— Xande, precisamos conversar. — A voz de Clara cortou o silêncio da sala, mas eu ignorei, absorto na leitura do parecer médico à minha frente. Mais uma vez, ela estava prestes a despejar sobre mim alguma queixa sem importância, talvez mais ciúmes por causa de uma paciente. No fundo, o que importava eram os detalhes do exame do senhor Farias; sem isso, não conseguiria entender a origem das irregularidades nos batimentos dele.
— Está me ouvindo? — A insistência na voz dela me fez finalmente olhar para cima. Clara estava a poucos passos, seus olhos claros fixos em mim, mas não era isso que eu queria naquele momento.
— Desculpe, Clara, mas estou tentando entender esse relatório. — A frustração começou a se acumular dentro de mim.
— Você sempre está "tentando entender" algo. E eu? — Ela cruzou os braços, o tom de voz agora mais elevado. — Eu sou apenas uma distração para você?
Desviei o olhar, tentando me concentrar novamente no parecer. As palavras dançavam na minha mente, mas a tensão na sala era palpável. A maneira como ela me encarava, cheia de expectativa e descontentamento, tornava impossível ignorá-la.
— Não é isso. — Tentei me explicar, mas minha voz saiu mais áspera do que eu pretendia. — É que, neste momento, o senhor Farias pode estar em risco. Preciso entender o que está acontecendo com ele.
Clara se aproximou mais, a frustração visível em seu rosto. — E eu não sou importante? Não importa se você está me escutando ou não?
O peso da situação começou a me sufocar. — É claro que você é importante, mas eu estou no meio de algo sério aqui!
Ela deu um passo para trás, a expressão magoada. — Sempre é assim, não é? O seu trabalho em primeiro lugar. E eu fico em segundo plano.
Suspirei, o cansaço se acumulando. — Não é uma questão de prioridade, Clara. É que, se eu não resolver isso, pode haver consequências sérias. Eu só… preciso de um momento.
— E eu preciso que você olhe para mim! — A voz dela subiu um tom, e eu percebi que a conversa não estava indo a lugar algum. O que era um simples desentendimento estava se transformando em uma batalha.
Com um esforço, deixei o parecer de lado e olhei diretamente para ela. — Ok. Vamos conversar. O que você quer dizer?
O silêncio que se seguiu era pesado, enquanto eu tentava reunir as palavras certas, ciente de que qualquer coisa que dissesse precisava ser cuidadosamente ponderada. A sala estava repleta de tensão, e a preocupação pelo senhor Farias se misturava ao desconforto da nossa discussão.
Nós encaramos um ao outro na luz semi-cerrada do escritório, a tensão quase palpável. Clara tinha uma expressão séria, e eu podia sentir o peso das suas palavras antes mesmo de ela falar.
— O que eu quero dizer? Alexandre, você sequer me olha. Vive o tempo inteiro submerso nisso, naquilo, e quando entra naquela m*****a sala parece que não tem família, que não está nem aí para nada. — Sua voz explodiu, exausta, e a frustração dela ressoou em cada palavra, me fazendo coçar entre os olhos, tentando aliviar a pressão que se acumulava na minha cabeça.
— Clara, não é assim! — Tentei defender-me, mas a verdade era que eu sabia que, em parte, ela estava certa. O trabalho consumia tanto de mim que eu mal percebia o que estava acontecendo fora dele.
— Não é? — Ela deu um passo à frente, a expressão desafiadora. — Você está tão focado em salvar vidas que se esquece das que estão bem na sua frente. Eu estou aqui, ao seu lado, e você prefere ler relatórios!
Aquelas palavras me atingiram como um soco no estômago. Tentei buscar uma resposta, algo que pudesse justificar a minha ausência, mas nada parecia suficiente. Olhei para a pilha de papéis na mesa, em busca de uma saída, mas a verdade era que eu precisava ouvir o que ela tinha a dizer.
— Olha, eu sei que estou atolado em trabalho… — comecei, mas a interrupção dela foi rápida.
— Não adianta se desculpar. Eu só quero que você me veja, Xande. Que perceba que eu também sou importante na sua vida. — O tom dela suavizou um pouco, mas a intensidade do olhar permanecia.
— Eu não estou tentando te ignorar, só… — suspirei, buscando as palavras. — Só estou tentando fazer o melhor que posso. O senhor Farias… ele precisa de mim.
