Maria Vitória Bocci

Chegamos aos bangalôs após um check-in que parecia um sonho. A realidade ainda me parecia distante, um turbilhão de emoções se misturava dentro de mim. A paisagem ao nosso redor era um abraço acolhedor: montanhas majestosas, o ar puro e o verde vibrante por todos os lados. Era tudo tão novo, e mesmo assim, as frustrações dos últimos dias ainda pesavam no meu coração.

— Droga! — exclamou Isis, quebrando o silêncio ao deixar sua mala cair com um estrondo. Ela levantou o celular acima da cabeça, como se estivesse em uma batalha contra as ondas invisíveis de sinal.

— O que foi? Não pega sinal? — perguntei, sabendo que era a pergunta de praxe.

— Não, não pega! — resmungou minha amiga, já se afastando para a saída.

Olhei ao redor, admirando o lugar: fresco, impecável e com um aroma delicioso no ar. O bangalô tinha duas camas de solteiro, uma de cada lado, com cabeceiras de madeira que exalavam um charme rústico. As roupas de cama em seda, brilhando sob a luz suave, davam um toque romântico, que parecia completamente deslocado em relação ao que eu estava vivendo. Enquanto Isis eixou a sua mala perto da cama,  próxima à entrada, eu optei pela mais afastada. 

Sentei-me olhando em volta, as ultimas palavras que a minha mãe me disse, ecoava ainda na minha mente como ocorrerá nos ultimos dias, mas ainda senti esperanças que tia Lena, lhe fizesse ver a verdade, e logo voltasse atrás. 

Após um banho revigorante, descansei o suficiente para ser despertada no meio da madrugada. Isis dormia profundamente na cama mais distante, parecendo relaxar em um sono sem fim. Levantei, tentando afastar os primeiros pensamentos do dia que insistiam em me assombrar. Peguei meu celular e confirmei o que já suspeitava: estávamos sem sinal, sem mensagens, sem chamadas de ninguém. 

Deixei o celular de lado e fui ao banheiro. Ao sair do bangalô, fui envolvida pela brisa gelada da manhã, que chegava de forma suave, como um abraço sutil. Caminhei pelo horto, perdida em pensamentos que teimavam em voltar, mesmo que causassem dor. A tranquilidade ao meu redor contrastava com a tempestade interna que eu sentia, e, enquanto os primeiros raios de sol começavam a despontar, eu buscava um pouco de clareza em meio ao turbilhão.

O nascer do sol entre as montanhas era deslumbrante, um espetáculo que me prendia a atenção. As cores se misturavam em um espetáculo de laranjas e rosas, enquanto os primeiros raios de luz iluminavam lentamente a paisagem ao meu redor. Eu me deixei levar por essa beleza, como se estivesse submersa em um mar de luz, onde cada instante parecia apagar as preocupações que me acompanhavam. Era um momento mágico, capaz de aquecer até mesmo as partes mais frias da minha alma.

O dia não começava tão agradavel, quando me vi sendo arrastada para uma trilha. Nascida e criada na cidade, nunca tive muito contato com natureza, mato, e ainda mais, desafios entre trilhas e vegetações, mas Isis, a minha única companhia, achava isso bom, e com a cabeça cheia, como estou, a segui. 

Voltamos para o bangalô ao anoitecer, sentindo o peso do dia nas costas. Eu estava cansada, exausta, como se tivesse sido atropelada, e minha mente estava inquieta.

— Vai ter um forró mais tarde, vocês vão? — Breno, o guia turístico, lançou um olhar insistente em minha direção.

Neguei de imediato. Para mim, ele parecia ter entre dezessete e vinte anos, e sua atenção só aumentava meu desconforto. A cotovelada que Isis me deu me fez olhar para ela.

— Vamos sim! — ela disse, cheia de entusiasmo, enquanto eu estava longe de compartilhar da mesma energia. A verdade é que eu não tinha o menor interesse em ficar com ninguém. Embora uma curta curiosidade sobre isso me perseguisse, mas a ideia me parecia cada vez mais distante.

— Vamos não, estou morta! — resmunguei, apressando o passo e tomando a dianteira. — Estou exausta, morta, na verdade.

Embora não quisesse ir, a ideia de ficar sozinha no bangalô não me agradava. Portanto, levantei-me e, em um gesto apressado, peguei o primeiro vestido que vi. Calcei minhas botas e passei os dedos de qualquer jeito pelos cabelos. Eu me sentia tudo, menos disposta a participar de uma festa.

— Ai, Mavi, passa pelo menos um batom! — disse Isis, entregando-me o objeto com um sorriso esperançoso. Olhei para o batom com um misto de desânimo, mas acabei passando nos lábios e, para disfarçar um pouco a palidez, apliquei um pouco nas bochechas, como se fosse blush.

Saímos em direção ao espaço da festa, acompanhando outros turistas que se reuniam ali. O primeiro copo de bebida foi oferecido, mas eu recusei de imediato. Nunca fui de me embriagar, e menos ainda na situação em que me encontrava. 

— Se você beber um pouco, quem sabe não desamarra essa cara! — brincou Isis, me dando uma cotovelada de lado, um gesto pouco costumeiro da sua parte toda vez que me incentiva a tentar algo. Eu sabia que ela estava tentando me animar, mas a verdade era que eu me sinto de luto por tudo que tem acontecido, são pensamentos que vão e vem, numa constante torrente, de "se" e se eu tivesse lhe dito desde o inicio? E se, eu tivesse aceitado o jeito dele? Porque a minha mãe não acreditou em mim?

São pensamentos que me deixam presa às sombras dos meus sentimentos. A festa poderia ser divertida, mas naquele momento, eu apenas queria encontrar um jeito de me sentir um pouco mais leve, distante de tudo que esta acontecendo.

Olhei para o copo descartável verde neon, com uma cor peculiar, um pouco de espuma na borda, neguei novamente, uma certa onda de curiosidade e acanhismo me tomou levemente, e se eu bebesse? Será que tudo isso passaria? Esta dor, esta amargura? Não. Disse a mim mesma, vendo a minha amiga lamentar, um pouco chateada pela minha recusa.

Até entendia a situação de Isis, que brigada com o namorado, me trouxe com a intenção de esquece-lo, talvez fosse isso, a minha situação, ela não sabia de fato, com todos os detalhes, vendo-a poucos centimentros de mim, questionei-me sobre a nossa amizade, não, não não é como a amizade de minha mãe e tia Lena, respirei fundo por constatar.

Mas amizades são criadas assim, não são? Ainda pensava sobre nós, quando fui surpreendida pela entrada repentina de Thiago, seu namorado vindo em nossa direção, Isis, estando de costas para a entrada, o homem de cabelo de dreads sintetico vindo em nossa direção, com uma blusa preta de estampa de mar na frente. — Isis... — A chamei, vendo-a tão distraída conversando com alguns conhecidos que fizemos durante a trilha. 

— Então é para isso que me pediu um tempo? — Thiago se aproximou bruscamente, perguntando com a voz alterada, deixando Isis perplexa, pálida com o copo de bebida na mão. 

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