ARTHUR NARRANDO
Arthur acordou com o som do vento batendo nas janelas, trazendo a frieza da madrugada para dentro da casa. Seus olhos estavam pesados, o corpo ainda dorido, mas o que mais o incomodava era o silêncio. A noite anterior parecia quase irreal, como um sonho fugaz que se dissipava ao primeiro sinal de luz. Ele estava deitado de costas, a respiração ainda entrecortada, sentindo a presença de Maria ao seu lado. Ela estava ali, mas não havia o mesmo calor de antes. O calor da paixão já se transformara em um frio estranho que agora permeava o ambiente. Arthur se virou lentamente para observá-la. Ela estava dormindo, o rosto tranquilo, como se nada tivesse acontecido, como se aquela noite fosse apenas mais uma em um ciclo interminável de trabalho e rotina. Mas ele sabia que não era. Algo tinha mudado. Algo dentro dele havia se mexido, e ele não sabia como lidar com isso. Olhou para o relógio na mesa de cabeceira. O sol já começava a despontar no horizonte, e logo o trabalho começaria novamente. A terra nunca dava trégua. Ele sabia que precisava levantar, que não poderia perder mais tempo com isso. Mas, por um momento, ele hesitou. O que havia sido aquilo? A necessidade de Maria? Ou seria algo mais? Ele não era homem de pensar muito sobre esses assuntos. A vida nunca lhe deu tempo para isso. Mas agora, com ela ali ao seu lado, ele não conseguia afastar o peso da dúvida. Ele se levantou da cama silenciosamente, tentando não acordá-la. O som dos seus passos pesados parecia ressoar de maneira inquietante no vazio da casa. Ele não se sentia mais o mesmo, mas sabia que precisava colocar isso de lado. O dia o esperava. A fazenda não ia cuidar de si mesma. Desceu até a cozinha, onde o aroma do café começava a invadir o ar. Não era o café fresco da cidade, mas aquele que ele mesmo fazia, simples e amargo, como a vida que levava. Ele se serviu, ignorando a solidão que preenchia a casa enquanto Maria ainda permanecia no quarto. Ele não sabia o que faria com ela, ou o que aconteceria entre eles agora que as linhas haviam se borrado. O telefone tocou. Ele não se apressou em atender, mas o som do aparelho insistente fez com que ele o pegasse. Era Anderson. “Pai, estou chegando mais tarde. A Luz e eu tivemos que fazer uma parada na estrada. Não se preocupe, estamos indo.” A voz do filho era calma, sem pressa, como sempre. Mas, para Arthur, aquele simples telefonema parecia distantes das coisas que realmente importavam. “Tá bom”, respondeu Arthur, desligando o telefone rapidamente. Ele sabia o que significava isso. Anderson estava vindo. Mas o que ele queria mesmo era poder voltar para o trabalho e esquecer a noite anterior. Esquecer o peso do que isso tudo representava. Maria entrou na cozinha pouco depois. Ela estava vestida com a roupa simples de sempre, mas havia algo em sua postura que parecia diferente. Ela o olhou, e por um momento, os olhos dela pareciam buscar uma resposta que Arthur não tinha para dar. “Bom dia, senhor Arthur”, disse ela, com a voz suave, mas firme. “O café está pronto. Eu… vou cuidar dos animais depois.” Arthur a observou. Sua presença estava ali, mais sólida do que nunca, e ele não podia simplesmente ignorar o que havia acontecido. Mas ele também não sabia o que esperar dela. Ele não estava acostumado a isso. Não estava acostumado a ser vulnerável, a ser observado dessa maneira. No entanto, ele não podia negar que o que aconteceu entre eles ainda estava no ar, pairando como um peso, algo que ele não podia simplesmente afastar. “Você tem algo a dizer, Maria?” ele perguntou, tentando manter a frieza em sua voz, mas não conseguindo esconder a leveza que ele sentia ao ter ela ali. Ele não sabia como lidar com aquilo. Nunca havia se importado com ninguém a ponto de perder o controle. E agora, ele não sabia mais o que era controlar e o que era se deixar levar. Ela não respondeu de imediato. Em vez disso, se aproximou, pegou a xícara de café e, sem dizer nada, deu um pequeno sorriso, o que fez Arthur sentir uma pontada no peito. Algo no olhar dela era seguro, como se ela soubesse mais do que ele queria admitir. “Eu sei que a vida aqui não é fácil”, disse Maria finalmente, com uma sinceridade que o atingiu de uma forma que ele não esperava. “Mas, às