava pesado, e o cheiro de terra e estrume misturava-se com o do mofo, vindo da vaca atolada.Ele grunhiu, resmungando algo entre dentes. A vaca mugia, desesperada, seus olhos arregalados em um pânico que Arthur bem conhecia. Já havia visto muitos animais passarem por situações como aquela, e ele sabia o que era preciso fazer. Não havia tempo para sentimentalismo ou para pensar muito. Ele só sabia uma coisa: a vaca precisava sair dali, ou ele perderia um valioso pedaço de seu rebanho.“Você, Pedro, vem cá, me ajuda com essa porra!”, gritou para um dos soldados, que estava distante, observando com um olhar de quem não sabia o que fazer. Pedro correu até Arthur, com o rosto pálido pela tensão.Arthur lançou um
ARTHUR NARRANDO Arthur acordou com o som do vento batendo nas janelas, trazendo a frieza da madrugada para dentro da casa. Seus olhos estavam pesados, o corpo ainda dorido, mas o que mais o incomodava era o silêncio. A noite anterior parecia quase irreal, como um sonho fugaz que se dissipava ao primeiro sinal de luz.Ele estava deitado de costas, a respiração ainda entrecortada, sentindo a presença de Maria ao seu lado. Ela estava ali, mas não havia o mesmo calor de antes. O calor da paixão já se transformara em um frio estranho que agora permeava o ambiente. Arthur se virou lentamente para observá-la. Ela estava dormindo, o rosto tranquilo, como se nada tivesse acontecido, como se aquela noite fosse apenas mais uma em um ciclo interminável de trabalho e rotina. Mas ele sabia que não era. Algo tinha mudado. Algo dentro dele havia se mexido, e ele não sabia como lidar com isso.Olhou para o relógio na mesa de cabeceira. O sol já começava a despontar no horizonte, e logo o trabalho com
LUZ NARRANDO A poeira subia ao redor do carro conforme avançávamos pela estrada de terra. O sol estava alto, dourando os campos intermináveis que se estendiam ao longe. Meu coração batia acelerado. Eu já havia ouvido muito sobre Arthur, o pai do Anderson. Fazendeiro bruto, homem difícil, dono de um gênio tão forte quanto suas mãos calejadas. Mas nada poderia ter me preparado para o que vi quando descemos do carro.Ele estava ali, no meio do curral, segurando uma corda grossa entre os dedos. Um chapéu surrado sombreava parte do seu rosto, mas não o suficiente para esconder a expressão dura, os olhos intensos e a barba por fazer que deixava seu semblante ainda mais severo. A camisa aberta nos primeiros botões revelava um peito largo, marcado pelo trabalho pesado, e os músculos dos braços se moviam sob a pele dourada pelo sol conforme ele puxava a corda com força, prendendo um boi que resistia.Engoli em seco. Arthur não era apenas bruto. Ele era uma visão. Uma força da natureza esculpi
LUZ NARRANDO Sempre ouvi dizer que algumas pessoas entram na nossa vida como um furacão, transformando tudo sem aviso. Mas Anderson… Anderson entrou como uma brisa suave, um sopro leve que, quando percebi, já tinha se tornado um vento forte demais para ser ignorado.Eu me lembro exatamente do dia em que nos conhecemos. Era a minha primeira semana na faculdade, e eu ainda estava me acostumando com a rotina, os prédios enormes, o vai e vem de gente que parecia sempre saber exatamente para onde estava indo. Eu gostava daquela sensação de novidade, da ideia de que um mundo inteiro de possibilidades se abria à minha frente.Até que, no meio do corredor lotado, senti um impacto forte e, de repente, meus livros estavam espalhados no chão.— Ah! — soltei um pequeno grito de surpresa, tentando equilibrar o que ainda restava em minhas mãos.Quando olhei para cima, encontrei um par de olhos castanhos intensos me encarando com culpa. O rapaz, claramente tão perdido quanto eu, já se abaixava apre
ANDERSON NARRANDO Desde o momento em que esbarrei em Luz naquele corredor, soube que ela seria diferente de todas as outras mulheres que já passaram pela minha vida.Eu nunca fui do tipo que acredita em destino, essas coisas de “alma gêmea”. Mas quando nossos olhos se encontraram naquele dia, enquanto eu recolhia os livros que ela derrubou, senti algo estranho. Como se, de alguma forma, aquilo já estivesse escrito.Nos dias seguintes, eu não consegui evitar. Meu olhar sempre procurava por ela, minha atenção sempre voltava para a garota de sorriso doce e olhar curioso que me desarmava sem esforço.E quando finalmente ficamos juntos, tudo fez sentido.Luz era exatamente o que eu precisava sem nem saber que precisava.Ela me acalmava, me fazia querer ser melhor. E o mais engraçado era que nem precisava fazer nada além de ser ela mesma.Mas eu sabia que não era um cara fácil. Nunca fui.— Você é intenso demais, Anderson. — Ela disse certa vez, depois de uma discussão boba.— E você é tei
LUZ NARRANDO Eu sempre sonhei com esse momento.Desde criança, imaginava como seria quando o homem da minha vida se ajoelhasse diante de mim e me pedisse em casamento. Eu nunca fui o tipo de garota obcecada com contos de fadas, mas acreditava no amor. Acreditava na conexão entre duas pessoas, na força de um sentimento capaz de superar qualquer obstáculo.E com Anderson, tudo parecia certo.Naquela noite, ele me levou para um jantar surpresa. Eu achei estranho no início, porque ele não era do tipo romântico. Mas, ao mesmo tempo, estava feliz por ele ter pensado em algo especial.— Você está nervoso? — perguntei, enquanto caminhávamos para o terraço do restaurante.Ele soltou uma risada forçada, ajeitando a gola da camisa.— Um pouco.— Anderson, é só um jantar. — Brinquei, sem fazer ideia do que estava por vir.Mas então vi o cenário à nossa frente e meu coração disparou.A mesa estava perfeitamente decorada, velas iluminavam o ambiente, pétalas de rosas estavam espalhadas pelo chão.
Anderson Narrando O pedido de casamento havia sido perfeito. Luz estava com os olhos brilhando, emocionada, e eu senti o peso de uma responsabilidade que nunca imaginei carregar antes. Ela estava tão feliz, tão cheia de esperança, e eu, por dentro, tentava convencer a mim mesmo de que estava fazendo a coisa certa. No fundo, uma parte de mim sentia que ela era a mulher com quem eu queria construir uma vida, mas algo em mim, uma sensação inquietante, ainda me perseguia. Algo que não conseguia entender.O que acontecia dentro de mim? A noção de que eu estava prestes a dar um passo tão definitivo para a frente me aterrorizava, mas ao mesmo tempo, o sorriso de Luz, seu carinho e a entrega que ela demonstrava, me faziam querer acreditar que eu poderia fazer isso funcionar. Que ela poderia ser a mulher com quem eu passaria o resto da minha vida.Mas, como sempre, havia outra parte de mim, uma parte mais obscura, que me deixava inquieto. Eu pensava em Helena. Pensava nas vezes em que ela es