LUZ NARRANDO
Sempre ouvi dizer que algumas pessoas entram na nossa vida como um furacão, transformando tudo sem aviso. Mas Anderson… Anderson entrou como uma brisa suave, um sopro leve que, quando percebi, já tinha se tornado um vento forte demais para ser ignorado. Eu me lembro exatamente do dia em que nos conhecemos. Era a minha primeira semana na faculdade, e eu ainda estava me acostumando com a rotina, os prédios enormes, o vai e vem de gente que parecia sempre saber exatamente para onde estava indo. Eu gostava daquela sensação de novidade, da ideia de que um mundo inteiro de possibilidades se abria à minha frente. Até que, no meio do corredor lotado, senti um impacto forte e, de repente, meus livros estavam espalhados no chão. — Ah! — soltei um pequeno grito de surpresa, tentando equilibrar o que ainda restava em minhas mãos. Quando olhei para cima, encontrei um par de olhos castanhos intensos me encarando com culpa. O rapaz, claramente tão perdido quanto eu, já se abaixava apressado para me ajudar. — Puta merda, desculpa! — ele murmurou, pegando meus livros. Foi só então que reparei nele de verdade. Ele era alto, tinha cabelos castanhos levemente bagunçados e um jeito de quem não pertencia completamente àquele lugar. Vestia jeans surrados e uma camisa simples, bem diferente dos outros estudantes que pareciam sempre tão estilosos e descolados. Ele me entregou os livros e me analisou com um olhar curioso. — Você deve ser nova por aqui, né? — perguntei, sorrindo de leve. — Como sabe? — ele arqueou uma sobrancelha, parecendo genuinamente surpreso. Dei de ombros, divertida. — Porque todo mundo que esbarra nos outros no corredor está perdido. Ele soltou uma risada baixa, e naquele instante, algo dentro de mim me disse que aquele encontro não tinha sido um acaso qualquer. Nos dias que se seguiram, comecei a notar Anderson por todos os lados. No café, na biblioteca, em algumas das minhas aulas. Ele sempre dava um jeito de puxar assunto, de se sentar perto, de me fazer rir. No começo, eu achava que era só amizade. Mas então vieram os olhares mais demorados. As conversas que iam além das aulas e dos trabalhos. A maneira como meu coração batia diferente sempre que ele se aproximava. E, sem que eu percebesse, Anderson foi deixando de ser só um colega de faculdade. Ele se tornou meu amigo, meu porto seguro, e antes que eu pudesse evitar… meu primeiro amor. Naquele tempo, eu achava que a nossa história era simples. Duas pessoas que se encontraram no momento certo, no lugar certo. Mas o destino sempre gosta de brincar com nossas certezas. E o que eu não sabia… era que, um dia, eu estaria prestes a me tornar parte de uma história que nunca deveria ter sido minha Nos meses seguintes, Anderson se tornou uma presença constante na minha vida. Ele tinha um jeito diferente dos outros garotos da faculdade—não tentava impressionar com palavras ensaiadas ou gestos exagerados. Em vez disso, ele me conquistava nas pequenas coisas. Nos dias frios, ele aparecia com um café quente para mim, mesmo sem eu pedir. Quando eu passava horas estudando, exausta, ele surgia com um chocolate e um sorriso torto, dizendo que era “combustível para a mente”. E quando a vida pesava, quando eu sentia que talvez tivesse escolhido um caminho difícil demais, ele me ouvia sem pressa, sem julgamento. Eu gostava de Anderson. Muito. No começo, lutei contra esse sentimento. Sempre fui do tipo que planeja tudo, que pensa antes de agir. Mas ele era o oposto disso—intenso, espontâneo, imprevisível. E talvez tenha sido exatamente isso que me atraiu. Naquela noite, na biblioteca quase vazia, percebi que não dava mais para fugir. — Você tá diferente hoje — ele comentou, sentado ao meu lado, os livros esquecidos sobre a mesa. — Como assim? Ele apoiou o queixo na mão e me olhou de um jeito que fez meu estômago revirar. — Sei lá… parece distante. Tá acontecendo alguma coisa? Soltei um suspiro, brincando com a tampa da minha caneta. Eu podia mentir, dizer que estava cansada ou preocupada com as provas. Mas, pela primeira vez, decidi ser honesta. — Eu tô com medo. Ele franziu a testa. — Medo de quê? Mordi o lábio antes de responder. — De