vezes, a gente precisa de algo mais, não é?” Arthur a olhou por um momento. O que ela queria dizer com aquilo? Ele não tinha respostas, não tinha tempo para essas palavras suaves. Mas, ao mesmo tempo, ele sentiu que havia algo ali. Algo que ele não conseguia negar. Ele baixou a cabeça, as palavras escapando-lhe dos lábios. “Eu não sei o que isso significa, Maria.” Ela não respondeu, apenas o observou. Mas, no fundo, Arthur sabia que as coisas haviam mudado. O que aconteceria entre eles? Não sabia. Mas a terra, o trabalho, a casa… nada mais parecia ser o mesmo. Eu estava ali, no campo, como sempre, sem esperar que nada mudasse. O sol batia forte na minha pele, o suor escorria pelo meu rosto e, no fundo, eu sabia que nada do que eu fosse fazer naquele dia fosse importar mais do que o trabalho. Nada mais importava além da terra, do gado, dos dias repetitivos. Nada, até que ela apareceu. A camionete veio pela estrada de terra, como tantas outras que já haviam passado. Mas algo naquela chegada foi diferente. Eu vi, à distância, Anderson sair do carro, seguido por ela. Luz. O nome parecia mais leve do que qualquer coisa que eu conhecesse. Eu sabia, de algum modo, que ela era importante para o meu filho, mas não era disso que eu pensava agora. Eu parei de respirar por um momento. Um peso no peito me fez esquecer por um segundo até mesmo do calor do sol. Quando ela saiu do carro, como se a própria terra tivesse parado por um instante, algo dentro de mim se mexeu. Ela… Ela era diferente. O que era aquilo? Eu não sabia. Os meus olhos estavam fixos nela, sem que eu pudesse desviar. Havia algo nela que me tirava o fôlego, algo que eu não entendia. Ela não era apenas bonita de uma forma simples, não. Havia algo nela que me tocava, que me fazia sentir uma necessidade, uma urgência, que eu nunca soubera que existia. O tipo de beleza que se entranha na pele e no peito, que faz o coração acelerar sem pedir permissão. Seus olhos, aqueles olhos escuros, pareciam capturar todo o brilho do mundo, e ao mesmo tempo, faziam o resto desaparecer. Ela me olhou, e naqueles poucos segundos, senti como se o tempo tivesse parado. O som do vento, do trabalho, tudo se dissolveu. Era só ela, e eu. E os olhos dela estavam em mim, tão intensos que meu corpo parou. Como se ela soubesse tudo sobre mim, como se ela soubesse mais do que eu mesmo sobre a vida que eu levava. Eu tentei falar alguma coisa, qualquer coisa, mas as palavras desapareceram. Eu não sabia como lidar com isso. Eu, Arthur, que sempre soube o que fazer, agora estava sem palavras. Não conseguia desviar os olhos dela, não conseguia me mover, como se estivesse preso em uma armadilha que eu mesmo não compreendia. Foi então que ela sorriu. Um sorriso simples, mas que me queimou por dentro. Era como se o mundo ao redor ficasse mais claro, mais forte. Eu queria dizer algo, queria perguntar por que ela parecia ter esse efeito em mim, mas as palavras continuavam presas. Eu estava sem ar, com o peito apertado, e não sabia mais o que fazer com o que estava sentindo. Ela não desviou o olhar, e foi isso que me fez perder o controle. Como alguém pode ter esse poder? Ela estava ali, diante de mim, e parecia que o mundo inteiro podia ser destruído, mas eu só queria que ela ficasse ali, olhando para mim assim. Ela parecia saber. Sabia de tudo, talvez até mais do que eu sabia sobre mim mesmo. Eu vi Anderson ao meu lado, chamando minha atenção, mas eu mal ouvi. O que eu sentia naquele momento era algo que eu nunca poderia explicar. Nunca pensei que algo assim pudesse acontecer comigo, um homem que sempre viveu imerso na terra, no silêncio das minhas próprias escolhas. Mas ela estava ali, e tudo o que eu conseguia pensar era nela. Eu não entendi o que estava acontecendo, mas sabia que aquele instante mudaria algo em mim. Ela havia me tocado de uma forma que eu não sabia como lidar. Eu, que nunca precisei de nada além do meu trabalho, agora sentia uma necessidade de algo que não sabia identificar. Algo que ela trazia consigo, algo que ela nem sabia que provocava em mim. Eu a vi sorrir de novo, como se fosse natural, mas para mim, naquele momento, parecia um raio, algo que me atingiu e me fez questionar tudo o que eu pensava que sabia sobre