Dirigindo pela cidade, minha mente estava uma tempestade. Por que Clara havia feito aquilo? Eu não havia lhe dado o suficiente? Perguntas incapazes de serem ignoradas surgiam a cada segundo, como flechas disparadas na escuridão da minha confusão. Olhei pelo retrovisor e percebi que seu carro ainda me seguia. A sensação de que eu precisava evitar um confronto se intensificava, mas a raiva dentro de mim só crescia.
De repente, alguém pulou no canteiro, e a realidade me atingiu como outro soco no estômago. Paralisei ao perceber que poderia ter atropelado alguém. Desci do carro rapidamente, deixando os faróis acesos atrás de mim. Com o coração acelerado, segui em direção ao desconhecido caído no chão, que tentava se levantar, claramente atordoado.
A tensão do momento me fez esquecer, por um instante, o turbilhão emocional que me consumia. O que era mais importante agora: a vida daquela pessoa ou a bagunça que minha vida se tornara?
— Filho da puta, está cego? — O homem gritou com força, demonstrando sentir dor. — Me perdoe, eu não lhe vi, o machuquei? Sou médico, posso...— Mas o homem lutando para se pôr de pé, negou, me olhando. — Primeiro me atropela, depois diz que quer me examinar? Vai me matar é isso?
Agachei-me a sua frente, seguindo a penunbra emitida pela escuridão e a claridade dos faróis, vendo me olhar mesmo com o incomodo dos faróis acessos. — Está tudo bem? — A voz que veio, me incomodou, era ela. — Quem é você? Também quer me matar? — A minha vitima se tratava de um senhor, arrogante e ferido.
— Não, sou advogada Maria Clara Xavier. — A minha infiel esposa, parecia saber bem o seu nome, ao estender a mão para o individuo no chão, que sorriu largo, embora parecesse ter esquecido este nome a alguns minutos atrás naquela cama suja.
— Bem... eu sei quem é você, é aquela advogada lá do centro não é? — O senhor lhe estendeu a mão, enquanto eu me questionei, como ela poderia saber tão bem o peso do sobrenome que carrega, e se esqueceu dele a minutos atras quando estava naquela cama. — Quero processar esse homem.
O infeliz destacou, ao ser erguido. — Está ferido? — Perguntei, sendo ignorado, por ele, Clara me olhava, e eu a evitava, ainda me custava a acreditar no que havia presenciado.
— Ele é médico, pode ajuda-lo. — A ouvi dizer, tendo uma negativa do homem que constatei que estava bem, certamente só tinha sido um surto. — Alexandre Xavier, me procure, se precisar de algo. — Levantei em seguida. — Xande... Xande espera, vamos conversar.
— Doutor Alexandre? — Deixei a minha vítima parada, meio que perplexa, ele parecia bem, não tinha jeito de quem iria morrer, pelo menos não de atropelamento, segui em direção ao carro, tendo Maria Clara em meu calcanhar. — Xande me ouve, foi um deslize, eu fraquejei, você não me dava atenção, eu me senti vulnerável, queria carinho, ser tocada, vai dizer que você nunca...— Parei pouco tempo apoiado ao carro ao ouvir.
Não, eu nunca havia feito isso.
Trair nunca havia passado pela minha cabeça. Para mim, mulheres eram mulheres, cada uma com suas ocupações e qualidades, e Clara era a única visão do meu regresso todos os dias. Ao voltar para casa, não buscava apenas um lugar físico; a minha casa era ela.
— Vamos conversar depois, — Pedi, ao sentir a dor da possibilidade de traí-la, de machucá-la como ela havia feito comigo. Entrei no carro e a vi me olhar, descabelada e tão perdida quanto eu. Nós éramos feridos, não, ela nos feriu.
Dirigi com mais atenção, apesar da estrada parecer um borrão. Não havia lugar para ir naquele momento, até que me vi parado em frente ao lugar que menos esperava: a mansão de Heitor. O luxo exagerado não me dizia nada, apenas lembrava que ele sempre foi rico, gentil, mas um perfeito babaca com as mulheres.
Desci do carro e estacionei na porta, sem sequer perguntar se ele estava em casa. Mas, se os seguranças me deixaram entrar, provavelmente sim. Caminhei pelo saguão da mansão, observando o lustre brega pendurado no teto.
