Após a prisão de Maria Clara, as coisas finalmente se acalmaram. Ela foi transferida para um presídio quase imediatamente. Ninguém nos explicou o motivo, mas a doutora Caroline me contou, com um olhar mais sério do que o habitual, que Maria Clara havia sido classificada como alguém extremamente perigosa, até mesmo para outros detentos.Eu tentava retomar minha vida: os estudos, o estágio. Minha mãe voltava à sua produção. Tia Lena veio passar o fim de semana conosco, mas eu sabia que não era apenas uma visita. À noite, ela desapareceu, como sempre. E, desta vez, eu não fui atrás.Meu pai estava surpreendentemente centrado naqueles dias. Dividia a direção do hospital com Alexandre, e os dois até contrataram um cirurgião temporário para substituí-lo em alguns plantões. Ele parecia determinado a manter tudo funcionando, como se quisesse provar alguma coisa, talvez a si mesmo.Naquela noite, fui até a área externa da casa e os encontrei ali: meu pai e Alexandre, sentados sob a luz amarela
— Claro que é! E se não for... — Deslizei a mão entre nós, por dentro do roupão. O gesto desfez o nó com uma facilidade quase simbólica — imprudente, diferente, estranho. — Eu quero tudo. Que você seja minha esposa, que tenhamos filhos, netos... bichos, o que quiser. Quero mor...Mavi levou o dedo aos meus lábios, firme.— Não ouse dizer isso. Eu aceito ser sua mulher. Já sou sua mulher. Quero ser mãe dos seus filhos, dos seus netos... mas nunca fale de morrer, Alexandre. Nunca.Assenti, silencioso, a conduzi até o banco de trás. Ela se deitou ali, me olhando como se o mundo fosse só nós dois.— Eu aceito ser sua... em qualquer lugar — sussurrou.Olhei para o corpo dela, magnífico, natural, de um jeito só dela.— Você é incrivelmente perfeita...Ela me puxou pela gola da camisa, urgente.— Me come primeiro, me elogia depois — falou com pressa, com fome.Ri, me aproximando da sua boca.— Você parece mais faminta que eu.— Claro que sim. Você me olha com esses olhos e eu só consigo pens
O relógio digital da sala de reuniões marcava 8h07 quando Maria Vitória empurrou a porta com uma pasta de relatórios sob o braço e um copo de café na outra mão. Os cabelos presos num coque prático, o jaleco branco por cima do vestido azul-marinho. A sala estava cheia — enfermeiros, gestores, dois representantes da ala pública recém-inaugurada.— Bom dia a todos — ela sorriu, sentando-se à cabeceira. — Vamos tentar resolver tudo antes das nove. Tenho uma entrega no colégio da Alana às dez.Todos sorriram. A doutora Xavier era conhecida por ser firme, objetiva e… absolutamente apaixonada pelos filhos. Mas pelo marido? Todos sabiam que ela largaria tudo, sem hesitar, se ele ligasse repentinamente.Enquanto ela revisava gráficos de atendimento e planos de expansão da ala pública, o celular vibrou discretamente sobre a mesa. Uma foto apareceu: Alexandre com os cabelos bagunçados, jaqueta jogada no ombro e um sorrisinho de canto, em frente à universidade.Mensagem dele: "A aula hoje foi um c
DE TODOS OS PRAZERES, a gula deveria ser considerado o meu maior pecado.É mais um domingo à tarde sob um calor absurdo de trinta e dois graus no Rio de Janeiro, e eu estou sentada no sofá com três bolas de sorvete de morango derretendo dentro do copo, em minhas mãos. Não consigo me conter; a ideia de abrir o congelador para pegar o pote de sorvete totalmente para mim é irresistível.Eu poderia estar lá fora com todos os amigos da minha mãe, com um biquíni bastante chamativo mergulhando na piscina, conversando sobre a última roupa usada pela diva da moda que, infelizmente, não deve saber da nossa existência. Mas, ao invés disso, aqui estou eu, em um estado de indulgência solitária.O sorvete é minha fuga, meu pequeno segredo. Cada colherada é um prazer que não compartilho com ninguém, uma pequena rebelião contra a rotina e a expectativa social. A textura cremosa e o sabor doce e refrescante são o antídoto perfeito para o calor e a monotonia.Laura, minha mãe, havia me avisado para não