mim. Eu, Arthur, sem palavras, sem controle, só queria saber o que ela estava pensando. Como ela poderia me afetar assim? O que eu tinha de errado? Ou seria ela a única coisa certa que eu jamais encontrei? Eu não sabia, mas o que eu sabia era que nunca mais seria o mesmo.LUZ NARRANDO A poeira subia ao redor do carro conforme avançávamos pela estrada de terra. O sol estava alto, dourando os campos intermináveis que se estendiam ao longe. Meu coração batia acelerado. Eu já havia ouvido muito sobre Arthur, o pai do Anderson. Fazendeiro bruto, homem difícil, dono de um gênio tão forte quanto suas mãos calejadas. Mas nada poderia ter me preparado para o que vi quando descemos do carro.Ele estava ali, no meio do curral, segurando uma corda grossa entre os dedos. Um chapéu surrado sombreava parte do seu rosto, mas não o suficiente para esconder a expressão dura, os olhos intensos e a barba por fazer que deixava seu semblante ainda mais severo. A camisa aberta nos primeiros botões revelava um peito largo, marcado pelo trabalho pesado, e os músculos dos braços se moviam sob a pele dourada pelo sol conforme ele puxava a corda com força, prendendo um boi que resistia.Engoli em seco. Arthur não era apenas bruto. Ele era uma visão. Uma força da natureza esculpi
LUZ NARRANDO Sempre ouvi dizer que algumas pessoas entram na nossa vida como um furacão, transformando tudo sem aviso. Mas Anderson… Anderson entrou como uma brisa suave, um sopro leve que, quando percebi, já tinha se tornado um vento forte demais para ser ignorado.Eu me lembro exatamente do dia em que nos conhecemos. Era a minha primeira semana na faculdade, e eu ainda estava me acostumando com a rotina, os prédios enormes, o vai e vem de gente que parecia sempre saber exatamente para onde estava indo. Eu gostava daquela sensação de novidade, da ideia de que um mundo inteiro de possibilidades se abria à minha frente.Até que, no meio do corredor lotado, senti um impacto forte e, de repente, meus livros estavam espalhados no chão.— Ah! — soltei um pequeno grito de surpresa, tentando equilibrar o que ainda restava em minhas mãos.Quando olhei para cima, encontrei um par de olhos castanhos intensos me encarando com culpa. O rapaz, claramente tão perdido quanto eu, já se abaixava apre
ANDERSON NARRANDO Desde o momento em que esbarrei em Luz naquele corredor, soube que ela seria diferente de todas as outras mulheres que já passaram pela minha vida.Eu nunca fui do tipo que acredita em destino, essas coisas de “alma gêmea”. Mas quando nossos olhos se encontraram naquele dia, enquanto eu recolhia os livros que ela derrubou, senti algo estranho. Como se, de alguma forma, aquilo já estivesse escrito.Nos dias seguintes, eu não consegui evitar. Meu olhar sempre procurava por ela, minha atenção sempre voltava para a garota de sorriso doce e olhar curioso que me desarmava sem esforço.E quando finalmente ficamos juntos, tudo fez sentido.Luz era exatamente o que eu precisava sem nem saber que precisava.Ela me acalmava, me fazia querer ser melhor. E o mais engraçado era que nem precisava fazer nada além de ser ela mesma.Mas eu sabia que não era um cara fácil. Nunca fui.— Você é intenso demais, Anderson. — Ela disse certa vez, depois de uma discussão boba.— E você é tei
LUZ NARRANDO Eu sempre sonhei com esse momento.Desde criança, imaginava como seria quando o homem da minha vida se ajoelhasse diante de mim e me pedisse em casamento. Eu nunca fui o tipo de garota obcecada com contos de fadas, mas acreditava no amor. Acreditava na conexão entre duas pessoas, na força de um sentimento capaz de superar qualquer obstáculo.E com Anderson, tudo parecia certo.Naquela noite, ele me levou para um jantar surpresa. Eu achei estranho no início, porque ele não era do tipo romântico. Mas, ao mesmo tempo, estava feliz por ele ter pensado em algo especial.— Você está nervoso? — perguntei, enquanto caminhávamos para o terraço do restaurante.Ele soltou uma risada forçada, ajeitando a gola da camisa.— Um pouco.— Anderson, é só um jantar. — Brinquei, sem fazer ideia do que estava por vir.Mas então vi o cenário à nossa frente e meu coração disparou.A mesa estava perfeitamente decorada, velas iluminavam o ambiente, pétalas de rosas estavam espalhadas pelo chão.
