—Juro que não entendo por que a sua mulher não gosta de mim. — Heitor caminhava de um lado para o outro no escritório, sua frustração evidente. Eu poderia listar as razões do desgosto da minha esposa em relação ao meu amigo, mas isso não importava agora.
— Por que não diz o que realmente quer? — falei em um tom brando, observando-o puxar a cadeira à minha frente.
— Problemas de novo? — Ele levantou uma sobrancelha, e eu assenti levemente. Não era nada que eu não pudesse contornar.
— Meio que sim, mas vamos lá, o que te trouxe aqui? — Perguntei, tentando mudar de assunto.
Heitor, impaciente como sempre, apenas moveu as sobrancelhas. — Ah, esqueci. Talvez não fosse tão importante. — Dei um meio sorriso para sua resposta. Apesar de parecer desleixado, ele não era, pelo menos não ao transformar uma clínica em um conceituado hospital em nossa cidade.
— O que você estava fazendo? — Estendeu a mão em direção ao parecer médico que estava à minha frente.
— Tentando compreender a situação de um paciente. E você? — Ele observou o papel vagamente, antes de jogá-lo de volta na mesa.
— Muita palavra, pouco significado. Deseja que eu veja um horário com esse médico? — Assenti. Uma conversa com o especialista seria mais esclarecedora do que aquele relatório.
— Sim, não entendi muito também. — Heitor disse enquanto ainda olhava para o papel, e pude sentir a curiosidade emanando dele. Clara definitivamente não viria ao meu trabalho sem um bom motivo.
— Tem certeza de que está tudo bem? — Ele perguntou, seu olhar perscrutador me fazendo hesitar.
— Ela só quer mais atenção. Diz que eu vivo para o trabalho. — Confessei, vendo Heitor soltar um bufo de desdém.
— Hum, nada que uma bolsa dessas que diminuam alguns números da sua conta não resolva. — Ele insinuou, enquanto eu negava com a cabeça, de fato, sendo especialista em fracassos em relacionamentos, de algo, eu poderia ter certeza, jamais seguiria os seus conselhos sobre este assunto.
— Não é isso. De fato, tenho deixado ela de lado, mas prometo que irei me atentar mais a ela. — Heitor revirou os olhos, cético.
— Como você quiser. — Concluiu sem esconder a insatisfação.
Em um mês, percebi que precisava sair mais cedo do hospital, adiando algumas cirurgias e consultas não tão urgentes. Apesar de Heitor entender, sendo um amigo leal, eu sabia que meu casamento precisava ser salvo. Levei Clara para jantar fora várias vezes, cancelei reuniões e até uma viagem a Paraty.
Queria que tudo parecesse perfeito: entregas de buquês de rosas durante seu expediente, pequenos gestos que me faziam lembrar os primeiros dias do nosso casamento, quando eu fazia questão de surpreendê-la com presentes e declarações.
Mas aquela noite foi diferente. — Amor, você pode ir para casa. Não vou conseguir sair cedo hoje, reunião até tarde. — A mensagem da minha esposa vibrou sobre a mesa de vidro, chamando minha atenção. Ao lê-la, percebi que já havia encerrado meu expediente mais uma vez e revisava a agenda com a minha secretária. Não respondi; decidi esperar por ela e, quem sabe, surpreendê-la no trabalho.
Sai do escritório cedo, como planejado, e dirigi até o local onde ela trabalhava. Ao parar o carro em frente ao escritório MC Advocacia, na escuridão da noite, vi seu carro saindo do estacionamento. Sorri fraco, levando a mão até a buzina, querendo surpreendê-la, mas Clara, apressada, não percebeu, a segui, supondo que ela visitaria algum cliente.
Pela aparência duvidosa do lugar, minha curiosidade aumentou. Clara sempre foi refinada, vindo de uma família de alta classe e com uma educação impecável. Eu sempre me esforcei para estar à sua altura. Desci do carro e adentrei o ambiente, que confirmava minha primeira impressão: um local de péssima qualidade. A recepcionista, com maquiagem exagerada, sorriu ao me ver.
— Boa noite, senhor. Deseja um quarto? — A jovem perguntou, enquanto eu olhava ao redor, à procura de Clara. Sentia-me perdido, e não vi nenhum sinal dela.
