Eu esperei que ela me ligasse.Dias se passaram. Semanas e nada, decidi ligar, era preciso falar com ela, esclarecer, ao ver o nome mãe, liguei. A cada toque do celular, meu coração disparava, ansioso por ver o nome "Mãe" no visor. Mas, toda vez que tocava, a demora me fazia corroer por dentro, eu precisava ouvir a sua voz, dizer o meu lado da história.Até que, enfim, ela atendeu.Respirei fundo, tentando ignorar o tremor na minha voz.— Mãe?A resposta veio afiada, carregada de impaciência e algo pior: Desprezo.— Mavi, pelo amor de Deus, me deixa em paz.Minha respiração falhou. Franzi o cenho, como se tivesse escutado errado.— O quê?— Você ouviu. Para com isso. Para de inventar coisas, de perseguir o Marcelo. Ele já me contou tudo.O sangue gelou nas minhas veias.— Ele contou? Contou que tem ido atrás de mim? Que tem aparecido no meu trabalho?— Você tá imaginando coisas.— Não estou! Eu tenho provas!O silêncio do outro lado foi curto, mas cortante.— Que provas?Engoli em se
Os dias longe do consultório me trouxeram um acúmulo absurdo de trabalho. Horas intermináveis. Pilhas de anotações. Pacientes agendados sem pausa para respirar.E, ainda assim, Heitor conseguiu aparecer para me atormentar.— A Maria Vitória é igual à mãe. — Ele começou, caminhando de um lado para o outro na minha sala. Sempre inquieto quando está nervoso. — Você acredita que ela foi morar sozinha? Que está trabalhando numa lanchonete, Alex?Suspirei, largando meu material de lado.— Hum... isso não seria bom? — perguntei, pegando o caderno para continuar minhas anotações.— Evidente que não! Como pôde permitir que ela trabalhe numa lanchonete, Alex? Ela é louca? — Ele bufou, passando a mão pelos cabelos, os olhos brilhando com indignação. — A Laura teve a audácia de me dizer que eu tenho que instalar a Mavi aqui na cidade. E quando perguntei o que ela cursava, aquela mulher mentiu, dizendo que faz Medicina!Fiz um traço no papel, sem olhar para ele.Ele andava de um lado para o outro,
Olhei mais uma vez ao redor. Todos pareciam encontrar seus parentes, seus amigos. Todos, menos aquele homem.Ele ainda estava ao telefone, a expressão carregada de confusão. Então, nossos olhares se cruzaram. Meu estômago revirou.— Ah... acho que já vi sua tia. Onde você está, meu amor?Continuei encarando-o.Não podia ser.Duas Maria Vitória na mesma rodoviária? Duas pessoas esperando por elas? Aquilo parecia uma piada.— Tia? Que tia? — franzi o cenho. — A tia Lena não veio. Me diz onde o senhor está?A confusão no rosto dele se aprofundou.A garota ao seu lado ficou paralisada. Engoliu em seco, como se algo tivesse travado em sua garganta.— É a tia dela, amor? Onde está sua filha?Filha?Soltei um sorriso fraco.Ele não sabia nada sobre mim.O motorista retirou minha bagagem do ônibus e a colocou ao meu lado.— Muito obrigada, senhor.Observei o homem mais uma vez. Jovem demais para ser meu pai. E a garota ao seu lado... "amor", "filha". Ela não podia ser minha irmã.Comecei a ca
— Xande, não dá para continuar assim. Quando vai decidir voltar para casa?Parei ao entrar na minha sala. Maria Clara ainda vagava por ali, inquieta.— Talvez eu não volte, Maria Clara. Não me pressione quanto a isso. Talvez seja melhor decidirmos sobre uma separação.Ela girou sobre os saltos marrons finos, os olhos faiscando em indignação.— Não! Separação, não, Alexandre! O que vão pensar? Você não pode acabar com o nosso casamento por causa de um erro!Ergui as sobrancelhas, deixando os presentes sobre o sofá cinza.— Um erro? Traição não é um erro, Maria Clara. Pelo menos acredito que ainda possamos manter uma amizade. Mas não vou mentir para você… Os sentimentos não são os mesmos.Abri as cortinas, deixando a claridade inundar o cômodo. Pude ouvir o suspiro profundo que ela soltou.— Apenas uma chance, Xande. Estamos juntos há tanto tempo… Eu te conheço como se fosse parte da minha alma, e você me conhece também.Ela não estava errada.— Tentamos. Se sentirmos que não há mais ch
