Era sábado. Eu não tinha cirurgias marcadas, tampouco trabalho urgente a fazer, mas ir até meu consultório parecia uma fuga perfeita. Não queria lidar com as cobranças da Maria Clara, mas também não queria machucá-la, dizendo que ainda não me sentia confortável para tocá-la. A lembrança dela naquela cama, com outro homem, ainda me feria mais do que eu queria admitir.— Você não vem? — Respirei fundo ao ouvir Heitor cruzando a porta como um fantasma, vestindo uma camiseta branca e uma bermuda verde com estampa discreta. — Alex, você é meu melhor amigo. E, tirando alguns vizinhos e o pessoal do hospital, não tenho mais com quem conversar.Deixei a agenda de lado, tentando ignorar toda e qualquer monotonia da minha vida. As palavras de Heitor pareciam longe. Eu mal conseguia acompanhar. Não lembrava onde deveria estar, nem para onde ir. Os dias ainda pareciam todos iguais.— Se você me disser... para onde e quando?Heitor se jogou no sofá, visivelmente frustrado.— Como assim “para onde”
Cheguei ao meu quarto nervosa, suando e trêmula. Eu não esperava uma festa. Ana Liz havia comentado sobre a ideia, mas eu pensei que fosse demorar... que ainda daria tempo de fazê-la mudar de ideia.Abri a porta, entrei rapidamente, e mal me virei para fechá-la, dei de cara com Alexandre, parado ali, preocupado. Não era o momento. Mas talvez... fosse o único momento.— Entra — falei, vendo-o hesitar por um segundo. Ainda assim, entrou.Usava uma camiseta azul claro, uma bermuda folgada preta de tecido leve e chinelos. Era diferente do seu jeito habitual. Caminhou alguns passos, observando o quarto — a decoração infantil, os detalhes que denunciavam que aquele espaço não era, de fato, meu.— Eu não tenho nada a ver com isso — disse, ainda analisando o ambiente. Sentei na cama, tentando recuperar algum raciocínio, focando em inspirar e expirar devagar.— Expira... inspira, Mavi... — sussurrei para mim mesma, tentando me acalmar.— Eu tentei avisar seu pai... mas ele quer te agradar. Só
— Não, ela não usa, mas não estamos falando dela aqui. — Ainda olhava para Mavi, lutando contra aquela maldita possessividade que me corroía por dentro. Odiei o modo como o ciúme me consumia, como o desejo insistia em ganhar espaço mesmo quando tudo em mim gritava para recuar. — Pois deveria comprar um desses. Presenteá-la.Maria Vitória caminhou até o espelho. A luz refletia em sua pele, e aquele biquíni mínimo deixava pouco à imaginação. Ela ajeitou o coque meio desfeito sobre a cabeça, e eu desviei o olhar. Me senti sujo, fraco, malditamente atraído por algo que não devia sequer desejar. Eu já havia perdido o controle antes, mas com ela... era diferente. Ela tinha o dom de mexer com tudo que eu achava que estava sob controle.— É melhor você ir na frente, titio. — A entonação carregada de ironia me atingiu em cheio.Peguei a peça branca no chão, atirei contra seu corpo. — Vá você. Afinal, a festa é sua. — Ela pegou o short com aquele sorriso torto, carregado de algo que eu ainda nã
Eu tentava me manter ali, presente na festa, por mais que cada parte de mim gritasse para fugir. Não queria decepcionar a Liz, nem meu pai. Eles tinham gasto tempo, energia — talvez até carinho — para organizar tudo aquilo por mim. E, de certo modo, eu me sentia em dívida.As pessoas se aproximavam, falavam comigo como se me conhecessem há anos. Diziam que eu era linda, que puxava o pai, que minha chegada era uma alegria. Tudo tão falso, tão ensaiado. Elas tentavam criar laços, conexões rápidas, como se a proximidade pudesse nascer no estalar de um dedo. E eu? Eu só queria desaparecer. Sabia que aquele não era o meu mundo. Não ainda.O desejo de subir até o quarto foi ficando mais forte. E se tornou quase incontrolável quando saí da piscina e um dos médicos do hospital veio puxar conversa.— Porque não vamos lá na segunda-feira? Você não tem interesse? — perguntou.Forçou um sorriso simpático, mas tudo em mim estava latejando. Eu me sentia um pouco tonta, talvez pela bebida, talvez pe
