A noite estava fria, mas eu não sentia necessidade de me aproximar do fogo. Preferia o calor do silêncio, da observação. E, naquele momento, minha atenção estava fixada nela. Mavi. Sentada a poucos metros de mim, ao lado da amiga. O rosto levemente iluminado pelo reflexo das chamas da lareira. Os olhos inquietos, como se tentassem escapar de algo que não conseguia evitar. Ou talvez estivesse apenas tentando escapar de mim. Ela sustentou meu olhar por alguns segundos. Um breve momento de hesitação. Mas não desviou. Interessante. Desde que a conheci, percebi que Mavi não era uma mulher óbvia. Não era fácil de decifrar, tampouco previsível. Ela carregava algo que a fazia diferente dos demais. Uma inquietação constante, uma necessidade de provar algo — para o mundo ou para si mesma. E, de alguma forma, eu entendia isso. Desviei o olhar por um instante, levando o copo aos lábios, sentindo o gosto amargo da bebida. Eu não deveria me envolver. Tinha uma vida organizada, regras
Talvez minha expectativa de vida estivesse, de fato, indo ladeira abaixo. O quarto parecia menor, sufocante. Olhei para Isis, incrédula, enquanto ela me lançava aquela proposta absurda.— E aí, o que você decide? Quer ficar com a gente? — Sua voz tinha um tom casual, mas seus olhos escondiam algo que nem ela parecia entender completamente.Mesmo conhecendo Isis há anos, aquilo era estranho até para ela.— Não! Eu não quero isso! — Minha resposta saiu firme, sem hesitação. O que ela realmente pensava de mim? Me perguntei, sentindo um aperto no peito.— Relaxa, Mavi. Ninguém precisa saber... O Th está afim e... eu sempre tive curiosidade de ficar com uma mulher. — O sorriso dela parecia deslocado, como se nem ela estivesse convencida.— E daí? — Minha voz soou mais fria do que eu esperava. Observei a garota próxima à cama. Ela não parecia bem. Não parecia segura. — E daí que é uma boa oportunidade. Vai dizer que você nunca pensou...? — Isis insistiu, mas eu a interrompi com um gesto ráp
— Desculpe...eu...— Mavi deu passos para dentro do banheiro, quando a olhei, os seus cabelos estavam presos num coque alto, a pele do seu rosto, como pescoço também expostas, e para mim, era tão estranho me senti atraído por uma mulher após tantos anos, sendo fiel a uma. Levantei segurando o seu braço. — Não se desculpe, ele esta ótimo em você. — Falei, lhe vendo me olhar um pouco apreensiva, a olhei por alguns segundos, e sequer ignorei a possibilidade dela saber os meus pensamentos e desejos no momento, do braço, ergui a mão tocando o seu rosto, a sua pele macia, ainda estava quente. Observei como fechou os olhos, deveria ser insano da minha parte, desejar uma garota mais jovem que eu, mas quando ela abriu os olhos, umedecendo o lábio, eu decidi me arrepender em outro momento, talvez quando me desse um tapa no rosto, me fazendo despertar.A bebida não me deixara inconsciente para tanto, quando toquei os seus lábios com os meus, senti a curiosidade, o desejo, mas também a estranhez
Observei o homem deitado apagado na cama, ainda de camisa, calça, o seu semblante calmo não denunciava sinais quaisquer do que havia feito. A sua vida parecia ser uma ordem perfeita, embora algumas vezes me deixou em duvidas, olhei para a aliança na cabeceira da cama, tendo certeza que ele tinha retirado apenas por um momento de conquista barata. Pelas perguntas já havia traido a esposa, e desta vez não era diferente, deveria esta lidando com o perdão, tomei um banho, me vesti, peguei a minha bolsa ignorando os olhares de Thiago, enquanto Isis dormia, eu não queria me explicar ou sequer ouvir as suas explicações, a mala não dava para levar, o rapaz que me ajudaria a ir para cidade, me levaria de moto.Mas não havia nada de valor tão importante dentro dela, exceto roupas, maquiagem, os livros tive como trazer, eles não podiam ficar para trás, sai do quarto vendo a minha amiga dormindo na cama, sob a guarda do seu namorado, sai, fechei a minha conta no hotel, sem saber ao certo como fa
