ANDERSON NARRANDO
Desde o momento em que esbarrei em Luz naquele corredor, soube que ela seria diferente de todas as outras mulheres que já passaram pela minha vida. Eu nunca fui do tipo que acredita em destino, essas coisas de “alma gêmea”. Mas quando nossos olhos se encontraram naquele dia, enquanto eu recolhia os livros que ela derrubou, senti algo estranho. Como se, de alguma forma, aquilo já estivesse escrito. Nos dias seguintes, eu não consegui evitar. Meu olhar sempre procurava por ela, minha atenção sempre voltava para a garota de sorriso doce e olhar curioso que me desarmava sem esforço. E quando finalmente ficamos juntos, tudo fez sentido. Luz era exatamente o que eu precisava sem nem saber que precisava. Ela me acalmava, me fazia querer ser melhor. E o mais engraçado era que nem precisava fazer nada além de ser ela mesma. Mas eu sabia que não era um cara fácil. Nunca fui. — Você é intenso demais, Anderson. — Ela disse certa vez, depois de uma discussão boba. — E você é teimosa demais. — Respondi no mesmo tom. Ela cruzou os braços, tentando esconder o sorriso. — Acho que é por isso que damos certo. E ela estava certa. Os meses foram passando, e o que começou como um simples romance de faculdade se tornou algo muito maior. A gente se conhecia de um jeito que ninguém mais conhecia. Eu sabia que ela falava sozinha quando estava concentrada, que mordia a tampa da caneta quando estava nervosa. Sabia que adorava filmes antigos e que tinha uma risada baixinha quando estava tentando esconder que achou algo engraçado. E ela… bem, ela sabia tudo sobre mim. Ou pelo menos achava que sabia. O que Luz não imaginava era que, apesar do amor que eu sentia por ela, havia uma parte da minha vida que eu nunca havia compartilhado. A fazenda. Meu pai. O peso do nome que eu carregava. Eu nunca tinha contado a Luz sobre minha família em detalhes. Tudo o que ela sabia era que eu cresci em uma fazenda e que meu pai era um homem duro. Mas a verdade… a verdade era muito mais complicada. E, no fundo, eu sabia que, quando ela descobrisse tudo, nada mais seria como antes. Nos últimos anos, eu evitei ao máximo falar sobre meu pai. Arthur não era o tipo de homem que gostava de conversas sentimentais ou demonstrações de afeto. Cresci sabendo que, para ele, trabalho vinha antes de tudo. Ele sempre me ensinou que homens de verdade não se dobram, não demonstram fraqueza e, principalmente, não se deixam levar por sentimentos. Talvez por isso eu tenha demorado tanto para contar a Luz sobre ele. Eu sabia que meu pai não seria o tipo de sogro que a trataria com gentileza ou faria questão de conquistá-la. Ele era bruto, ignorante, um fazendeiro acostumado a dar ordens e ser obedecido sem questionamento. Luz era o oposto disso. Doce, sensível, sempre disposta a ouvir e entender. O problema era que eu não podia mais adiar essa conversa. A viagem para a fazenda estava marcada para o próximo final de semana. E, por mais que eu quisesse acreditar que tudo daria certo, uma parte de mim temia o pior. Naquela noite, enquanto estávamos deitados no sofá do meu apartamento, eu a observei em silêncio. Luz estava distraída, passando os dedos pelo meu peito enquanto olhava para a televisão, mas eu sabia que sua mente estava longe dali. — Tá preocupada? — perguntei, minha voz baixa no silêncio da sala. Ela suspirou, virando o rosto para me encarar. — Um pouco. Eu sei que você não gosta de falar sobre sua família, mas… seu pai sabe sobre mim? Meu corpo ficou tenso. Eu sabia que essa pergunta viria, mas ainda assim, não estava preparado para respondê-la. — Ele sabe que eu tô namorando. Mas não sabe muito sobre você. Ela franziu a