— O que houve? Se você está aqui a esta hora, não me diga que sua senhora lhe pediu o divórcio? — A voz de Heitor ecoou ao descer a escada, ele aparecia descamisado, tão despreocupado, como se nada estivesse acontecendo.
Caminhei em direção a sala, avistando o bar em seguida, fui até ele. — Oh droga, comprou a bolsa que te falei? — Enchi o copo de uisque, virando na boca de uma vez. — Puta que pariu! — Xingou atrás de mim, com a sua boca suja. — É pior! — Reclamou ao me ver entornar o segundo copo.
Peguei a garrafa, e o copo indo ao sofá. — Caralho! Fala logo criatura, ou me mata! — Entoou meio que nervoso, sentei-me no sofá amplo branco, bastante confortável, o avistei de pé inquieto a me olhar, a bermuda preta de cetim, um pouco suja de algo branco, desviei os olhos, isso seria indiferente.
— Você matou alguém? — A pergunta veio de cima, neguei com certo rancor, deveria, talvez seja assim que os cornos agem, a dúvida ruminou dentro de mim. — Não! — enchi o terceiro copo, mas ao erguer, Heitor o segurou. — Primeiro fala, depois bebe, primeiro que você não bebe em dias uteis, e segundo que a sua mulher, vai me matar se continuar com esta bebedeira.
— Ela me traiu! — Soltei com dor e remorsso, talvez baixo demais, pelo silêncio que se instalou no local. — Ela está me traindo, Heitor. — Afirmei desolado, outra vez, agora mais alto. Heitor parado no meio da sala, me questionei se ele estava surdo, ou mal da cabeça. — HA HA HA HA HA HA!
Uma risada drástica ecoou alto no meio da sala, eu o odiava, disso tive certeza. — O que? Que piada! — Perguntou após ri sem parar, perguntou rindo o infeliz. — Não ouvir, repete. — Falou aproximando o rosto perto a mim. — Se foder, caralho, você ouviu.
— Sim, ouvi, mas...— O imbecil olhou em volta, como se procurasse algo. — ...eu quero ouvir de novo. — Heitor conseguia expremir toda a minha ira, toda a minha raiva naquele momento, sem copo, peguei a garrafa virando na boca de vez. — Caraca que merda, quem estava fodendo aquela vadia?
— Não fale a...— Calei-me, ao constatar que sim. — Ainda vai defendê-la, vai conta quem estava comendo ela? — Cutuvelou-me, sentando ao meu lado, o olhei de lado, talvez o mundo de fato fosse assim, do jeito que Heitor narra, não há respeito, nem fidelidade, bebemos a noite inteira, dormimos no sofá da sala.
Acordei com a cabeça doendo, em anos de formação, eu nunca faltei ao trabalho, esta era a primeira vez, devido as dores de cabeça e ressaca, uma semana e minha vida tornava-se uma bagunça, recusando as ligações de Clara, eu sequer possuia coragem de olha-la no rosto.
Duas semanas, e o assunto tornou-se inadiavel. — Pretende me ignorar muito? Eu sei que está magoado, Xande, eu sei que eu errei, mas...
— Mas o que? O que Maria Clara? Me diz? Não, eu nunca te trai, eu nunca desejei tocar outra mulher nestes vinte anos de casados, eu sequer me dispus a olhar para outra quando eu sabia que teria uma mulher em casa, me esperando, mas o que? Me fala, me diz o que você tem a dizer? — Indaguei ainda sentado a minha cadeira, fitando as particulas de vidro, até olha-la de pé no meio da sala.
Lhe vendo parada em lágrimas me olhando, eram duas semanas dificeis em que eu me questionava o porque, e a resposta estava lá. — Falta de atenção, esse maldito trabalho em que você dá a vida, eu te amo, Alexandre, mas eu sou de carne e osso, eu quero sentir prazer...
— E eu não te dou não é? O que é? Eu não te chamo de vadia, cachorra, eu não te agrido...
— Não, não não é ísso.— As suas palavras sairam em meio ao pranto, mas isso não me comovia.
— Estou saindo de casa, Maria Clara, preciso de um tempo para pensar tudo. Decidir que o faremos no futuro.
— Por favor, Alexandre, não faz isso, as pessoas vão falar, o que eu...— Neguei decidido, poderia até ser para frente mas não neste momento que perdão poderia vir.
