Alexandre Xavier

Dirigindo pela cidade, minha mente estava uma tempestade. Por que Clara havia feito aquilo? Eu não havia lhe dado o suficiente? Perguntas incapazes de serem ignoradas surgiam a cada segundo, como flechas disparadas na escuridão da minha confusão. Olhei pelo retrovisor e percebi que seu carro ainda me seguia. A sensação de que eu precisava evitar um confronto se intensificava, mas a raiva dentro de mim só crescia.

De repente, alguém pulou no canteiro, e a realidade me atingiu como um soco no estômago. Paralisei ao perceber que poderia ter atropelado alguém. Desci do carro rapidamente, deixando os faróis acesos atrás de mim. Com o coração acelerado, segui em direção ao desconhecido caído no chão, que tentava se levantar, claramente atordoado.

A tensão do momento me fez esquecer, por um instante, o turbilhão emocional que me consumia. O que era mais importante agora: a vida daquela pessoa ou a bagunça que minha vida se tornara?

— Filho da puta, está cego? — O homem gritou com força, demonstrando sentir dor. — Perdoe-me, não o vi, o machuquei, sou médico, posso...— Mas o homem lutando para se pôr de pé, negou, olhando-me. — Primeiro me atropela, depois diz que quer me examinar? Vai me matar é isso? 

Agachei-me a sua frente, seguindo a penunbra emitida pela escuridão e a claridade dos faróis, vendo-o me olhar mesmo com o incomodo dos faróis acessos. — Está tudo bem? — A voz que veio, me incomodou, era ela. — Quem é você? Também quer me matar? — A minha vitima se tratava de um senhor, arrogante ou ferido. 

— Não, sou advogada Maria Clara Xavier. — A minha esposa, infiel parecia saber bem o seu nome, ao estender a mão para o individuo no chão, que sorriu largo. — Bem... eu sei quem é você, é aquela advogada lá do centro não é? — O senhor lhe estendeu a mão, enquanto eu me questionei, como ela poderia saber tão bem o peso do sobrenome que carrega, e se esqueceu dele a minutos atras quando estava naquela cama. — Quero processar esse homem. 

O infeliz destacou, ao ser erguido. — Está ferido? — Perguntei, sendo ignorado, por ele, Clara me olhava, e eu a evitava, ainda me custava a acreditar no que havia presenciado. 

— Ele é médico, pode ajuda-lo. — A ouvi dizer, tendo uma negativa do homem que constatei que estava bem, certamente só fora o surto. — Alexandre Xavier, procure-me, se precisar de algo. — Levantei em seguida. — Xande... Xande espera, vamos conversar. 

— Doutor Alexandre? — Deixei a minha vítima parada, meio que perplexa, ele parecia bem, não tinha jeito de quem iria morrer, segui em direção ao carro, tendo Maria Clara em meu calcanhar. — Xande me ouve, foi um deslize, eu fraquejei, você não me dava atenção, eu me senti vulnerável, queria carinho, ser tocada, vai dizer que você nunca...— Parei pouco tempo apoiado ao carro ao ouvir. 

Não, eu nunca havia feito isso. Trair nunca havia passado pela minha cabeça. Para mim, mulheres eram mulheres, cada uma com suas ocupações e qualidades, e Clara era a visão do meu regresso todos os dias. Ao voltar para casa, não buscava apenas um lugar físico; a minha casa era ela.

— Vamos conversar depois, — vociferei, ao sentir a dor da possibilidade de traí-la, de machucá-la como ela havia feito comigo. Entrei no carro e a vi me olhar, descabelada e tão perdida quanto eu. Nós éramos feridos, não, ela nos feriu.

Dirigi com mais atenção, apesar da estrada parecer um borrão. Não havia lugar para ir naquele momento, até que me vi parado em frente ao lugar que menos esperava: a mansão de Heitor. O luxo exagerado não me dizia nada, apenas lembrava que ele sempre foi rico, gentil, mas um perfeito babaca com as mulheres.

Desci do carro e estacionei na porta, sem sequer perguntar se ele estava em casa. Mas, se os seguranças me deixaram entrar, provavelmente sim. Caminhei pelo saguão da mansão, observando o lustre brega pendurado no teto.

