Chegamos aos bangalôs após um check-in, que parecia um sonho.
A realidade ainda me parecia distante, um turbilhão de emoções se misturava dentro de mim. A paisagem ao nosso redor era um abraço acolhedor: montanhas majestosas, o ar puro e o verde vibrante por todos os lados. Era tudo tão novo, e mesmo assim, as frustrações dos últimos dias ainda pesavam no meu coração.
Optei por sair de casa, levando comigo uma mala com itens necessários. Maria Clara ficou da porta acompanhando cada movimento meu, entre ir e vir no closet, pegando itens básicos de uso, como roupas, sapato, sandálias, e após esta decisão, quase morando no escritório em meu local de trabalho. As suas ligações se tornaram frenquentes, a minha secretária sequer repassavam sabendo da minha decisão, a notícia se espalhou entre os corredores, ignorando os burburinhos ao passar, os cochichos poucos contidos entre funcionarios do próprio hospital, não importava quem havia espalhado a noticia. Era um mês, longe de casa, um mês sem ter condições de olhar para Maria Clara, sem lembrar daquela maldita cena vista naquele motel a beira de estrada, as perguntas frenquentes de quantas vezes havia sido, e talvez quantas vezes após estarem juntos, ela esteve comigo me invadia, a ponto de invalidar a minha certeza de que tudo que viviamos era real.Eu julgava a nossa relação perfeita.Ignorando o qu
Olhei para Isis e Thiago partindo naquela moto, tomada por inseguranças.Não apenas por mim, mas também por ela. Aquele lugar era completamente desconhecido para nós. Nosso guia era um homem com quem passei o dia inteiro na trilha, mas isso não significava que eu confiava nele para algo assim.Esperei. Dez, vinte, trinta minutos. Nenhum sinal de Isis. O relógio marcava 22h30, e nada. Me culpei por ter vindo, por ter confiado tanto. O mundo parecia cada vez mais hostil, inóspito. Os olhos frios da minha mãe naquela noite de domingo refletiam minha mente inquieta.— Vamos? — A voz me arrancou dos pensamentos. O rapaz estava diante de mim, e atrás dele, um grupo de turistas. Observei as mulheres ali — apenas duas, ambas acompanhadas. Hesitei por um instante, mas assenti.Aceitar essa viagem foi um ato impensado. Só disse sim porque tia Lena e Otávio estavam alterados nos últimos dias, discutindo por qualquer motivo. De alguma forma, eu sabia que a causa disso era minha presença — um corp
Saí em busca de um aquecedor, já que o quarto não tinha um. Quando voltei, encontrei uma intrusa na minha cama.Ela estava encolhida sob o cobertor, a respiração leve, como se tivesse se apropriado do espaço sem o menor constrangimento. Franzi o cenho.— O que diabos...?Antes que eu terminasse, a desconhecida saltou da cama. Meu olhar se desviou instintivamente ao perceber que ela estava completamente nua.O que estava acontecendo com os jovens de hoje? Especialmente as mulheres? Tinham perdido completamente o pudor?— Quem é você? — perguntei, firme, cruzando os braços.Ela tropeçou no próprio vestido ao tentar vesti-lo apressadamente. O rosto estava tomado pelo pânico. Após se vestir, sentei-me, tentando entender a sua situação. Uma amiga a havia deixado do lado de fora. Jovens irresponsáveis eram comuns nos dias atuais.— Desconfio que tenham a boca mais afiada que a minha — disse ela, calçando um par de botas marrons. Seu tom era desafiador. Ela não era alguém que passaria desper
Eu sequer vi a noite passar.Não me sentia segura, aquele homem era um desconhecido para mim, e na minha situação, eu poderia tudo, menos reclamar de qualquer situação constrangedora.Eu havia invadido aquele quarto.Eu havia deitado naquela cama.E, embora nunca houvesse agido de tal maneira, não era motivo para aquele homem me julgar como irresponsável. Devorei o livro que peguei sobre a sua mesa de cabeceira. Era o último livro daquela edição, talvez fosse, mas, para mim, aquele sobre a cabeceira do desconhecido me parecia mais acessível.Olhei-o enquanto lia, tentando adivinhar quem era ele. Um médico? Um enfermeiro? Mas ele não tinha cara de nada disso.Alto, cabelos pouco grisalhos e escuros, os que o tornavam cinza, um rosto comprido e sério, além de olhos escuros intensos. Eu sequer saberia descrever o resto, não o encarei tanto. Estávamos sozinhos e isso me deixava totalmente insegura para olhá-lo ainda mais. Voltei à leitura.Até que ele se deitou, e, como fuga, já que lá fo