você. De nós. A expressão dele mudou na mesma hora. Ele ficou em silêncio por um instante, como se processasse minhas palavras, e depois sorriu de lado. — Então quer dizer que existe um “nós”? Senti meu rosto esquentar. — Eu não disse isso… — Mas também não negou. Eu revirei os olhos, tentando conter o sorriso. — Você é irritante. — E você é teimosa — ele rebateu. — Mas eu gosto disso. Ficamos nos encarando por um tempo que pareceu mais longo do que realmente foi. E então, sem aviso, Anderson estendeu a mão sobre a mesa, cobrindo a minha com a dele. Foi um gesto simples. Pequeno. Mas naquele instante, algo dentro de mim se encaixou. E eu soube que estava perdida. Naquela noite, Anderson me beijou pela primeira vez. E foi ali, naquele instante, que nossa história realmente começou. Depois daquele beijo, tudo mudou entre nós. Nos dias seguintes, Anderson parecia ainda mais presente, como se tivesse esperado aquele momento por tempo demais e agora quisesse recuperar o tempo perdido. E eu… eu não tentei mais lutar contra o que sentia. A gente começou a se ver com mais frequência, ficando até tarde na biblioteca, inventando desculpas para se encontrar nos intervalos das aulas. Não demorou muito para que todo mundo na faculdade soubesse que éramos um casal. — Então finalmente aconteceu, hein? — disse minha amiga Helena, cruzando os braços enquanto me olhava com um sorrisinho malicioso. Eu suspirei, me jogando no banco da praça da universidade. — Você fala como se isso fosse uma surpresa. — E não é? Você passou meses negando, fingindo que não sentia nada por ele. Revirei os olhos, mas não neguei. No fundo, eu sabia que Helena tinha razão. No começo, Anderson e eu éramos diferentes demais. Eu sempre fui metódica, racional, enquanto ele parecia viver no impulso, sem medo de arriscar. Mas, de alguma forma, nossas diferenças se encaixavam. Ele me fazia rir quando eu queria chorar. Me fazia esquecer do mundo quando eu estava sobrecarregada. E acima de tudo, ele me fazia sentir segura. Eu realmente acreditei que seria para sempre. Mas a vida sempre tem um jeito cruel de nos mostrar que o “para sempre” pode durar bem menos do que imaginamos.ANDERSON NARRANDO Desde o momento em que esbarrei em Luz naquele corredor, soube que ela seria diferente de todas as outras mulheres que já passaram pela minha vida.Eu nunca fui do tipo que acredita em destino, essas coisas de “alma gêmea”. Mas quando nossos olhos se encontraram naquele dia, enquanto eu recolhia os livros que ela derrubou, senti algo estranho. Como se, de alguma forma, aquilo já estivesse escrito.Nos dias seguintes, eu não consegui evitar. Meu olhar sempre procurava por ela, minha atenção sempre voltava para a garota de sorriso doce e olhar curioso que me desarmava sem esforço.E quando finalmente ficamos juntos, tudo fez sentido.Luz era exatamente o que eu precisava sem nem saber que precisava.Ela me acalmava, me fazia querer ser melhor. E o mais engraçado era que nem precisava fazer nada além de ser ela mesma.Mas eu sabia que não era um cara fácil. Nunca fui.— Você é intenso demais, Anderson. — Ela disse certa vez, depois de uma discussão boba.— E você é tei
LUZ NARRANDO Eu sempre sonhei com esse momento.Desde criança, imaginava como seria quando o homem da minha vida se ajoelhasse diante de mim e me pedisse em casamento. Eu nunca fui o tipo de garota obcecada com contos de fadas, mas acreditava no amor. Acreditava na conexão entre duas pessoas, na força de um sentimento capaz de superar qualquer obstáculo.E com Anderson, tudo parecia certo.Naquela noite, ele me levou para um jantar surpresa. Eu achei estranho no início, porque ele não era do tipo romântico. Mas, ao mesmo tempo, estava feliz por ele ter pensado em algo especial.— Você está nervoso? — perguntei, enquanto caminhávamos para o terraço do restaurante.Ele soltou uma risada forçada, ajeitando a gola da camisa.— Um pouco.— Anderson, é só um jantar. — Brinquei, sem fazer ideia do que estava por vir.Mas então vi o cenário à nossa frente e meu coração disparou.A mesa estava perfeitamente decorada, velas iluminavam o ambiente, pétalas de rosas estavam espalhadas pelo chão.