— E eu? — O desafio nos olhos dela fez meu coração acelerar. — Quem cuida de mim enquanto você se dedica a todos os outros?
Senti o nó na garganta apertar. Era uma luta interna, e percebi que, mesmo tentando fazer o bem, eu estava deixando algo essencial escapar. A sala estava silenciosa, e a realidade da nossa situação se impôs.
— Você está certa — admiti, a sinceridade se infiltrando na minha voz. — Eu deixei o trabalho me consumir. Não quero que você se sinta assim.
Clara soltou um suspiro profundo, e o ar entre nós pareceu mudar. — Então, o que vai fazer a respeito?
Olhei para ela, finalmente disposto a encarar não apenas o que estava na mesa, mas o que estava bem na minha frente. — Vou tentar encontrar um equilíbrio. Prometo que vou prestar mais atenção. Você merece isso.
Ela assentiu lentamente, o semblante mais suave, mas a tensão ainda pairava. — Espero que sim. Não quero ser uma opção, Xande. Quero ser uma prioridade.
Assenti, ciente de que ela mais que merecia isso. — Está bem, eu farei, meu amor.
Um sorriso forçado surgiu em seu rosto, em resposta, o que me fez perceber ainda mais o quanto carente de atenção ela estava. Eu odeio discurssões, sou um homem calmo, direto, apesar da minha ocupação exigir isso, sou assim desde sempre.
— Alex, eu... — Mal havia se instalado um silêncio na sala, enquanto eu e Maria Clara nos olhavámos, um dos principais motivos para me mantér preso ao trabalho, adentrava, alías, invade escritório a dentro, o homem alto, de cabelos pretos, trajando um terno, bastante formal, para ao encontrar a minha esposa apoiada a cadeira. — Está tudo bem? — O homem olha de mim para ela, espressando a sua curiosidade.
O que faz, Clara soltar um profundo suspiro, ela não o suporta. O que eu poderia dizer, sobre Heitor Montenegro? Que apesar de ser meu melhor amigo, é um sem noção, chega nos piores momentos, um homem com quarenta e três anos, dono deste hospital, um dos homens mais influentes da cidade, que troca de namorada a cada seis meses, bem, apesar que a sua última tem durado, já estão juntos a oitos meses. — Te espero em casa. — Minha companheira rosnou, ignorando, em seguida, dando-me as costas.
— O que eu fiz? — Meu amigo pergunta, enquanto mantenho a postura, ao estar sentado, suspiro profundo. — Nada, Heitor, o que você estava dizendo?
Eu não fazia ideia do que fazer. Observava minha mãe, deslumbrante em um vestido branco de renda, com os cabelos soltos, enquanto ela me lançava um sorriso. Nossos olhares se cruzaram por alguns minutos, mas as palavras, ou qualquer possibilidade delas, morreram em minha boca.Eu não conseguia identificar se era ciúmes ou um medo profundo do que estava acontecendo, mas ao perceber o homem atrás dela também me observando, um sentimento ainda mais intenso surgiu dentro de mim.Ela não podia fazer isso, pensei, isolando qualquer som externo que não fosse a tempestade de pensamentos na minha mente. Como uma criança assustada, simplesmente fugi, seguindo em direção ao meu quarto, sem me importar com mais ninguém. O peso da confusão e da traição parecia me esmagar, e a única coisa que eu queria era escapar daquela realidade.— Mavi, Mavi, espera! — A voz da minha mãe me alcançava, como se abafasse o som ao meu redor. Eu não a esperei. O peso dos meus sentimentos confusos era insuportável. —
— Juro que não entendo por que a sua mulher não gosta de mim. — Heitor caminhava de um lado para o outro no escritório, sua frustração evidente. Eu poderia listar as razões do desgosto da minha esposa em relação ao meu amigo, mas isso não importava agora.— Anda, Heitor, por que não diz o que realmente quer? — falei em um tom brando, observando-o puxar a cadeira à minha frente.— Problemas de novo? — Ele levantou uma sobrancelha, e eu assenti levemente. Não era nada que eu não pudesse contornar.— Meio que sim, mas vamos lá, o que te trouxe aqui? — Perguntei, tentando mudar de assunto.Heitor, impaciente como sempre, apenas moveu as sobrancelhas. — Ah, esqueci. Talvez não fosse tão importante. — Dei um meio sorriso para sua resposta. Apesar de parecer desleixado, ele não era.— O que você estava fazendo? — Estendeu a mão em direção ao parecer médico que estava à minha frente.— Tentando compreender a situação de um paciente. E você? — Ele observou o papel vagamente, antes de jogá-lo d