— O que houve? Se você está aqui a esta hora, não me diga que sua senhora lhe pediu o divórcio? — A voz de Heitor ecoou ao descer a escada, ele aparecia descamisado, tão despreocupado, como se nada estivesse acontecendo.

Caminhei em direção a sala, avistando o bar em seguida, fui até ele. —  Oh droga, comprou a bolsa que te falei? —  Enchi o copo de uisque, virando na boca de uma vez. —  Puta que pariu! —  Xingou atrás de mim, com a sua boca suja. —  É pior! —  Reclamou ao me ver entornar o segundo copo. 

Peguei a garrafa, e o copo indo ao sofá. —  Caralho! Fala logo criatura, ou me mata! —  Entoou meio que nervoso, sentei-me no sofá amplo branco, bastante confortável, o avistei de pé inquieto a me olhar, a bermuda preta de cetim, um pouco suja de algo branco, desviei os olhos, isso seria indiferente. 

— Você matou alguém? —  A pergunta veio de cima, neguei com certo rancor, deveria, talvez seja assim que os cornos agem, a dúvida ruminou dentro de mim. —  Não, enchi o terceiro copo, mas ao erguer, Heitor o segurou. —  Primeiro fala, depois bebe, primeiro que você não bebe em dias uteis, e segundo que a sua mulher, vai me matar.

— Ela me traiu! —  Soltei com dor e remorsso, talvez baixo demais, pelo silêncio que se instalou no local. —  Ela está me traindo, Heitor. —  Afirmei desolado, outra vez, agora mais alto. Heitor parado no meio da sala, me questionei se ele estava surdo, ou mal da cabeça. —  HA HA  HA HA HA HA! 

Uma risada drástica ecoou alto no meio da sala, eu o odiava, disso tive certeza. —  O que? —  Perguntou após ri sem parar, perguntou rindo até o infeliz. —  Não ouvir, repete. —  Falou aproximando o rosto perto a mim. —  Se foder, caralho, você ouviu. 

— Sim, ouvi, mas...—  O imbecil olhou em volta, como se procurasse algo. —  ...eu quero ouvir de novo. —  Heitor conseguia expremir toda a minha ira, toda a minha raiva naquele momento, sem copo, peguei a garrafa virando na boca de vez. —  Caraca que merda, quem estava fodendo aquela vadia?

— Não fale a...—  Calei-me, ao constatar que sim. —  Ainda vai defendê-la, vai conta quem estava comendo ela? —  O olhei de lado, talvez o mundo de fato fosse assim, do jeito que Heitor narra, não há respeito, nem fidelidade, bebemos a noite inteira, dormimos no sofá da sala, talvez.

Acordei com a cabeça doendo, em anos de formação, eu faltei ao trabalho, devido as dores de cabeça e ressaca, uma semana e minha vida tornava-se uma bagunça, recusando as ligações de Clara, eu sequer possuia coragem de olha-la no rosto. 

Duas semanas, e o assunto tornou-se inadiavel. —  Pretende me ignorar muito? Eu sei que está magoada, eu sei que eu errei, mas...

— Mas o que? O que Maria Clara? Me diz? Não, eu nunca te trai, eu nunca desejei tocar outra mulher nestes vinte anos de casados, eu sequer me dispus a olhar para outra quando eu sabia que teria uma mulher em casa, me esperando, mas o que? Me fala, me diz o que você tem a dizer? —  Indaguei ainda sentado a minha cadeira, fitando as particulas de vidro, até olha-la de pé no meio da sala. 

Lhe vendo parada em lágrimas me olhando, eram duas semanas dificeis em que eu me questionava o porque, e a resposta estava lá. —  Falta de atenção, esse maldito trabalho em que você dá a vida, eu te amo, Alexandre, mas eu sou de carne e osso, eu quero sentir prazer...

— E eu não te dou não é? O que é? Eu não te chamo de vadia, cachorra, eu não te agrido...

— Não, não não é ísso...—  As suas palavras sairam em meio ao pranto, mas isso não me comovia. 

— Estou saindo de casa, Clara, preciso de um tempo para pensar tudo. Decidir que o faremos no futuro. 

— Por favor, Alexandre, não faz isso, as pessoas vão falar, o que eu...—  Neguei decidido, poderia até ser para frente mas não neste momento que perdão poderia vir. 

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