ARTHUR NARRANDO O sol já estava baixo no horizonte, tingindo o céu de tons alaranjados quando eu me aproximei da casa. Sujo de lama, suor e poeira, passei a mão pelo rosto, tentando tirar um pouco da sujeira antes de entrar. Assim que empurrei a porta da frente, me deparei com Luz e Maria, que já iam saindo. O encontro foi imediato, travando a passagem por um segundo Maria parou e me olhou. Mas não foi um olhar qualquer. Ela me analisava, os olhos escuros demorando nos detalhes, na minha aparência, no estado em que eu estava. Aquilo me deu um desconforto estranho, um incômodo subindo pelo meu peito. Não era só pelo jeito que ela me olhava, mas porque Luz percebeu. O olhar dela foi de Maria para mim rápido demais, e eu vi a expressão dela mudar. Não precisava ser gênio pra saber que ela tinha notado algo. O problema é que eu e Maria tínhamos passado a noite juntos, e agora aquilo parecia pesar no ar, mesmo sem palavras Luz ajeitou o cabelo, como se tivesse visto algo que não devia
LUZ NARRANDO O sol estava alto, castigando a terra rachada e os troncos retorcidos que se espalhavam pelo pasto seco. Mesmo assim, havia uma beleza crua naquele cenário, uma força bruta que me fazia entender um pouco mais sobre de onde o Anderson vinha. Caminhava devagar, com os olhos atentos a cada detalhe, ao lado da Maria — que parecia ser parte viva daquela terra, como se tivesse raízes fincadas no chão duro da fazenda do Arthur. — Aquela cerca ali a gente refez mês passado — ela disse, apontando com o queixo para um canto do pasto, onde alguns bois magros se arrastavam sob a sombra de uma árvore torta. — O seu Arthur não gostou muito da madeira, disse que era fraca, mas serviu. Pelo menos por enquanto. Maria falava com aquele sotaque puxado, sem pressa, com uma voz firme, mas doce. Eu gostava dela. Havia algo de acolhedor nos olhos da Maria, um tipo de bondade resistente, igual às poucas flores que eu via brotando entre as pedras. — É muita coisa, né? — eu comentei, passando
LUZ NARRANDO Sempre ouvi dizer que algumas pessoas entram na nossa vida como um furacão, transformando tudo sem aviso. Mas Anderson… Anderson entrou como uma brisa suave, um sopro leve que, quando percebi, já tinha se tornado um vento forte demais para ser ignorado.Eu me lembro exatamente do dia em que nos conhecemos. Era a minha primeira semana na faculdade, e eu ainda estava me acostumando com a rotina, os prédios enormes, o vai e vem de gente que parecia sempre saber exatamente para onde estava indo. Eu gostava daquela sensação de novidade, da ideia de que um mundo inteiro de possibilidades se abria à minha frente.Até que, no meio do corredor lotado, senti um impacto forte e, de repente, meus livros estavam espalhados no chão.— Ah! — soltei um pequeno grito de surpresa, tentando equilibrar o que ainda restava em minhas mãos.Quando olhei para cima, encontrei um par de olhos castanhos intensos me encarando com culpa. O rapaz, claramente tão perdido quanto eu, já se abaixava apre
ANDERSON NARRANDO Desde o momento em que esbarrei em Luz naquele corredor, soube que ela seria diferente de todas as outras mulheres que já passaram pela minha vida.Eu nunca fui do tipo que acredita em destino, essas coisas de “alma gêmea”. Mas quando nossos olhos se encontraram naquele dia, enquanto eu recolhia os livros que ela derrubou, senti algo estranho. Como se, de alguma forma, aquilo já estivesse escrito.Nos dias seguintes, eu não consegui evitar. Meu olhar sempre procurava por ela, minha atenção sempre voltava para a garota de sorriso doce e olhar curioso que me desarmava sem esforço.E quando finalmente ficamos juntos, tudo fez sentido.Luz era exatamente o que eu precisava sem nem saber que precisava.Ela me acalmava, me fazia querer ser melhor. E o mais engraçado era que nem precisava fazer nada além de ser ela mesma.Mas eu sabia que não era um cara fácil. Nunca fui.— Você é intenso demais, Anderson. — Ela disse certa vez, depois de uma discussão boba.— E você é tei
LUZ NARRANDO Eu sempre sonhei com esse momento.Desde criança, imaginava como seria quando o homem da minha vida se ajoelhasse diante de mim e me pedisse em casamento. Eu nunca fui o tipo de garota obcecada com contos de fadas, mas acreditava no amor. Acreditava na conexão entre duas pessoas, na força de um sentimento capaz de superar qualquer obstáculo.E com Anderson, tudo parecia certo.Naquela noite, ele me levou para um jantar surpresa. Eu achei estranho no início, porque ele não era do tipo romântico. Mas, ao mesmo tempo, estava feliz por ele ter pensado em algo especial.— Você está nervoso? — perguntei, enquanto caminhávamos para o terraço do restaurante.Ele soltou uma risada forçada, ajeitando a gola da camisa.— Um pouco.— Anderson, é só um jantar. — Brinquei, sem fazer ideia do que estava por vir.Mas então vi o cenário à nossa frente e meu coração disparou.A mesa estava perfeitamente decorada, velas iluminavam o ambiente, pétalas de rosas estavam espalhadas pelo chão.