Anderson Narrando O pedido de casamento havia sido perfeito. Luz estava com os olhos brilhando, emocionada, e eu senti o peso de uma responsabilidade que nunca imaginei carregar antes. Ela estava tão feliz, tão cheia de esperança, e eu, por dentro, tentava convencer a mim mesmo de que estava fazendo a coisa certa. No fundo, uma parte de mim sentia que ela era a mulher com quem eu queria construir uma vida, mas algo em mim, uma sensação inquietante, ainda me perseguia. Algo que não conseguia entender.O que acontecia dentro de mim? A noção de que eu estava prestes a dar um passo tão definitivo para a frente me aterrorizava, mas ao mesmo tempo, o sorriso de Luz, seu carinho e a entrega que ela demonstrava, me faziam querer acreditar que eu poderia fazer isso funcionar. Que ela poderia ser a mulher com quem eu passaria o resto da minha vida.Mas, como sempre, havia outra parte de mim, uma parte mais obscura, que me deixava inquieto. Eu pensava em Helena. Pensava nas vezes em que ela es
LUZ NARRANDO O sol já tinha se posto quando me sentei na beira da cama, olhando para a mala aberta diante de mim. O silêncio do quarto era cortado apenas pelo som distante dos grilos lá fora e pelo vento que batia na janela. Meu coração estava inquieto. Amanhã seria um dia importante, e eu ainda não sabia como lidar com isso.Peguei uma camisa leve e dobrei com cuidado antes de colocá-la na mala. A viagem até a fazenda do pai de Anderson não era só uma simples visita. Era um passo grande, algo que podia mudar tudo. Desde que Anderson começou a falar mais sobre Arthur, eu sabia que esse momento chegaria. Mas agora que estava tão perto, me sentia estranhamente apreensivaRespirei fundo, tentando afastar a incerteza. Havia algo diferente nesse plano. Não era só conhecer o pai de Anderson, mas também o que aquilo poderia significar para mim. Minha vida tinha tomado um rumo inesperado nos últimos tempos, e parecia que eu estava sendo puxada para algo muito maior do que imaginava.Ajeitei
ARTHUR NARRANDO Arthur estava em pé, com as botas enfurnadas na terra molhada, o suor escorrendo pela testa, e os olhos fixos na vaca atolada no lamaçal. As mãos calejadas, com dedos grossos, apertavam o cabo do facão com tanta força que parecia que ele ia quebrar o metal. O ar estava pesado, e o cheiro de terra e estrume misturava-se com o do mofo, vindo da vaca atolada.Ele grunhiu, resmungando algo entre dentes. A vaca mugia, desesperada, seus olhos arregalados em um pânico que Arthur bem conhecia. Já havia visto muitos animais passarem por situações como aquela, e ele sabia o que era preciso fazer. Não havia tempo para sentimentalismo ou para pensar muito. Ele só sabia uma coisa: a vaca precisava sair dali, ou ele perderia um valioso pedaço de seu rebanho.“Você, Pedro, vem cá, me ajuda com essa porra!”, gritou para um dos soldados, que estava distante, observando com um olhar de quem não sabia o que fazer. Pedro correu até Arthur, com o rosto pálido pela tensão.Arthur lançou um