Meu pai gargalhava, sacudindo os papéis como se aquilo fosse uma piada. A esposa de Alexandre, furiosa, tentava alcançá-los, equilibrando-se nos saltos finos. A cena era quase cômica... se não fosse tão desconfortável.Por dentro, tudo em mim gritava.Eu queria sumir.Alexandre estava ali, tão perto. Seu perfume preenchia o ar de forma discreta, mas marcante. Ele não parecia nem um pouco abalado. Não havia tensão em seu rosto, como se o passado entre nós tivesse sido um engano, um borrão mal interpretado.E talvez tivesse sido.Mas não para mim.Eu ainda me lembrava da brisa morna atravessando o bangalô, da forma como ele me olhou, como se me enxergasse por dentro. Lembrava da ponta dos dedos dele roçando meu rosto, do silêncio confortável entre nós, da minha respiração presa nos lábios dele.Eu ainda carregava aquilo.E agora, ele só me olhava como se fosse... a filha do amigo.Ou pior: uma presença inconveniente.Fingi não me importar. Fingir era o que eu fazia de melhor desde que c
Olhei na direção da porta enquanto Heitor partia. Maria Vitória já havia ido bem à frente, os passos apressados denunciando mais do que pressa — ela parecia fugir. Correr de mim, talvez. Ou de nós dois.Luiza ainda falava sobre as mudanças de horário quando neguei com um gesto sutil, buscando retomar o ritmo que aquele dia exigia de mim.— Tudo bem, Luiza. Mande-a entrar. Não vamos alterar os horários de atendimento por causa de ninguém.Minha voz saiu firme, mas dentro de mim, tudo parecia fora de ordem. Tentava seguir com a normalidade de sempre, mesmo que ela já não fizesse tanto sentido assim.Heitor não apareceu mais naquele dia. Ao menos, não pela manhã. E embora Maria Vitória também não desse sinais, o rosto dela — Mavi, a garota de antes — insistia em voltar.O que eu deveria fazer?Conversar com Heitor? Sentar e esclarecer tudo?Parecia o mais certo.Mas... depois disso, como ficaríamos? Havia espaço para honestidade sem que tudo ruísse de vez?Levantei da cadeira e, com pass
Eu ainda tentava me acostumar com a vida do meu pai: luxo, sim, mas também um excesso de trabalho. Se eu quisesse vê-lo, precisava ir até o hospital.Os dias com Ana Liz seriam perfeitos para qualquer jovem de quinze anos, especialmente uma tão consumista quanto ela. Me levou ao cabeleireiro; renovei o corte e, desta vez, escolhi uma franja um pouco arredondada acima dos olhos. Me deu um ar mais discreto — exatamente o que eu queria. Não queria chamar atenção de ninguém. O que estava feito, já estava feito.Mas, ao sair do salão para escolher roupas, não pude ignorar os olhares que recebíamos.— Tá vendo? Esse corte te deixou ainda mais gata. Tá com cara de dezessete, Vihh. — Ana Liz comentou, satisfeita.Eu nem tanto. Não era esse o efeito que eu buscava. Tudo o que eu queria era paz, tranquilidade.Entramos em algumas lojas. Eu até poderia renovar todo o meu guarda-roupa, mas optei por poucas peças. Simples. Discretas.Os dias passavam lentamente naquela cidade. Conheci meus avós, p
Era sábado. Eu não tinha cirurgias marcadas, tampouco trabalho urgente a fazer, mas ir até meu consultório parecia uma fuga perfeita. Não queria lidar com as cobranças da Maria Clara, mas também não queria machucá-la, dizendo que ainda não me sentia confortável para tocá-la. A lembrança dela naquela cama, com outro homem, ainda me feria mais do que eu queria admitir.— Você não vem? — Respirei fundo ao ouvir Heitor cruzando a porta como um fantasma, vestindo uma camiseta branca e uma bermuda verde com estampa discreta. — Alex, você é meu melhor amigo. E, tirando alguns vizinhos e o pessoal do hospital, não tenho mais com quem conversar.Deixei a agenda de lado, tentando ignorar toda e qualquer monotonia da minha vida. As palavras de Heitor pareciam longe. Eu mal conseguia acompanhar. Não lembrava onde deveria estar, nem para onde ir. Os dias ainda pareciam todos iguais.— Se você me disser... para onde e quando?Heitor se jogou no sofá, visivelmente frustrado.— Como assim “para onde”