testa. — Por quê? Passei a mão pelo rosto, tentando encontrar as palavras certas. — Meu pai é um cara difícil, Luz. Ele não é como a sua família, não é acolhedor ou amigável. Ele é… — fiz uma pausa, escolhendo bem as palavras. — Ele é um homem bruto, acostumado a viver do jeito dele. E eu não sei como ele vai reagir quando te conhecer. Ela ficou em silêncio por um instante, digerindo o que eu disse. Então, segurou minha mão e apertou de leve. — Eu não tenho medo dele, Anderson. Sorri fraco, acariciando sua pele macia com o polegar. — Eu sei. Mas devia. Ela riu baixo, balançando a cabeça. — Seja como for, estou pronta para conhecê-lo. Olhei para ela por um longo tempo, sem saber ao certo como dizer o que estava passando pela minha cabeça. Luz era a melhor coisa que já me aconteceu. Mas eu conhecia meu pai o suficiente para saber que, uma vez que ela pisasse naquela fazenda, tudo poderia mudar. E eu só podia rezar para que essa mudança não destruísse tudo que construímos juntos. Eu queria que fosse perfeito. O pedido de casamento. O momento em que eu ajoelharia diante de Luz e entregaria o anel, prometendo a ela que estaríamos juntos pelo resto da vida. Eu nunca fui o tipo de cara que acreditava nessas coisas. Casamento, promessas eternas… Mas com Luz, tudo parecia diferente. Tudo fazia sentido. Foi por isso que pedi ajuda a Helena. Ela era a melhor amiga de Luz, conhecia seus gostos melhor do que ninguém e poderia me ajudar a planejar tudo sem que Luz desconfiasse. — Então você finalmente vai fazer isso, hein? — Helena sorriu de lado, cruzando os braços enquanto me encarava. — Finalmente? Como assim? Ela deu de ombros. — Sempre soube que você era apaixonado por ela. Mas, sinceramente? Acho que demorou pra ter certeza disso. Fiquei em silêncio por um instante. Ela não estava errada. Eu demorei, sim. Não porque duvidava do que sentia por Luz, mas porque uma parte de mim ainda tinha medo de que algo desse errado. — Quero fazer direito. — Falei, desviando o olhar. — Luz merece algo especial. Helena riu baixo e se aproximou, pegando o celular para me mostrar algumas ideias. — Então vamos planejar isso direito. Passamos as horas seguintes discutindo o local, as flores, a música… Tudo precisava ser perfeito. Mas conforme o tempo passava e as taças de vinho se esvaziavam, o clima entre nós começou a mudar. A conversa, que antes era apenas sobre o pedido de casamento, começou a desviar para outros assuntos. Memórias da faculdade, histórias engraçadas… e, em algum momento, os olhares ficaram mais demorados. — Você sempre foi o cara mais cobiçado da universidade, sabia? — Helena disse, mordendo o lábio de leve. — Que besteira. — Revirei os olhos, rindo. — Não é besteira. — Ela se inclinou um pouco mais, brincando com a borda da taça. — Muitas garotas queriam você, Anderson. Inclusive, eu. Meu corpo ficou tenso. Eu sabia que Helena era provocativa, que gostava de brincar com os limites. Mas até aquele momento, nunca tinha pensado nela dessa forma. — Helena… — comecei a falar, mas ela me cortou. — Não precisa dizer nada. — Ela sorriu, mas seus olhos tinham um brilho diferente. — Eu sei que você ama a Luz. Só estou dizendo que… se as coisas fossem diferentes, talvez tivesse sido eu. Engoli seco. A proximidade dela, o cheiro do perfume, o jeito como os lábios dela estavam próximos demais… E então aconteceu. Não sei quem tomou a iniciativa primeiro, mas, quando percebi, nossos lábios estavam juntos, quentes, urgentes. Foi rápido, intenso, movido pelo álcool e pela tensão do momento. Eu sabia que era errado, que era um erro, mas ainda assim não consegui parar. Helena não hesitou. Me puxou para mais