— Deseja esperar a sua companhia lá em cima? — A recepcionista já estava me estendendo uma chave, sem me pedir nenhum dado. Fitei o metal em sua mão, vendo agarrada, pendurada uma placa de madeira com o número trinta e cinco pintado em tinta preta.
— Há algum lugar para reuniões aqui? — Perguntei, tentando manter a compostura. A resposta foi uma risada pouco zombeteira.
— Reunião? — Ela disse, divertindo-se claramente com a ideia, assenti, ignorando a sua falta de decência, ou educação. — Há muitas reuniões aqui, senhor! — Disse, levando a língua ao canto da boca, franzi o cenho, observando além, pensei em esperar que saísse por fim, mas gemidos começaram como gritos vindo do alto.
Algo praticamente incapaz de reproduzir, aquele lugar não era decente para mim, tampouco para Clara, a minha esposa. Virei-me novamente em direção ao balcão, até notar que placas se somavam ao lugar onde a jovem coloca a trinta e cinco, pendurada em ganchos, faltando somente a placa dezenove entre elas.
— Vai esperar? — Me perguntou sorrindo, a mulher de batom vermelho, suspirei fundo e apontei para o alto. Aquilo não a incomodava? — Ah, não se preocupe, aqui é um lugar onde as pessoas liberam o máximo do prazer, senhor. — Para mim, passava longe disto.
Peguei a maldita chave, mas a intenção era outra, fosse quem pudesse ser, eu tiraria a minha esposa deste lugar. Subi a escada apressado, revoltado com o ambiente, desrespeitoso, as minhas pernas falharam ao ouvir uma voz familiar. — Uhuhhh que gostoso! — Um gemido sôfrego, não poderia ser, engoli em seco, eu me senti freneticamente louco.
Ao ponto que ignorei até a minha suposta numeração. — Senhor, é para o outro lado! — A jovem gritou de baixo, quando corri ao lado oposto, reconhecendo gritos, gemidos e uivados. — Cachorra, rebola no meu pau, sua cadela! Isso vai... — Uma voz masculina surgiu, eu parei diante do quarto de onde vinha a baixaria.
— Isso, isso assim, tá bom aí! — Como uma gata manhosa, a mulher gemeu, meus batimentos se perdiam, chutei a porta de vez, era Clara? Não poderia ser. Chutei a porta mais vezes, que fracamente desmontava-se em tiras de madeira fina. A imagem que vi à primeira vista era a minha mulher de quatro numa cama, um homem robusto, de cabelo preso ao topo da cabeça, montado atrás dela.
Meu sangue fervendo, eu não podia acreditar em meus olhos. Vendo Clara, tentando sair, enquanto ele a segurava pelos cabelos escovados soltos, ela buscou se cobrir. — Clara? — A chamei quase sem voz, a raiva me entorpecia.
— Xande? — A minha esposa sentava-se à cama, enquanto o homem corria em direção a uma janela, nu, pouco barrigudo, um montante de pêlos somava-se ou escondia o seu membro. Eu paralisei diante da cama redonda, o cheiro de sexo sujo terrivelmente por todos os cantos. — Senhor, o que...
— Saia! — Clara berrou, nua, enrolada a lençóis brancos sobre a cama, meus olhos ardiam. — Pode me explicar isso? — Pedi, mas não havia o que explicar, já estava explicado. Clara saiu da cama, vindo em minha direção. — Posso, posso, meu amor, por favor, acredita em mim, ele não é nada...
— O quê? — O desconhecido gritou, pude perceber que, apesar de gordo, é jovem.
— Cala boca, Silas! — A minha infiel esposa gritou. — Como nada? Estamos juntos há três meses, Clara! — A dor se tornava maior. Olhei para a mulher ajoelhada no chão à minha frente, eu senti nojo dela, apesar de chorar, essa também era a minha vontade.
— Xande! — Tentou me tocar, quando recuei impedindo-a. — Xande, eu… eu...— Aquilo era sujo demais para mim, mesmo tendo saído da pobreza, evitando qualquer ação que me levaria a tragédia, girei nos calcanhares saindo em seguida, ignorando a recepcionista de pé próximo à porta quebrada com lascas de madeiras em todos os lugares. — Xande! Xande.
Ignorei os gritos e a mulher que tentara me alcançar e chamar, cheguei ao carro atordoado, perdido, Clara era o que eu chamava definitivamente de casa. As lágrimas desceram de uma maneira infidada, a traição mais que doí, queima, ferre, rasga, soquei o volante, repetidas vezes, e ao vê-la tentando se vestir vindo em direção ao meu carro, liguei o motor e partir.