Eu não poderia ignorar que eu a amo, mas traição, me parecia ser algo imperdoavel.
Chegamos aos bangalôs após um check-in, que parecia um sonho.A realidade ainda me parecia distante, um turbilhão de emoções se misturava dentro de mim. A paisagem ao nosso redor era um abraço acolhedor: montanhas majestosas, o ar puro e o verde vibrante por todos os lados. Era tudo tão novo, e mesmo assim, as frustrações dos últimos dias ainda pesavam no meu coração.— Droga! — exclamou Isis, quebrando o silêncio ao deixar sua mala cair com um estrondo. Ela levantou o celular acima da cabeça, como se estivesse em uma batalha contra as ondas invisíveis de sinal.— O que foi? Não pega sinal? — perguntei, sabendo que era a pergunta de praxe.— Não, não pega! — resmungou minha amiga, já se afastando para a saída.Olhei ao redor, admirando o lugar: fresco, impecável e com um aroma delicioso no ar. O bangalô tinha duas camas de solteiro, uma de cada lado, com cabeceiras de madeira que exalavam um charme rústico. As roupas de cama em seda, brilhando sob a luz suave, davam um toque romântico,
Optei por sair de casa, levando comigo uma mala com itens necessários. Maria Clara ficou da porta acompanhando cada movimento meu, entre ir e vir no closet, pegando itens básicos de uso, como roupas, sapato, sandálias, e após esta decisão, quase morando no escritório em meu local de trabalho. As suas ligações se tornaram frenquentes, a minha secretária sequer repassavam sabendo da minha decisão, a notícia se espalhou entre os corredores, ignorando os burburinhos ao passar, os cochichos poucos contidos entre funcionarios do próprio hospital, não importava quem havia espalhado a noticia. Era um mês, longe de casa, um mês sem ter condições de olhar para Maria Clara, sem lembrar daquela maldita cena vista naquele motel a beira de estrada, as perguntas frenquentes de quantas vezes havia sido, e talvez quantas vezes após estarem juntos, ela esteve comigo me invadia, a ponto de invalidar a minha certeza de que tudo que viviamos era real.Eu julgava a nossa relação perfeita.Ignorando o qu
Olhei para Isis e Thiago partindo naquela moto, tomada por inseguranças.Não apenas por mim, mas também por ela. Aquele lugar era completamente desconhecido para nós. Nosso guia era um homem com quem passei o dia inteiro na trilha, mas isso não significava que eu confiava nele para algo assim.Esperei. Dez, vinte, trinta minutos. Nenhum sinal de Isis. O relógio marcava 22h30, e nada. Me culpei por ter vindo, por ter confiado tanto. O mundo parecia cada vez mais hostil, inóspito. Os olhos frios da minha mãe naquela noite de domingo refletiam minha mente inquieta.— Vamos? — A voz me arrancou dos pensamentos. O rapaz estava diante de mim, e atrás dele, um grupo de turistas. Observei as mulheres ali — apenas duas, ambas acompanhadas. Hesitei por um instante, mas assenti.Aceitar essa viagem foi um ato impensado. Só disse sim porque tia Lena e Otávio estavam alterados nos últimos dias, discutindo por qualquer motivo. De alguma forma, eu sabia que a causa disso era minha presença — um corp
Saí em busca de um aquecedor, já que o quarto não tinha um. Quando voltei, encontrei uma intrusa na minha cama.Ela estava encolhida sob o cobertor, a respiração leve, como se tivesse se apropriado do espaço sem o menor constrangimento. Franzi o cenho.— O que diabos...?Antes que eu terminasse, a desconhecida saltou da cama. Meu olhar se desviou instintivamente ao perceber que ela estava completamente nua.O que estava acontecendo com os jovens de hoje? Especialmente as mulheres? Tinham perdido completamente o pudor?— Quem é você? — perguntei, firme, cruzando os braços.Ela tropeçou no próprio vestido ao tentar vesti-lo apressadamente. O rosto estava tomado pelo pânico. Após se vestir, sentei-me, tentando entender a sua situação. Uma amiga a havia deixado do lado de fora. Jovens irresponsáveis eram comuns nos dias atuais.— Desconfio que tenham a boca mais afiada que a minha — disse ela, calçando um par de botas marrons. Seu tom era desafiador. Ela não era alguém que passaria desper
