Alexandre Xavier

— Xande, precisamos conversar. — A voz de Clara cortou o silêncio da sala, mas eu ignorei, absorto na leitura do parecer médico à minha frente. Mais uma vez, ela estava prestes a despejar sobre mim alguma queixa sem importância, talvez mais ciúmes por causa de uma paciente. No fundo, o que importava eram os detalhes do exame do senhor Farias; sem isso, não conseguiria entender a origem das irregularidades nos batimentos dele.

— Está me ouvindo? — A insistência na voz dela me fez finalmente olhar para cima. Clara estava a poucos passos, seus olhos claros fixos em mim, mas não era isso que eu queria naquele momento.

— Desculpe, Clara, mas estou tentando entender esse relatório. — A frustração começou a se acumular dentro de mim.

— Você sempre está "tentando entender" algo. E eu? — Ela cruzou os braços, o tom de voz agora mais elevado. — Eu sou apenas uma distração para você?

Desviei o olhar, tentando me concentrar novamente no parecer. As palavras dançavam na minha mente, mas a tensão na sala era palpável. A maneira como ela me encarava, cheia de expectativa e descontentamento, tornava impossível ignorá-la.

— Não é isso. — Tentei me explicar, mas minha voz saiu mais áspera do que eu pretendia. — É que, neste momento, o senhor Farias pode estar em risco. Preciso entender o que está acontecendo com ele.

Clara se aproximou mais, a frustração visível em seu rosto. — E eu não sou importante? Não importa se você está me escutando ou não?

O peso da situação começou a me sufocar. — É claro que você é importante, mas eu estou no meio de algo sério aqui!

Ela deu um passo para trás, a expressão magoada. — Sempre é assim, não é? O seu trabalho em primeiro lugar. E eu fico em segundo plano.

Suspirei, o cansaço se acumulando. — Não é uma questão de prioridade, Clara. É que, se eu não resolver isso, pode haver consequências sérias. Eu só… preciso de um momento.

— E eu preciso que você olhe para mim! — A voz dela subiu um tom, e eu percebi que a conversa não estava indo a lugar algum. O que era um simples desentendimento estava se transformando em uma batalha.

Com um esforço, deixei o parecer de lado e olhei diretamente para ela. — Ok. Vamos conversar. O que você quer dizer?

O silêncio que se seguiu era pesado, enquanto eu tentava reunir as palavras certas, ciente de que qualquer coisa que dissesse precisava ser cuidadosamente ponderada. A sala estava repleta de tensão, e a preocupação pelo senhor Farias se misturava ao desconforto da nossa discussão.

Nós encaramos um ao outro na luz semi-cerrada do escritório, a tensão quase palpável. Clara tinha uma expressão séria, e eu podia sentir o peso das suas palavras antes mesmo de ela falar.

— O que eu quero dizer? Alexandre, você sequer me olha. Vive o tempo inteiro submerso nisso, naquilo, e quando entra naquela m*****a sala parece que não tem família, que não está nem aí para nada. — Sua voz explodiu, exausta, e a frustração dela ressoou em cada palavra, me fazendo coçar entre os olhos, tentando aliviar a pressão que se acumulava na minha cabeça.

— Clara, não é assim! — Tentei defender-me, mas a verdade era que eu sabia que, em parte, ela estava certa. O trabalho consumia tanto de mim que eu mal percebia o que estava acontecendo fora dele.

— Não é? — Ela deu um passo à frente, a expressão desafiadora. — Você está tão focado em salvar vidas que se esquece das que estão bem na sua frente. Eu estou aqui, ao seu lado, e você prefere ler relatórios!

Aquelas palavras me atingiram como um soco no estômago. Tentei buscar uma resposta, algo que pudesse justificar a minha ausência, mas nada parecia suficiente. Olhei para a pilha de papéis na mesa, em busca de uma saída, mas a verdade era que eu precisava ouvir o que ela tinha a dizer.

— Olha, eu sei que estou atolado em trabalho… — comecei, mas a interrupção dela foi rápida.

— Não adianta se desculpar. Eu só quero que você me veja, Xande. Que perceba que eu também sou importante na sua vida. — O tom dela suavizou um pouco, mas a intensidade do olhar permanecia.

— Eu não estou tentando te ignorar, só… — suspirei, buscando as palavras. — Só estou tentando fazer o melhor que posso. O senhor Farias… ele precisa de mim.

— E eu? — O desafio nos olhos dela fez meu coração acelerar. — Quem cuida de mim enquanto você se dedica a todos os outros?

Senti o nó na garganta apertar. Era uma luta interna, e percebi que, mesmo tentando fazer o bem, eu estava deixando algo essencial escapar. A sala estava silenciosa, e a realidade da nossa situação se impôs.

— Você está certa — admiti, a sinceridade se infiltrando na minha voz. — Eu deixei o trabalho me consumir. Não quero que você se sinta assim.

Clara soltou um suspiro profundo, e o ar entre nós pareceu mudar. — Então, o que vai fazer a respeito?

Olhei para ela, finalmente disposto a encarar não apenas o que estava na mesa, mas o que estava bem na minha frente. — Vou tentar encontrar um equilíbrio. Prometo que vou prestar mais atenção. Você merece isso.

Ela assentiu lentamente, o semblante mais suave, mas a tensão ainda pairava. — Espero que sim. Não quero ser uma opção, Xande. Quero ser uma prioridade.

Assenti, ciente de que ela mais que merecia isso. — Está bem, eu farei, meu amor.

Um sorriso forçado surgiu em seu rosto, em resposta, o que me fez perceber ainda mais o quanto carente de atenção ela estava. Eu odeio discurssões, sou um homem calmo, direto, apesar da minha ocupação exigir isso, sou assim desde sempre. 

— Alex, eu... — Mal havia se instalado um silêncio na sala, enquanto eu e Maria Clara nos olhavámos, um dos principais motivos para me mantér preso ao trabalho, adentrava, alías, invade escritório a dentro, o homem alto, de cabelos pretos, trajando um terno, bastante formal, para ao encontrar a minha esposa apoiada a cadeira. — Está tudo bem? — O homem olha de mim para ela, espressando a sua curiosidade. 

O que faz, Clara soltar um profundo suspiro, ela não o suporta. O que eu poderia dizer, sobre Heitor Montenegro? Que apesar de ser meu melhor amigo, é um sem noção, chega nos piores momentos, um homem com quarenta e três anos, dono deste hospital, um dos homens mais influentes da cidade, que troca de namorada a cada seis meses, bem, apesar que a sua última tem durado, já estão juntos a oitos meses. — Te espero em casa. — Minha companheira rosnou, ignorando, em seguida, dando-me as costas. 

— O que eu fiz? — Meu amigo pergunta, enquanto mantenho a postura, ao estar sentado, suspiro profundo. — Nada, Heitor, o que você estava dizendo? 

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