Meu mundo parecia desabar diante dos meus olhos. Não, era mais do que isso; as palavras dela, dizendo que eu deveria encontrar um lugar para mim, eram como um aviso de que eu não cabia mais em sua vida.— Mãe!— Eu gritei o nome que significava tudo para mim, um socorro, uma alegria; era a primeira palavra que saía da minha boca em momentos de dor, porque eu sabia que ela viria. Mas a mulher deitada na cama mostrou-se indiferente. Ela estava abalada, e eu me sentia ainda pior.— Mãe, eu... — tentei dizer, estendendo a mão para pegar a dela, numa carícia que deveria ser leve, mas que era um pedido desesperado para que ela despertasse.— É isso, Maria Vitória! — Minha mãe olhou para mim de uma forma que nunca havia feito antes. O desprezo em seus olhos me congelou por completo. — Te dou um mês para sair da minha casa.Minhas sobrancelhas se franziram em confusão. — Mas mãe, eu... — tentei explicar, mas era em vão; os olhos dela continuavam fixos em mim, gelados.—Passarei para você, a pe
Dirigindo pela cidade, minha mente estava uma tempestade. Por que Clara havia feito aquilo? Eu não havia lhe dado o suficiente? Perguntas incapazes de serem ignoradas surgiam a cada segundo, como flechas disparadas na escuridão da minha confusão. Olhei pelo retrovisor e percebi que seu carro ainda me seguia. A sensação de que eu precisava evitar um confronto se intensificava, mas a raiva dentro de mim só crescia.De repente, alguém pulou no canteiro, e a realidade me atingiu como outro soco no estômago. Paralisei ao perceber que poderia ter atropelado alguém. Desci do carro rapidamente, deixando os faróis acesos atrás de mim. Com o coração acelerado, segui em direção ao desconhecido caído no chão, que tentava se levantar, claramente atordoado.A tensão do momento me fez esquecer, por um instante, o turbilhão emocional que me consumia. O que era mais importante agora: a vida daquela pessoa ou a bagunça que minha vida se tornara?— Filho da puta, está cego? — O homem gritou com força, de
Chegamos aos bangalôs após um check-in, que parecia um sonho.A realidade ainda me parecia distante, um turbilhão de emoções se misturava dentro de mim. A paisagem ao nosso redor era um abraço acolhedor: montanhas majestosas, o ar puro e o verde vibrante por todos os lados. Era tudo tão novo, e mesmo assim, as frustrações dos últimos dias ainda pesavam no meu coração.— Droga! — exclamou Isis, quebrando o silêncio ao deixar sua mala cair com um estrondo. Ela levantou o celular acima da cabeça, como se estivesse em uma batalha contra as ondas invisíveis de sinal.— O que foi? Não pega sinal? — perguntei, sabendo que era a pergunta de praxe.— Não, não pega! — resmungou minha amiga, já se afastando para a saída.Olhei ao redor, admirando o lugar: fresco, impecável e com um aroma delicioso no ar. O bangalô tinha duas camas de solteiro, uma de cada lado, com cabeceiras de madeira que exalavam um charme rústico. As roupas de cama em seda, brilhando sob a luz suave, davam um toque romântico,
Optei por sair de casa, levando comigo uma mala com itens necessários. Maria Clara ficou da porta acompanhando cada movimento meu, entre ir e vir no closet, pegando itens básicos de uso, como roupas, sapato, sandálias, e após esta decisão, quase morando no escritório em meu local de trabalho. As suas ligações se tornaram frenquentes, a minha secretária sequer repassavam sabendo da minha decisão, a notícia se espalhou entre os corredores, ignorando os burburinhos ao passar, os cochichos poucos contidos entre funcionarios do próprio hospital, não importava quem havia espalhado a noticia. Era um mês, longe de casa, um mês sem ter condições de olhar para Maria Clara, sem lembrar daquela maldita cena vista naquele motel a beira de estrada, as perguntas frenquentes de quantas vezes havia sido, e talvez quantas vezes após estarem juntos, ela esteve comigo me invadia, a ponto de invalidar a minha certeza de que tudo que viviamos era real.Eu julgava a nossa relação perfeita.Ignorando o qu
