Os dias foram passando, pouco a pouco. Minha mãe se recuperava, enquanto eu... parada, inquieta, encarava a grade curricular da faculdade onde meu pai havia me matriculado. A prova que fiz para entrar nem podia ser comparada a um mini teste da minha antiga faculdade. Fácil demais. Com exceção dos estágios e da monografia I e II, ainda sobravam componentes curriculares que eu já tinha cursado.Na primeira aula de estágio, eu me senti uma pré-médica — se é que esse termo existe. Era como se estivesse brincando de ser médica. Os colegas faziam perguntas básicas, coisas elementares, e o professor me entregou a papelada como se já soubesse de algo. Disse que o Hospital Fortaleza Vital havia aberto novas vagas de estágio. De alguma forma... tive a impressão de que ele sabia. Sabia de onde eu vinha. Sabia quem era meu pai. Era o tipo de privilégio disfarçado que eu nunca precisei.Mal saí da aula, fui abordada por uma professora alta, ruiva, bonita. Eu estava acostumada a correr atrás dos pr
Após a conversa com Heitor, eu me afastei de vez de Maria Vitória.Não a encontrava nos corredores do prédio, tampouco no elevador, mas eu sabia a cor e o modelo do seu carro. Sabia o percurso que fazia para ir e voltar da faculdade.Os dias passaram como passam sempre que não se quer encará-los: rápidos demais. Assustadoramente rápidos.A recuperação de Laura foi boa. Silenciosa. Clínica. Fiz minha parte como médico. Como amigo, também. Mas como homem... falhei. Falhei com Maria Clara e, agora, observando pela janela, percebo que também falhei com Maria Vitória.Continuo falhando.Maria Vitória estava lá. Matriculada. Estudando. Seguindo a vida. Não me procurava, tampouco me evitava — ela existia à margem. Discreta, como se tivesse aprendido a ser invisível dentro da própria casa. Dentro da minha vida.Eu a vi algumas vezes, de longe. Passando com a mochila pendurada em um ombro só, o crachá torto no peito, os fones nos ouvidos. Olhar firme, testa franzida. Um vulto conhecido em uma
— Não, filha, ele não esteve! Depois que sua tia saiu, ninguém mais apareceu por aqui — avisou minha mãe, da cozinha.Meus batimentos aceleraram ainda mais. Olhei para Alexandre, assustada. Ele parecia lerdo, aturdido. Fechei a porta, encarando-o.— Você acha que ele pode...? Eu vou ligar pra Ana Liz. Ele pode estar em casa, né?Eu tremia. Sabia do quadro dele. Alexandre já tinha me contado: internações, recaídas…— Ele estava furioso mais cedo. Com você. Mas... — Alexandre coçou a nuca, como se nem conseguisse colocar em palavras o que pensava.Entrei, e ele veio atrás. Peguei minha bolsa, tirei o celular e disquei para Ana Liz.— Não, Vihh… O seu pai tá no hospital. Talvez nem volte hoje... — respondeu ela. — Quer vir ficar comigo?Não era o momento. Minha cabeça latejava. E pelo olhar de Alexandre, só via o pior. Ele começou a ligar para uma lista de contatos, um por um. A cada resposta negativa, o medo crescia dentro de mim como um monstro.— Eu vou sair procurando nos lugares que
Maria Vitória parecia tranquila. E estava. Linda. Os cabelos soltos voavam com o vento que entrava pela janela, e o batom vermelho nos lábios realçava ainda mais o contorno da sua boca.— Você acha? — perguntei, vendo virando-se para mim com um sorriso leve, como se soubesse que estava linda. E estava. Linda, perfeitamente linda.— Não se faz dinheiro de qualquer jeito, Mavi. Ainda mais no tempo de onde eu venho.Ela riu. Aquela risada leve, debochada, que me desmontava. Eu já não sabia se olhava pra estrada ou pra ela. Aquela boca...— Fala como se tivesse vindo da pré-história. — provocou, ainda sorrindo. — Sei que hoje em dia é mais fácil ganhar dinheiro, mas a competição é muito maior.Assenti, sorrindo também. Sentia falta disso. Dessas conversas soltas, inteligentes, com aquele ar provocador que só ela sabia ter.— É, tem razão. Mas na minha época não existia internet desse jeito, com todas essas ferramentas. — Tentei argumentar, a verdade é que, pra alcançar alguém como a Clara