Ela bateu a porta com força e veio atrás de mim pelo gramado, sua voz carregada de indignação. — Ei! Isso foi grosseria! — Parei, me virando lentamente, observando-a como quem analisa um caso interessante, mas sem urgência. — Eu apenas disse a verdade. Você não gosta da verdade? — Ela bufou, cruzando os braços, como se eu tivesse cometido algum crime imperdoável.— Eu gosto de verdades, não de ataques gratuitos. — Dei de ombros.— Então talvez devesse começar sendo honesta consigo mesma. — Ela revirou os olhos, como se eu estivesse apenas jogando palavras ao vento. — E você deveria aprender a não bancar o dono da razão. — Ela me disse, chateada.— Não sou dono da razão, apenas sei usá-la. — Ah, claro, e eu sou a rainha da Inglaterra. — Levantei uma sobrancelha diante do seu argumento. Que garota petulante.— Elizabeth morreu. — Comentei, vendo-a torcer os lábios. — Você entendeu o que eu quis dizer! — Sorri de canto, achando divertido como ela se irritava fácil.— Você se irrita fácil
O silêncio do bangalô era preenchido apenas pela respiração suave de Mavi. Eu permaneci onde estava, observando-a por um instante, antes de pegar um livro na pequena mesa ao lado da cama e me sentar na poltrona próxima à janela. A chuva fina persistia lá fora, tornando a tarde ainda mais preguiçosa. Folheei algumas páginas, mas meus olhos teimavam em desviar para a garota adormecida. Era curiosa a forma como seu rosto relaxado transmitia uma serenidade que não combinava com seu temperamento explosivo de mais cedo. A tensão que parecia sempre pairar sobre ela agora tinha se dissipado, substituída por um ar vulnerável, quase infantil. Voltei ao meu livro, deixando que as horas se arrastassem sem pressa. A tarde avançava, e o tempo frio tornava o ambiente confortável o suficiente para que eu próprio sentisse o peso do sono sobre meus ombros. Fechei o livro, massageando a testa. Foi então que um movimento na cama me chamou a atenção. Mavi se mexeu levemente, os olhos piscando algu
Eu saí correndo em direção àquela luxuosa área de alimentação, mas as opções de refeição eram limitadas. Isis e Thiago ainda almoçavam. Montei meu prato e me juntei a eles. Os casais estavam dispersos.— Decidiu vir? Pensei que estivesse devorando livros — disse Isis assim que me sentei.— Você sabe perfeitamente que não vivo somente de livros — respondi, levando o garfo com macarrão aos lábios. — É, estou vendo que não. Está ficando com aquele homem? — Thiago perguntou, pouco amigável. Endureci o olhar para ele, que riu.— Thiago! — Não adianta reclamar com ele quando você pensou a mesma coisa — bufou Isis, um pouco aborrecida. — Você sabe quem ele é? Sabia que me emprestou o livro que eu estava procurando? Mas Isis não se deu ao trabalho de responder.— Não acredito, Mavi. Você só pensa em estudar, estudar e nada mais? — Voltei à minha refeição, ignorando suas queixas e reclamações.Não sou filha de uma família estruturada, com um futuro garantido pela frente. O que ela gostaria?
A noite estava fria, mas eu não sentia necessidade de me aproximar do fogo. Preferia o calor do silêncio, da observação. E, naquele momento, minha atenção estava fixada nela. Mavi. Sentada a poucos metros de mim, ao lado da amiga. O rosto levemente iluminado pelo reflexo das chamas da lareira. Os olhos inquietos, como se tentassem escapar de algo que não conseguia evitar. Ou talvez estivesse apenas tentando escapar de mim. Ela sustentou meu olhar por alguns segundos. Um breve momento de hesitação. Mas não desviou. Interessante. Desde que a conheci, percebi que Mavi não era uma mulher óbvia. Não era fácil de decifrar, tampouco previsível. Ela carregava algo que a fazia diferente dos demais. Uma inquietação constante, uma necessidade de provar algo — para o mundo ou para si mesma. E, de alguma forma, eu entendia isso. Desviei o olhar por um instante, levando o copo aos lábios, sentindo o gosto amargo da bebida. Eu não deveria me envolver. Tinha uma vida organizada, regras