Olhei para Isis e Thiago partindo naquela moto, tomada por inseguranças.Não apenas por mim, mas também por ela. Aquele lugar era completamente desconhecido para nós. Nosso guia era um homem com quem passei o dia inteiro na trilha, mas isso não significava que eu confiava nele para algo assim.Esperei. Dez, vinte, trinta minutos. Nenhum sinal de Isis. O relógio marcava 22h30, e nada. Me culpei por ter vindo, por ter confiado tanto. O mundo parecia cada vez mais hostil, inóspito. Os olhos frios da minha mãe naquela noite de domingo refletiam minha mente inquieta.— Vamos? — A voz me arrancou dos pensamentos. O rapaz estava diante de mim, e atrás dele, um grupo de turistas. Observei as mulheres ali — apenas duas, ambas acompanhadas. Hesitei por um instante, mas assenti.Aceitar essa viagem foi um ato impensado. Só disse sim porque tia Lena e Otávio estavam alterados nos últimos dias, discutindo por qualquer motivo. De alguma forma, eu sabia que a causa disso era minha presença — um corp
Saí em busca de um aquecedor, já que o quarto não tinha um. Quando voltei, encontrei uma intrusa na minha cama.Ela estava encolhida sob o cobertor, a respiração leve, como se tivesse se apropriado do espaço sem o menor constrangimento. Franzi o cenho.— O que diabos...?Antes que eu terminasse, a desconhecida saltou da cama. Meu olhar se desviou instintivamente ao perceber que ela estava completamente nua.O que estava acontecendo com os jovens de hoje? Especialmente as mulheres? Tinham perdido completamente o pudor?— Quem é você? — perguntei, firme, cruzando os braços.Ela tropeçou no próprio vestido ao tentar vesti-lo apressadamente. O rosto estava tomado pelo pânico. Após se vestir, sentei-me, tentando entender a sua situação. Uma amiga a havia deixado do lado de fora. Jovens irresponsáveis eram comuns nos dias atuais.— Desconfio que tenham a boca mais afiada que a minha — disse ela, calçando um par de botas marrons. Seu tom era desafiador. Ela não era alguém que passaria desper
Eu sequer vi a noite passar.Não me sentia segura, aquele homem era um desconhecido para mim, e na minha situação, eu poderia tudo, menos reclamar de qualquer situação constrangedora.Eu havia invadido aquele quarto.Eu havia deitado naquela cama.E, embora nunca houvesse agido de tal maneira, não era motivo para aquele homem me julgar como irresponsável. Devorei o livro que peguei sobre a sua mesa de cabeceira. Era o último livro daquela edição, talvez fosse, mas, para mim, aquele sobre a cabeceira do desconhecido me parecia mais acessível.Olhei-o enquanto lia, tentando adivinhar quem era ele. Um médico? Um enfermeiro? Mas ele não tinha cara de nada disso.Alto, cabelos pouco grisalhos e escuros, os que o tornavam cinza, um rosto comprido e sério, além de olhos escuros intensos. Eu sequer saberia descrever o resto, não o encarei tanto. Estávamos sozinhos e isso me deixava totalmente insegura para olhá-lo ainda mais. Voltei à leitura.Até que ele se deitou, e, como fuga, já que lá fo
Ela bateu a porta com força e veio atrás de mim pelo gramado, sua voz carregada de indignação. — Ei! Isso foi grosseria! — Parei, me virando lentamente, observando-a como quem analisa um caso interessante, mas sem urgência. — Eu apenas disse a verdade. Você não gosta da verdade? — Ela bufou, cruzando os braços, como se eu tivesse cometido algum crime imperdoável.— Eu gosto de verdades, não de ataques gratuitos. — Dei de ombros.— Então talvez devesse começar sendo honesta consigo mesma. — Ela revirou os olhos, como se eu estivesse apenas jogando palavras ao vento. — E você deveria aprender a não bancar o dono da razão. — Ela me disse, chateada.— Não sou dono da razão, apenas sei usá-la. — Ah, claro, e eu sou a rainha da Inglaterra. — Levantei uma sobrancelha diante do seu argumento. Que garota petulante.— Elizabeth morreu. — Comentei, vendo-a torcer os lábios. — Você entendeu o que eu quis dizer! — Sorri de canto, achando divertido como ela se irritava fácil.— Você se irrita fácil