Meu mundo parecia desabar diante dos meus olhos. Não, era mais do que isso; as palavras dela, dizendo que eu deveria encontrar um lugar para mim, eram como um aviso de que eu não cabia mais em sua vida.— Mãe!— Eu gritei o nome que significava tudo para mim, um socorro, uma alegria; era a primeira palavra que saía da minha boca em momentos de dor, porque eu sabia que ela viria. Mas a mulher deitada na cama mostrou-se indiferente. Ela estava abalada, e eu me sentia ainda pior.— Mãe, eu... — tentei dizer, estendendo a mão para pegar a dela, numa carícia que deveria ser leve, mas que era um pedido desesperado para que ela despertasse.— É isso, Maria Vitória! — Minha mãe olhou para mim de uma forma que nunca havia feito antes. O desprezo em seus olhos me congelou por completo. — Te dou um mês para sair da minha casa.Minhas sobrancelhas se franziram em confusão. — Mas mãe, eu... — tentei explicar, mas era em vão; os olhos dela continuavam fixos em mim, gelados.— Lhe passarei a pensão
Dirigindo pela cidade, minha mente estava uma tempestade. Por que Clara havia feito aquilo? Eu não havia lhe dado o suficiente? Perguntas incapazes de serem ignoradas surgiam a cada segundo, como flechas disparadas na escuridão da minha confusão. Olhei pelo retrovisor e percebi que seu carro ainda me seguia. A sensação de que eu precisava evitar um confronto se intensificava, mas a raiva dentro de mim só crescia.De repente, alguém pulou no canteiro, e a realidade me atingiu como um soco no estômago. Paralisei ao perceber que poderia ter atropelado alguém. Desci do carro rapidamente, deixando os faróis acesos atrás de mim. Com o coração acelerado, segui em direção ao desconhecido caído no chão, que tentava se levantar, claramente atordoado.A tensão do momento me fez esquecer, por um instante, o turbilhão emocional que me consumia. O que era mais importante agora: a vida daquela pessoa ou a bagunça que minha vida se tornara?— Filho da puta, está cego? — O homem gritou com força, demo
Chegamos aos bangalôs após um check-in que parecia um sonho. A realidade ainda me parecia distante, um turbilhão de emoções se misturava dentro de mim. A paisagem ao nosso redor era um abraço acolhedor: montanhas majestosas, o ar puro e o verde vibrante por todos os lados. Era tudo tão novo, e mesmo assim, as frustrações dos últimos dias ainda pesavam no meu coração.— Droga! — exclamou Isis, quebrando o silêncio ao deixar sua mala cair com um estrondo. Ela levantou o celular acima da cabeça, como se estivesse em uma batalha contra as ondas invisíveis de sinal.— O que foi? Não pega sinal? — perguntei, sabendo que era a pergunta de praxe.— Não, não pega! — resmungou minha amiga, já se afastando para a saída.Olhei ao redor, admirando o lugar: fresco, impecável e com um aroma delicioso no ar. O bangalô tinha duas camas de solteiro, uma de cada lado, com cabeceiras de madeira que exalavam um charme rústico. As roupas de cama em seda, brilhando sob a luz suave, davam um toque romântico,
DE TODOS OS PRAZERES, na vida, a gula deveria ser considerado o maior pecado na minha. É mais um domingo à tarde sob um calor absurdo de trinta e dois graus no Rio de Janeiro, e eu estou sentada no sofá com três bolas de sorvete de morango derretendo dentro do copo, em minhas mãos. Não consigo me conter; a ideia de abrir o congelador para pegar o pote de sorvete totalmente para mim é quase irresistível.Eu poderia estar lá fora com todos os amigos da minha mãe, com um biquíni bastante chamativo mergulhando na piscina, conversando sobre a última roupa usada pela diva da moda que, infelizmente, não deve saber da nossa existência. Mas, ao invés disso, aqui estou eu, em um estado de indulgência solitária.O sorvete é minha fuga, meu pequeno segredo. Cada colherada é um prazer que não compartilho com ninguém, uma pequena rebelião contra a rotina e a expectativa social. A textura cremosa e o sabor doce e refrescante são o antídoto perfeito para o calor e a monotonia.Laura, minha mãe, havia