Anderson Narrando O pedido de casamento havia sido perfeito. Luz estava com os olhos brilhando, emocionada, e eu senti o peso de uma responsabilidade que nunca imaginei carregar antes. Ela estava tão feliz, tão cheia de esperança, e eu, por dentro, tentava convencer a mim mesmo de que estava fazendo a coisa certa. No fundo, uma parte de mim sentia que ela era a mulher com quem eu queria construir uma vida, mas algo em mim, uma sensação inquietante, ainda me perseguia. Algo que não conseguia entender.O que acontecia dentro de mim? A noção de que eu estava prestes a dar um passo tão definitivo para a frente me aterrorizava, mas ao mesmo tempo, o sorriso de Luz, seu carinho e a entrega que ela demonstrava, me faziam querer acreditar que eu poderia fazer isso funcionar. Que ela poderia ser a mulher com quem eu passaria o resto da minha vida.Mas, como sempre, havia outra parte de mim, uma parte mais obscura, que me deixava inquieto. Eu pensava em Helena. Pensava nas vezes em que ela es
LUZ NARRANDO O sol já tinha se posto quando me sentei na beira da cama, olhando para a mala aberta diante de mim. O silêncio do quarto era cortado apenas pelo som distante dos grilos lá fora e pelo vento que batia na janela. Meu coração estava inquieto. Amanhã seria um dia importante, e eu ainda não sabia como lidar com isso.Peguei uma camisa leve e dobrei com cuidado antes de colocá-la na mala. A viagem até a fazenda do pai de Anderson não era só uma simples visita. Era um passo grande, algo que podia mudar tudo. Desde que Anderson começou a falar mais sobre Arthur, eu sabia que esse momento chegaria. Mas agora que estava tão perto, me sentia estranhamente apreensivaRespirei fundo, tentando afastar a incerteza. Havia algo diferente nesse plano. Não era só conhecer o pai de Anderson, mas também o que aquilo poderia significar para mim. Minha vida tinha tomado um rumo inesperado nos últimos tempos, e parecia que eu estava sendo puxada para algo muito maior do que imaginava.Ajeitei
ARTHUR NARRANDO Arthur estava em pé, com as botas enfurnadas na terra molhada, o suor escorrendo pela testa, e os olhos fixos na vaca atolada no lamaçal. As mãos calejadas, com dedos grossos, apertavam o cabo do facão com tanta força que parecia que ele ia quebrar o metal. O ar estava pesado, e o cheiro de terra e estrume misturava-se com o do mofo, vindo da vaca atolada.Ele grunhiu, resmungando algo entre dentes. A vaca mugia, desesperada, seus olhos arregalados em um pânico que Arthur bem conhecia. Já havia visto muitos animais passarem por situações como aquela, e ele sabia o que era preciso fazer. Não havia tempo para sentimentalismo ou para pensar muito. Ele só sabia uma coisa: a vaca precisava sair dali, ou ele perderia um valioso pedaço de seu rebanho.“Você, Pedro, vem cá, me ajuda com essa porra!”, gritou para um dos soldados, que estava distante, observando com um olhar de quem não sabia o que fazer. Pedro correu até Arthur, com o rosto pálido pela tensão.Arthur lançou um
ARTHUR NARRANDO Arthur acordou com o som do vento batendo nas janelas, trazendo a frieza da madrugada para dentro da casa. Seus olhos estavam pesados, o corpo ainda dorido, mas o que mais o incomodava era o silêncio. A noite anterior parecia quase irreal, como um sonho fugaz que se dissipava ao primeiro sinal de luz.Ele estava deitado de costas, a respiração ainda entrecortada, sentindo a presença de Maria ao seu lado. Ela estava ali, mas não havia o mesmo calor de antes. O calor da paixão já se transformara em um frio estranho que agora permeava o ambiente. Arthur se virou lentamente para observá-la. Ela estava dormindo, o rosto tranquilo, como se nada tivesse acontecido, como se aquela noite fosse apenas mais uma em um ciclo interminável de trabalho e rotina. Mas ele sabia que não era. Algo tinha mudado. Algo dentro dele havia se mexido, e ele não sabia como lidar com isso.Olhou para o relógio na mesa de cabeceira. O sol já começava a despontar no horizonte, e logo o trabalho com
LUZ NARRANDO A poeira subia ao redor do carro conforme avançávamos pela estrada de terra. O sol estava alto, dourando os campos intermináveis que se estendiam ao longe. Meu coração batia acelerado. Eu já havia ouvido muito sobre Arthur, o pai do Anderson. Fazendeiro bruto, homem difícil, dono de um gênio tão forte quanto suas mãos calejadas. Mas nada poderia ter me preparado para o que vi quando descemos do carro.Ele estava ali, no meio do curral, segurando uma corda grossa entre os dedos. Um chapéu surrado sombreava parte do seu rosto, mas não o suficiente para esconder a expressão dura, os olhos intensos e a barba por fazer que deixava seu semblante ainda mais severo. A camisa aberta nos primeiros botões revelava um peito largo, marcado pelo trabalho pesado, e os músculos dos braços se moviam sob a pele dourada pelo sol conforme ele puxava a corda com força, prendendo um boi que resistia.Engoli em seco. Arthur não era apenas bruto. Ele era uma visão. Uma força da natureza esculpi