— Xande, precisamos conversar. — A voz de Clara cortou o silêncio da sala, mas eu ignorei, absorto na leitura do parecer médico à minha frente. Mais uma vez, ela estava prestes a despejar sobre mim alguma queixa sem importância, talvez mais ciúmes por causa de uma paciente. No fundo, o que importava eram os detalhes do exame do senhor Farias; sem isso, não conseguiria entender a origem das irregularidades nos batimentos dele.— Está me ouvindo? — A insistência na voz dela me fez finalmente olhar para cima. Clara estava a poucos passos, seus olhos claros fixos em mim, mas não era isso que eu queria naquele momento.— Desculpe, Clara, mas estou tentando entender esse relatório. — A frustração começou a se acumular dentro de mim.— Você sempre está "tentando entender" algo. E eu? — Ela cruzou os braços, o tom de voz agora mais elevado. — Eu sou apenas uma distração para você?Desviei o olhar, tentando me concentrar novamente no parecer. As palavras dançavam na minha mente, mas a tensão na
Eu não fazia ideia do que fazer. Observava minha mãe, deslumbrante em um vestido branco de renda, com os cabelos soltos, enquanto ela me lançava um sorriso. Nossos olhares se cruzaram por alguns minutos, mas as palavras, ou qualquer possibilidade delas, morreram em minha boca.Eu não conseguia identificar se era ciúmes ou um medo profundo do que estava acontecendo, mas ao perceber o homem atrás dela também me observando, um sentimento ainda mais intenso surgiu dentro de mim.Ela não podia fazer isso, pensei, isolando qualquer som externo que não fosse a tempestade de pensamentos na minha mente. Como uma criança assustada, simplesmente fugi, seguindo em direção ao meu quarto, sem me importar com mais ninguém. O peso da confusão e da traição parecia me esmagar, e a única coisa que eu queria era escapar daquela realidade.— Mavi, Mavi, espera! — A voz da minha mãe me alcançava, como se abafasse o som ao meu redor. Eu não a esperei. O peso dos meus sentimentos confusos era insuportável. —
—Juro que não entendo por que a sua mulher não gosta de mim. — Heitor caminhava de um lado para o outro no escritório, sua frustração evidente. Eu poderia listar as razões do desgosto da minha esposa em relação ao meu amigo, mas isso não importava agora.— Por que não diz o que realmente quer? — falei em um tom brando, observando-o puxar a cadeira à minha frente.— Problemas de novo? — Ele levantou uma sobrancelha, e eu assenti levemente. Não era nada que eu não pudesse contornar.— Meio que sim, mas vamos lá, o que te trouxe aqui? — Perguntei, tentando mudar de assunto.Heitor, impaciente como sempre, apenas moveu as sobrancelhas. — Ah, esqueci. Talvez não fosse tão importante. — Dei um meio sorriso para sua resposta. Apesar de parecer desleixado, ele não era, pelo menos não ao transformar uma clínica em um conceituado hospital em nossa cidade.— O que você estava fazendo? — Estendeu a mão em direção ao parecer médico que estava à minha frente.— Tentando compreender a situação de um
Meu mundo parecia desabar diante dos meus olhos. Não, era mais do que isso; as palavras dela, dizendo que eu deveria encontrar um lugar para mim, eram como um aviso de que eu não cabia mais em sua vida.— Mãe!— Eu gritei o nome que significava tudo para mim, um socorro, uma alegria; era a primeira palavra que saía da minha boca em momentos de dor, porque eu sabia que ela viria. Mas a mulher deitada na cama mostrou-se indiferente. Ela estava abalada, e eu me sentia ainda pior.— Mãe, eu... — tentei dizer, estendendo a mão para pegar a dela, numa carícia que deveria ser leve, mas que era um pedido desesperado para que ela despertasse.— É isso, Maria Vitória! — Minha mãe olhou para mim de uma forma que nunca havia feito antes. O desprezo em seus olhos me congelou por completo. — Te dou um mês para sair da minha casa.Minhas sobrancelhas se franziram em confusão. — Mas mãe, eu... — tentei explicar, mas era em vão; os olhos dela continuavam fixos em mim, gelados.—Passarei para você, a pe