— Estive pensando, pensei bastante, Maria Clara… — As palavras pareciam pesadas na minha boca, como se qualquer escolha errada pudesse transformar o que restava de nós em escombros.Maria Clara estava sentada à minha frente, os olhos azuis cravados em mim, tentando decifrar a tempestade que se formava dentro de mim. O corte chanel impecável, o cabelo castanho-claro bem alinhado, como se quisesse manter a aparência inabalável diante do caos.— Xande… — sua voz saiu quase num sussurro. — Eu sei que não agi como você esperava, mas aconteceu. Eu me envolvi… nós priorizamos o trabalho, as nossas profissões. Eu nunca imaginei que existisse algo assim dentro de mim.Ela baixou a cabeça, os dedos inquietos sobre o próprio colo. Seu tom oscilava entre culpa e desespero.— Sobre o que você viu… eu me arrependo. Me envergonho daquilo. Eu… eu não sei o que me deu.Levantei-me, sentindo meu peito pesado, as lembranças daquele dia naquele lugar horrível me veio a mente, caminhei até a parede de vi
Sobrevivi a uma semana trabalhando na lanchonete Sabor é Mais, mas a ideia de conhecer meu pai ainda pairava sobre minha mente. Era um pensamento insistente, uma sombra que me acompanhava nos momentos de silêncio.Depois de um expediente surpreendentemente tranquilo, saí do shopping, aliviada por finalmente poder voltar para casa. O pequeno apartamento ainda estava quase vazio, sem muitos móveis. A ideia de montá-lo aos poucos era mais um plano distante do que uma realidade palpável. Com um salário mínimo e a mesada que meu pai depositava, gastar tudo de uma vez seria loucura. Melhor deixar na poupança. Logo viria a formatura, e eu precisava estar preparada para qualquer imprevisto.Minha vida tinha mudado rápido demais. Cresci com certo conforto ao lado da minha mãe, mas agora estava aprendendo a viver diferente. Ainda me acostumava a depender de ônibus, algo que nunca precisei fazer quando morava com ela. O carro, afinal, era dela.Já era noite quando saí do shopping. As chaves do e
Eu esperei que ela me ligasse.Dias se passaram. Semanas e nada, decidi ligar, era preciso falar com ela, esclarecer, ao ver o nome mãe, liguei. A cada toque do celular, meu coração disparava, ansioso por ver o nome "Mãe" no visor. Mas, toda vez que tocava, a demora me fazia corroer por dentro, eu precisava ouvir a sua voz, dizer o meu lado da história.Até que, enfim, ela atendeu.Respirei fundo, tentando ignorar o tremor na minha voz.— Mãe?A resposta veio afiada, carregada de impaciência e algo pior: Desprezo.— Mavi, pelo amor de Deus, me deixa em paz.Minha respiração falhou. Franzi o cenho, como se tivesse escutado errado.— O quê?— Você ouviu. Para com isso. Para de inventar coisas, de perseguir o Marcelo. Ele já me contou tudo.O sangue gelou nas minhas veias.— Ele contou? Contou que tem ido atrás de mim? Que tem aparecido no meu trabalho?— Você tá imaginando coisas.— Não estou! Eu tenho provas!O silêncio do outro lado foi curto, mas cortante.— Que provas?Engoli em se
Os dias longe do consultório me trouxeram um acúmulo absurdo de trabalho. Horas intermináveis. Pilhas de anotações. Pacientes agendados sem pausa para respirar.E, ainda assim, Heitor conseguiu aparecer para me atormentar.— A Maria Vitória é igual à mãe. — Ele começou, caminhando de um lado para o outro na minha sala. Sempre inquieto quando está nervoso. — Você acredita que ela foi morar sozinha? Que está trabalhando numa lanchonete, Alex?Suspirei, largando meu material de lado.— Hum... isso não seria bom? — perguntei, pegando o caderno para continuar minhas anotações.— Evidente que não! Como pôde permitir que ela trabalhe numa lanchonete, Alex? Ela é louca? — Ele bufou, passando a mão pelos cabelos, os olhos brilhando com indignação. — A Laura teve a audácia de me dizer que eu tenho que instalar a Mavi aqui na cidade. E quando perguntei o que ela cursava, aquela mulher mentiu, dizendo que faz Medicina!Fiz um traço no papel, sem olhar para ele.Ele andava de um lado para o outro,