As mãos de Alexandre seguraram a minha cintura me forçando em cada movimento, eu de frente, exposta naquele banco de carro, numa escuridão sem fim, enquanto ele me movia com firmeza. — É disso que você gosta, não é? De me fazer perder o juízo. — Abri a boca tentando argumentar, mas ele estava me fodendo com força. — Claro que gosta! — Ele se respondeu atrás de mim, quando eu gozei ele não demorou a fazer o mesmo. — Satisfeito? — Perguntei tentando me ajeitar, o carro mesmo com a janela da frente aberta, as de trás estavam suadas. — Ainda não! Mas por hora, preciso te levar para casa. — Para a minha, por favor. — Sentou no banco da frente me olhando, com pouco agrado. — Uma porra. — murmurou ele, ajeitando a calça com um suspiro rouco. — Vou ficar com você até me satisfazer.Imaginei que estivesse suja, e isso me causou um arrepio de desconforto. Cruzei os braços, irritada.— Nem pensar. Minha mãe deve estar preocupada comigo. E, com certeza, o meu pai...— Eu me resolvo com o seu
Sentamos no sofá. Ele me beijava — boca, pescoço. Aquele rabicho de barba raspando na minha pele não fazia nada legal, mas eu tentei. Eu precisava tentar. Não podia parar no primeiro. Tinha que pular as casinhas.A mão dele chegou até minha calcinha, ainda seca. Eu sabia. Estava forçando. Mesmo com vinho, com aquela música sensual de fundo, ele descendo até minhas pernas, arranhando minha boceta com os dentes, com a língua...Eu tinha me depilado pra isso.E estava sendo um fracasso.— Linda... você é uma gostosa do caralho... uh-ru! — disse, já colocando o preservativo.Socar, socar, socar.Quando gozou, parecia que tinha ido a Marte. Eu fiquei ali. Estirada numa cama de casal.Perguntando que porra eu tinha feito pra merecer isso.E como se nada mais importasse, me deu um beijo melequento. Tinha gosto de xebiu. O pior é que era o meu.Eu achava nojento.Colocou a bermuda, saiu pela porta como quem vai buscar uma cerveja na cozinha.Fiquei sozinha, parada, nua, no silêncio do quarto.
Maria Vitória entrou no prédio, e eu ainda observava cada passo seu.— Transaram, não foi, seu filho da puta? — rosnou Heitor assim que ela desapareceu atrás da porta.Ela ainda olhou para trás quando assenti, em silêncio.— Podemos conversar em outro lugar? Não quero... — murmurou ele. Mas eu sabia. Ele queria o mesmo que eu: evitar que sua filha tivesse que escolher entre nós — ou se sentir culpada pelo desfecho.Heitor foi até o carro, e eu o segui na penumbra da madrugada. Quando ele parou num trecho deserto da cidade, eu soube que não havia mais volta.Ele veio em minha direção e, sem pensar duas vezes, acertou meu rosto com um soco.— Trepou com ela, depois de ter me prometido, não foi?Cuspi o gosto metálico do sangue invadindo minha boca e encarei-o.— Prometer era fácil. Resistir à sua filha... é difícil.Ele me agarrou pela gola da camisa, os olhos cravados nos meus.— Bate. Pode bater. Transamos, sim. E não foi a primeira vez. Nem vai ser a última...O segundo soco veio mai
Era manhã de sábado. O sol já subia alto no céu, invadindo o quarto com uma luz dourada. O telefone tocava sem parar em algum canto. Alexandre saía do banheiro, secando o cabelo com a toalha, e eu o observava com uma atenção quase devocional — o peito largo, a cintura firme, a nudez sem pressa. Cada detalhe dele parecia moldado entre o descuido e a intenção.— Não vai atender? — perguntou, sem me olhar.— É o seu. — respondi, ainda o acompanhando com os olhos.Como ele seria no futuro? As pessoas pareciam estar rejuvenescendo. Os homens de quarenta pareciam ter trinta. Os de cinquenta, quarenta. Meu avô, com sessenta, estava acabado... mas eu não conseguia ver Alexandre assim. Ele era diferente. Inquietante. Intenso.— Atende, mulher, tô ocupado. — disse, ainda enxugando o cabelo, vasculhando a gaveta.Peguei o celular no bolso da calça dele. O nome na tela me travou os dedos.— É a Maria Clara. — anunciei. Ele nem sequer se virou.— Alô? — atendi, hesitante. A última lembrança dela a