perto, suas mãos explorando meu corpo como se já tivesse esperado por aquilo há muito tempo. E eu… eu simplesmente deixei acontecer. Naquela noite, traí Luz pela primeira vez. E quando tudo acabou, quando o desejo deu lugar ao arrependimento, tudo que restou foi o silêncio pesado e a certeza de que eu tinha acabado de destruir tudo.LUZ NARRANDO Eu sempre sonhei com esse momento.Desde criança, imaginava como seria quando o homem da minha vida se ajoelhasse diante de mim e me pedisse em casamento. Eu nunca fui o tipo de garota obcecada com contos de fadas, mas acreditava no amor. Acreditava na conexão entre duas pessoas, na força de um sentimento capaz de superar qualquer obstáculo.E com Anderson, tudo parecia certo.Naquela noite, ele me levou para um jantar surpresa. Eu achei estranho no início, porque ele não era do tipo romântico. Mas, ao mesmo tempo, estava feliz por ele ter pensado em algo especial.— Você está nervoso? — perguntei, enquanto caminhávamos para o terraço do restaurante.Ele soltou uma risada forçada, ajeitando a gola da camisa.— Um pouco.— Anderson, é só um jantar. — Brinquei, sem fazer ideia do que estava por vir.Mas então vi o cenário à nossa frente e meu coração disparou.A mesa estava perfeitamente decorada, velas iluminavam o ambiente, pétalas de rosas estavam espalhadas pelo chão.
Anderson Narrando O pedido de casamento havia sido perfeito. Luz estava com os olhos brilhando, emocionada, e eu senti o peso de uma responsabilidade que nunca imaginei carregar antes. Ela estava tão feliz, tão cheia de esperança, e eu, por dentro, tentava convencer a mim mesmo de que estava fazendo a coisa certa. No fundo, uma parte de mim sentia que ela era a mulher com quem eu queria construir uma vida, mas algo em mim, uma sensação inquietante, ainda me perseguia. Algo que não conseguia entender.O que acontecia dentro de mim? A noção de que eu estava prestes a dar um passo tão definitivo para a frente me aterrorizava, mas ao mesmo tempo, o sorriso de Luz, seu carinho e a entrega que ela demonstrava, me faziam querer acreditar que eu poderia fazer isso funcionar. Que ela poderia ser a mulher com quem eu passaria o resto da minha vida.Mas, como sempre, havia outra parte de mim, uma parte mais obscura, que me deixava inquieto. Eu pensava em Helena. Pensava nas vezes em que ela es
LUZ NARRANDO O sol já tinha se posto quando me sentei na beira da cama, olhando para a mala aberta diante de mim. O silêncio do quarto era cortado apenas pelo som distante dos grilos lá fora e pelo vento que batia na janela. Meu coração estava inquieto. Amanhã seria um dia importante, e eu ainda não sabia como lidar com isso.Peguei uma camisa leve e dobrei com cuidado antes de colocá-la na mala. A viagem até a fazenda do pai de Anderson não era só uma simples visita. Era um passo grande, algo que podia mudar tudo. Desde que Anderson começou a falar mais sobre Arthur, eu sabia que esse momento chegaria. Mas agora que estava tão perto, me sentia estranhamente apreensivaRespirei fundo, tentando afastar a incerteza. Havia algo diferente nesse plano. Não era só conhecer o pai de Anderson, mas também o que aquilo poderia significar para mim. Minha vida tinha tomado um rumo inesperado nos últimos tempos, e parecia que eu estava sendo puxada para algo muito maior do que imaginava.Ajeitei