Eu sequer vi a noite passar.Não me sentia segura, aquele homem era um desconhecido para mim, e na minha situação, eu poderia tudo, menos reclamar de qualquer situação constrangedora.Eu havia invadido aquele quarto.Eu havia deitado naquela cama.E, embora nunca houvesse agido de tal maneira, não era motivo para aquele homem me julgar como irresponsável. Devorei o livro que peguei sobre a sua mesa de cabeceira. Era o último livro daquela edição, talvez fosse, mas, para mim, aquele sobre a cabeceira do desconhecido me parecia mais acessível.Olhei-o enquanto lia, tentando adivinhar quem era ele. Um médico? Um enfermeiro? Mas ele não tinha cara de nada disso.Alto, cabelos pouco grisalhos e escuros, os que o tornavam cinza, um rosto comprido e sério, além de olhos escuros intensos. Eu sequer saberia descrever o resto, não o encarei tanto. Estávamos sozinhos e isso me deixava totalmente insegura para olhá-lo ainda mais. Voltei à leitura.Até que ele se deitou, e, como fuga, já que lá fo
Ela bateu a porta com força e veio atrás de mim pelo gramado, sua voz carregada de indignação. — Ei! Isso foi grosseria! — Parei, me virando lentamente, observando-a como quem analisa um caso interessante, mas sem urgência. — Eu apenas disse a verdade. Você não gosta da verdade? — Ela bufou, cruzando os braços, como se eu tivesse cometido algum crime imperdoável.— Eu gosto de verdades, não de ataques gratuitos. — Dei de ombros.— Então talvez devesse começar sendo honesta consigo mesma. — Ela revirou os olhos, como se eu estivesse apenas jogando palavras ao vento. — E você deveria aprender a não bancar o dono da razão. — Ela me disse, chateada.— Não sou dono da razão, apenas sei usá-la. — Ah, claro, e eu sou a rainha da Inglaterra. — Levantei uma sobrancelha diante do seu argumento. Que garota petulante.— Elizabeth morreu. — Comentei, vendo-a torcer os lábios. — Você entendeu o que eu quis dizer! — Sorri de canto, achando divertido como ela se irritava fácil.— Você se irrita fácil
O silêncio do bangalô era preenchido apenas pela respiração suave de Mavi. Eu permaneci onde estava, observando-a por um instante, antes de pegar um livro na pequena mesa ao lado da cama e me sentar na poltrona próxima à janela. A chuva fina persistia lá fora, tornando a tarde ainda mais preguiçosa. Folheei algumas páginas, mas meus olhos teimavam em desviar para a garota adormecida. Era curiosa a forma como seu rosto relaxado transmitia uma serenidade que não combinava com seu temperamento explosivo de mais cedo. A tensão que parecia sempre pairar sobre ela agora tinha se dissipado, substituída por um ar vulnerável, quase infantil. Voltei ao meu livro, deixando que as horas se arrastassem sem pressa. A tarde avançava, e o tempo frio tornava o ambiente confortável o suficiente para que eu próprio sentisse o peso do sono sobre meus ombros. Fechei o livro, massageando a testa. Foi então que um movimento na cama me chamou a atenção. Mavi se mexeu levemente, os olhos piscando algu
Eu saí correndo em direção àquela luxuosa área de alimentação, mas as opções de refeição eram limitadas. Isis e Thiago ainda almoçavam. Montei meu prato e me juntei a eles. Os casais estavam dispersos.— Decidiu vir? Pensei que estivesse devorando livros — disse Isis assim que me sentei.— Você sabe perfeitamente que não vivo somente de livros — respondi, levando o garfo com macarrão aos lábios. — É, estou vendo que não. Está ficando com aquele homem? — Thiago perguntou, pouco amigável. Endureci o olhar para ele, que riu.— Thiago! — Não adianta reclamar com ele quando você pensou a mesma coisa — bufou Isis, um pouco aborrecida. — Você sabe quem ele é? Sabia que me emprestou o livro que eu estava procurando? Mas Isis não se deu ao trabalho de responder.— Não acredito, Mavi. Você só pensa em estudar, estudar e nada mais? — Voltei à minha refeição, ignorando suas queixas e reclamações.Não sou filha de uma família estruturada, com um futuro garantido pela frente. O que ela gostaria?