Cheguei ao meu quarto nervosa, suando e trêmula. Eu não esperava uma festa. Ana Liz havia comentado sobre a ideia, mas eu pensei que fosse demorar... que ainda daria tempo de fazê-la mudar de ideia.Abri a porta, entrei rapidamente, e mal me virei para fechá-la, dei de cara com Alexandre, parado ali, preocupado. Não era o momento. Mas talvez... fosse o único momento.— Entra — falei, vendo-o hesitar por um segundo. Ainda assim, entrou.Usava uma camiseta azul claro, uma bermuda folgada preta de tecido leve e chinelos. Era diferente do seu jeito habitual. Caminhou alguns passos, observando o quarto — a decoração infantil, os detalhes que denunciavam que aquele espaço não era, de fato, meu.— Eu não tenho nada a ver com isso — disse, ainda analisando o ambiente. Sentei na cama, tentando recuperar algum raciocínio, focando em inspirar e expirar devagar.— Expira... inspira, Mavi... — sussurrei para mim mesma, tentando me acalmar.— Eu tentei avisar seu pai... mas ele quer te agradar. Só
— Não, ela não usa, mas não estamos falando dela aqui. — Ainda olhava para Mavi, lutando contra aquela maldita possessividade que me corroía por dentro. Odiei o modo como o ciúme me consumia, como o desejo insistia em ganhar espaço mesmo quando tudo em mim gritava para recuar. — Pois deveria comprar um desses. Presenteá-la.Maria Vitória caminhou até o espelho. A luz refletia em sua pele, e aquele biquíni mínimo deixava pouco à imaginação. Ela ajeitou o coque meio desfeito sobre a cabeça, e eu desviei o olhar. Me senti sujo, fraco, malditamente atraído por algo que não devia sequer desejar. Eu já havia perdido o controle antes, mas com ela... era diferente. Ela tinha o dom de mexer com tudo que eu achava que estava sob controle.— É melhor você ir na frente, titio. — A entonação carregada de ironia me atingiu em cheio.Peguei a peça branca no chão, atirei contra seu corpo. — Vá você. Afinal, a festa é sua. — Ela pegou o short com aquele sorriso torto, carregado de algo que eu ainda nã
Eu tentava me manter ali, presente na festa, por mais que cada parte de mim gritasse para fugir. Não queria decepcionar a Liz, nem meu pai. Eles tinham gasto tempo, energia — talvez até carinho — para organizar tudo aquilo por mim. E, de certo modo, eu me sentia em dívida.As pessoas se aproximavam, falavam comigo como se me conhecessem há anos. Diziam que eu era linda, que puxava o pai, que minha chegada era uma alegria. Tudo tão falso, tão ensaiado. Elas tentavam criar laços, conexões rápidas, como se a proximidade pudesse nascer no estalar de um dedo. E eu? Eu só queria desaparecer. Sabia que aquele não era o meu mundo. Não ainda.O desejo de subir até o quarto foi ficando mais forte. E se tornou quase incontrolável quando saí da piscina e um dos médicos do hospital veio puxar conversa.— Porque não vamos lá na segunda-feira? Você não tem interesse? — perguntou.Forçou um sorriso simpático, mas tudo em mim estava latejando. Eu me sentia um pouco tonta, talvez pela bebida, talvez pe
Sequer notei quando Maria Clara sumiu, a equipe de técnicos ainda falavam da semana cheia que tivemos, e da mais cheia que virá pela frente, a necessidade de um segundo cirurgião é emergente.Eu ainda acompanhava Mavi de longe, naquela piscina, Iago em seu pé, falando sem parar, enquanto ela tentou mantér a sua postura, fingia lhe ouvir. Parecia incomodada com o desfecho da festa do seu pai, as pessoas se embriagava se tornando libertinas. Vi quando saiu a procura dele, mas ao invés de subir as escadas, foi para o escritório, segui em seu encalço, como se ela fosse um alimento, passei pela porta após algumas tentativas, vendo Maria Vitória pouco surpresa, ou do contrario, ela sabia fingir bem. Foi em direção a gaveta, e quando retornou com um molheiro de chaves nas mãos, ficou lutando contra a fechadura, eu não tinha tempo e nem condições de evitar o meu ciúme, eu sabia bem o que tinha visto. Eu me vi disposto a tudo para defender Mavi, mesmo que por alguns instantes, tendo-a em me