ARTHUR NARRANDO Arthur estava em pé, com as botas enfurnadas na terra molhada, o suor escorrendo pela testa, e os olhos fixos na vaca atolada no lamaçal. As mãos calejadas, com dedos grossos, apertavam o cabo do facão com tanta força que parecia que ele ia quebrar o metal. O ar estava pesado, e o cheiro de terra e estrume misturava-se com o do mofo, vindo da vaca atolada.Ele grunhiu, resmungando algo entre dentes. A vaca mugia, desesperada, seus olhos arregalados em um pânico que Arthur bem conhecia. Já havia visto muitos animais passarem por situações como aquela, e ele sabia o que era preciso fazer. Não havia tempo para sentimentalismo ou para pensar muito. Ele só sabia uma coisa: a vaca precisava sair dali, ou ele perderia um valioso pedaço de seu rebanho.“Você, Pedro, vem cá, me ajuda com essa porra!”, gritou para um dos soldados, que estava distante, observando com um olhar de quem não sabia o que fazer. Pedro correu até Arthur, com o rosto pálido pela tensão.Arthur lançou um
ARTHUR NARRANDO Arthur acordou com o som do vento batendo nas janelas, trazendo a frieza da madrugada para dentro da casa. Seus olhos estavam pesados, o corpo ainda dorido, mas o que mais o incomodava era o silêncio. A noite anterior parecia quase irreal, como um sonho fugaz que se dissipava ao primeiro sinal de luz.Ele estava deitado de costas, a respiração ainda entrecortada, sentindo a presença de Maria ao seu lado. Ela estava ali, mas não havia o mesmo calor de antes. O calor da paixão já se transformara em um frio estranho que agora permeava o ambiente. Arthur se virou lentamente para observá-la. Ela estava dormindo, o rosto tranquilo, como se nada tivesse acontecido, como se aquela noite fosse apenas mais uma em um ciclo interminável de trabalho e rotina. Mas ele sabia que não era. Algo tinha mudado. Algo dentro dele havia se mexido, e ele não sabia como lidar com isso.Olhou para o relógio na mesa de cabeceira. O sol já começava a despontar no horizonte, e logo o trabalho com
LUZ NARRANDO A poeira subia ao redor do carro conforme avançávamos pela estrada de terra. O sol estava alto, dourando os campos intermináveis que se estendiam ao longe. Meu coração batia acelerado. Eu já havia ouvido muito sobre Arthur, o pai do Anderson. Fazendeiro bruto, homem difícil, dono de um gênio tão forte quanto suas mãos calejadas. Mas nada poderia ter me preparado para o que vi quando descemos do carro.Ele estava ali, no meio do curral, segurando uma corda grossa entre os dedos. Um chapéu surrado sombreava parte do seu rosto, mas não o suficiente para esconder a expressão dura, os olhos intensos e a barba por fazer que deixava seu semblante ainda mais severo. A camisa aberta nos primeiros botões revelava um peito largo, marcado pelo trabalho pesado, e os músculos dos braços se moviam sob a pele dourada pelo sol conforme ele puxava a corda com força, prendendo um boi que resistia.Engoli em seco. Arthur não era apenas bruto. Ele era uma visão. Uma força da natureza esculpi
LUZ NARRANDO Sempre ouvi dizer que algumas pessoas entram na nossa vida como um furacão, transformando tudo sem aviso. Mas Anderson… Anderson entrou como uma brisa suave, um sopro leve que, quando percebi, já tinha se tornado um vento forte demais para ser ignorado.Eu me lembro exatamente do dia em que nos conhecemos. Era a minha primeira semana na faculdade, e eu ainda estava me acostumando com a rotina, os prédios enormes, o vai e vem de gente que parecia sempre saber exatamente para onde estava indo. Eu gostava daquela sensação de novidade, da ideia de que um mundo inteiro de possibilidades se abria à minha frente.Até que, no meio do corredor lotado, senti um impacto forte e, de repente, meus livros estavam espalhados no chão.— Ah! — soltei um pequeno grito de surpresa, tentando equilibrar o que ainda restava em minhas mãos.Quando olhei para cima, encontrei um par de olhos castanhos intensos me encarando com culpa. O rapaz, claramente tão perdido quanto eu, já se abaixava apre