Sequer notei quando Maria Clara sumiu, a equipe de técnicos ainda falavam da semana cheia que tivemos, e da mais cheia que virá pela frente, a necessidade de um segundo cirurgião é emergente.Eu ainda acompanhava Mavi de longe, naquela piscina, Iago em seu pé, falando sem parar, enquanto ela tentou mantér a sua postura, fingia lhe ouvir. Parecia incomodada com o desfecho da festa do seu pai, as pessoas se embriagava se tornando libertinas. Vi quando saiu a procura dele, mas ao invés de subir as escadas, foi para o escritório, segui em seu encalço, como se ela fosse um alimento, passei pela porta após algumas tentativas, vendo Maria Vitória pouco surpresa, ou do contrario, ela sabia fingir bem. Foi em direção a gaveta, e quando retornou com um molheiro de chaves nas mãos, ficou lutando contra a fechadura, eu não tinha tempo e nem condições de evitar o meu ciúme, eu sabia bem o que tinha visto. Eu me vi disposto a tudo para defender Mavi, mesmo que por alguns instantes, tendo-a em me
Alexandre me olhou com as sobrancelhas erguidas.Ele, que talvez fosse a pessoa que mais conhece meu pai, me ajudou a levar Ana Liz até o quarto. Ela ainda tentava se manter de pé, mas assim que a colocou na cama, saiu imediatamente à procura dele.— Vihh... Vihh... deita aqui comigo! — Ela murmurou, arrastando as palavras.Eu só queria que ela dormisse de uma vez.— Estou aqui, Liz. Dorme. Vamos esquecer o hoje. — Sentei na beira da cama. Ana Liz se arrastou até apoiar a cabeça no meu colo. Acariciei seus cabelos, me perguntando como dois adultos, tão irresponsáveis, podiam ter chegado a esse ponto.— Ele não quer... — começou a chorar, sussurrando contra minhas pernas. — O Heitor não quer... ele não quer ter filhos comigo...Suspirei, ainda a acariciando, mas minha mente vagava. Pensava em Raquel. Não a vi desde a piscina. Saí da água depois de alguns mergulhos. Estava lotado. Ela começou a conversar com uma garota e... depois disso, simplesmente sumiu.— Dorme, Liz. Relaxa. Você ai
Maria Clara havia desaparecido. E, apesar de tudo o que aconteceu, eu não conseguia evitar a preocupação. Saí da casa de Heitor, deixando-o deitado na própria cama, ainda inerte, nu e cheirando a álcool e vergonha.O que ele havia feito? Como havia chegado àquele ponto? Essa era a surpresa que ele preparava para a filha? Mavi não parecia nada feliz. E eu… eu não conseguia tirar os olhos dela.Entrei no carro e fui para casa. Durante o trajeto, liguei para Clara. O celular dela seguia desligado. Tentei de novo. Nada. Deixei mensagens. Nenhuma resposta.E o pior me invadiu. Ela poderia estar me traindo? De novo? Àquela hora?Uma onda de insegurança me tomou por completo. Um nó na garganta. O volante escorregando das mãos suadas.Era mais do que ciúme. Era a culpa que agora me engolia.Eu estive com Mavi. E hoje... sequer consegui desgrudar os olhos dela. Será que Clara tinha percebido?Engoli em seco.E se sim? E se tudo estiver ruindo ao mesmo tempo?Cheguei em casa apressado. As luzes
Saí do quarto sem olhar para trás. O som abafado da televisão ligada na sala misturava-se aos meus pensamentos, cada vez mais distorcidos.Não havia como voltar à cama depois daquilo. Nem havia cama onde deitar, na verdade. Apenas um passado que parecia se desfazer, camada por camada, diante dos meus olhos.Fui até a varanda, com o cabelo ainda molhado do banho. A brisa da noite era cortante. Sentei na cadeira de madeira, encostei a cabeça na parede e fechei os olhos."Até o Heitor parece ter mais tesão que você..."As palavras de Clara giravam como uma lâmina dentro de mim. A acusação. A comparação. A frustração.E o pior... era que eu entendia.Eu não era mais o mesmo. Ou talvez nunca tivesse sido.O corpo presente, os olhos ausentes.Amor, sim. Mas desejo? Paixão? Tesão?Isso eu já não sabia responder.Mas então a imagem de Mavi voltou. Ela parada no corredor. O cabelo preso de qualquer jeito. A boca apertada, como quem tenta conter o que não devia sentir.A filha do meu melhor ami