Anderson Narrando O pedido de casamento havia sido perfeito. Luz estava com os olhos brilhando, emocionada, e eu senti o peso de uma responsabilidade que nunca imaginei carregar antes. Ela estava tão feliz, tão cheia de esperança, e eu, por dentro, tentava convencer a mim mesmo de que estava fazendo a coisa certa. No fundo, uma parte de mim sentia que ela era a mulher com quem eu queria construir uma vida, mas algo em mim, uma sensação inquietante, ainda me perseguia. Algo que não conseguia entender.O que acontecia dentro de mim? A noção de que eu estava prestes a dar um passo tão definitivo para a frente me aterrorizava, mas ao mesmo tempo, o sorriso de Luz, seu carinho e a entrega que ela demonstrava, me faziam querer acreditar que eu poderia fazer isso funcionar. Que ela poderia ser a mulher com quem eu passaria o resto da minha vida.Mas, como sempre, havia outra parte de mim, uma parte mais obscura, que me deixava inquieto. Eu pensava em Helena. Pensava nas vezes em que ela es
LUZ NARRANDO O sol já tinha se posto quando me sentei na beira da cama, olhando para a mala aberta diante de mim. O silêncio do quarto era cortado apenas pelo som distante dos grilos lá fora e pelo vento que batia na janela. Meu coração estava inquieto. Amanhã seria um dia importante, e eu ainda não sabia como lidar com isso.Peguei uma camisa leve e dobrei com cuidado antes de colocá-la na mala. A viagem até a fazenda do pai de Anderson não era só uma simples visita. Era um passo grande, algo que podia mudar tudo. Desde que Anderson começou a falar mais sobre Arthur, eu sabia que esse momento chegaria. Mas agora que estava tão perto, me sentia estranhamente apreensivaRespirei fundo, tentando afastar a incerteza. Havia algo diferente nesse plano. Não era só conhecer o pai de Anderson, mas também o que aquilo poderia significar para mim. Minha vida tinha tomado um rumo inesperado nos últimos tempos, e parecia que eu estava sendo puxada para algo muito maior do que imaginava.Ajeitei
ARTHUR NARRANDO Arthur estava em pé, com as botas enfurnadas na terra molhada, o suor escorrendo pela testa, e os olhos fixos na vaca atolada no lamaçal. As mãos calejadas, com dedos grossos, apertavam o cabo do facão com tanta força que parecia que ele ia quebrar o metal. O ar estava pesado, e o cheiro de terra e estrume misturava-se com o do mofo, vindo da vaca atolada.Ele grunhiu, resmungando algo entre dentes. A vaca mugia, desesperada, seus olhos arregalados em um pânico que Arthur bem conhecia. Já havia visto muitos animais passarem por situações como aquela, e ele sabia o que era preciso fazer. Não havia tempo para sentimentalismo ou para pensar muito. Ele só sabia uma coisa: a vaca precisava sair dali, ou ele perderia um valioso pedaço de seu rebanho.“Você, Pedro, vem cá, me ajuda com essa porra!”, gritou para um dos soldados, que estava distante, observando com um olhar de quem não sabia o que fazer. Pedro correu até Arthur, com o rosto pálido pela tensão.Arthur lançou um