Saí andando pelo hospital enquanto Ana Liz ainda falava ao telefone com a mãe do meu pai. Eu não queria ficar ao lado dela, muito menos ouvir sua narração sobre mim.Em algum momento, eu teria que conhecer minha avó paterna. Ela parecia gentil, ao menos pelo telefone. Minha avó materna também era boa comigo, embora tenha partido cedo.Segui distraída, sem perceber para onde ia. Estava faminta.Foi quando meu corpo colidiu com alguém.Virei-me rapidamente, o coração disparando.O homem à minha frente vestia um jaleco azul.Engoli em seco.Eu o conhecia.E conhecia bem.Minha mente me bombardeou com lembranças que eu adoraria considerar insignificantes—os olhos dele, sua respiração, a forma como esteve sobre mim. A maneira como sua mão acariciava meu rosto, seus dedos segurando os meus acima da cabeça, sua boca percorrendo meu pescoço, meus seios... Minutos que deveriam ter sido esquecidos, mas que se tornaram uma lembrança intensa dentro de mim.Meu corpo ficou imóvel.A roupa azul ind
Anos de estudos, anos de experiência. A cirurgia era a atividade que mais me satisfazia, um prazer indescritível. Mas, naquela tarde, enquanto me preparava para entrar na sala de cirurgia, minha mente insistia em me levar para outro lugar.Ou melhor, para outra pessoa.Mavi.O que ela estava fazendo aqui?Droga.Preciso me concentrar.Respirei fundo e segui o protocolo.No vestiário, retirei minhas roupas comuns e vesti o pijama cirúrgico azul. Depois, calcei os sapatos específicos para o ambiente estéril e coloquei a touca, garantindo que nenhum fio de cabelo ficasse exposto. O reflexo no espelho me mostrava um olhar perdido, mas não era hora para distrações.Segui para a área de lavagem das mãos. Abri a torneira sem tocá-la com as mãos—o acionamento era feito com o pé. O sabão antisséptico cobriu meus dedos, pulsos e antebraços. Segui os movimentos padronizados, esfregando cada espaço entre os dedos, cada superfície da pele. O tempo mínimo? Dois minutos cronometrados.Água correndo.
Eu simplesmente apaguei. Quando acordei, minha barriga roncava. Olhei ao redor do quarto rosa e branco, sentindo-me em algum filme de castelo, fadas, bruxas… e nada mais que coisas imagináveis.Levantei, caminhando até minha bolsa. Exceto pelas ligações de tia Lena, nenhuma da minha mãe. Suspirei e mandei uma mensagem para minha tia, avisando que cheguei bem e que encontrei meu pai. Respondi algumas perguntas dela e, sem mais interações, larguei o celular.Vesti um vestido folgado cinza e desci as escadas com cuidado para não fazer barulho. Andei pela casa até encontrar a cozinha. Abri a geladeira em busca de algo para comer e preparei um sanduíche rápido. Minha fome tinha pressa. Enquanto comia, meus olhos percorriam o ambiente. Será que houve, pelo menos, alguma paixão entre meu pai e minha mãe? Ou foi realmente um golpe?Depois de saciar minha fome, voltei para o quarto. A casa era enorme, praticamente uma mansão. Pelo que percebi, meu pai e Ana Liz não tinham filhos. Mas eu também
Eu devia olhar para aquela mulher como uma sobrinha.Filha de Heitor.Meu melhor amigo.Sempre foi assim que o vi.A cada passo de Maria Vitória em direção à minha mesa, eu sequer consegui desviar os olhos dos seus. Uma sensação de desconforto e traição me invadia. Heitor nunca me perdoaria — eu mesmo não conseguia me perdoar.Constatar que Mavi e Maria Vitória eram a mesma pessoa me deixou aborrecido comigo mesmo. Mas o que poderíamos fazer?Observei cada passo arrastado que ela dava na minha direção. Quando estendeu a mão pequena e delicada, temi que fosse além naquela loucura e de fato me chamasse de "tio". Aquilo seria doentio para mim.Sua mão tremia.Heitor ainda a observava de longe. Peguei sua mão num cumprimento rápido, sem conseguir desviar os olhos dos seus.O que nós havíamos feito?— Tudo bem, Maria Vitória? — Tentei sorrir, mas foi forçado. Eu me sentia tenso. Nunca imaginei que um dia estaria com outra mulher... para depois descobrir que ela poderia ser filha do meu mel