Meu mundo parecia desabar diante dos meus olhos. Não, era mais do que isso; as palavras dela, dizendo que eu deveria encontrar um lugar para mim, eram como um aviso de que eu não cabia mais em sua vida.
— Mãe!— Eu gritei o nome que significava tudo para mim, um socorro, uma alegria; era a primeira palavra que saía da minha boca em momentos de dor, porque eu sabia que ela viria. Mas a mulher deitada na cama mostrou-se indiferente. Ela estava abalada, e eu me sentia ainda pior.
— Mãe, eu... — tentei dizer, estendendo a mão para pegar a dela, numa carícia que deveria ser leve, mas que era um pedido desesperado para que ela despertasse.
— É isso, Maria Vitória! — Minha mãe olhou para mim de uma forma que nunca havia feito antes. O desprezo em seus olhos me congelou por completo. — Te dou um mês para sair da minha casa.
Minhas sobrancelhas se franziram em confusão. — Mas mãe, eu... — tentei explicar, mas era em vão; os olhos dela continuavam fixos em mim, gelados.
—Passarei para você, a pensão do seu pai. Não se preocupe com o financeiro até você se formar e aprender a se virar. Falta pouco para concluir a faculdade, não é? Três semestres? — Engoli a saliva, misturando-a ao choro que já se formava.
— Você está me expulsando de casa, mãe? — As lágrimas escorriam pelo meu rosto, e o choro irrompeu quando ela não respondeu sequer um "não".
— Você já está grande, Maria Vitória, já é uma mulher. É até capaz de inventar mentiras... — Ela continuou, mas eu neguei. Isso não era verdade.
— Não é mentira, mãe! Por favor, acredita em mim! — Meu choro parecia ensaiado, não vi comoção alguma. — Amor, chamei o médico, ele já chegou. — A voz de Marcelo veio da porta, olhei para ele, vendo que estava acompanhado por um homem magro, pele clara, que se mostrava curioso a nos olhar, pus uma mecha de cabelo atrás da orelha, sem jeito e sem ensaio.
— Mande entrar, querido, por favor. — A sua resposta me dizia tudo, indicava tudo, a errada foi eu? Por não ceder ou não contar antes? — Já acabamos, Maria Vitória — Fitei o chão com a sua pergunta, eu me senti distante de mim mesma, com a sua frieza, com a sua maneira estranha de ser mãe naquele momento.
Sai do seu quarto, vendo que não tinha tanto o que fazer, não havia muito a quem recorrer, exceto uma pessoa, entre lágrimas disquei para Lena, a mulher que considerei sempre como uma segunda mãe. — Sai Mavi, vou te buscar, a sua mãe esta cega, louca por este homem. — Malmente lhe contei tudo, eu tinha um convite, mas isso doía.
Partia-me em pedaços, sai do quarto ao ouvir vozes, o médico indicando repouso, como eu havia feito para o meu futuro padastro, o vi acompanha-lo até a porta da sala, cheguei a porta do quarto da minha mãe, disposta a lhe dizer que passaria uns dias em tia Lena, até que esfrie a cabeça.
— Melhor não incomoda-la. — A voz veio da sala, olhei para a direção de onde veio, vendo Marcelo no meio da sala parado, assenti. — Tá feliz? — O vi fitar o teto com a minha pergunta. — Feliz com o que garota, está louca? Eu tenho a sua mãe, uma mulher linda, maravilhosa, acha mesmo que...
Ele dizia meias verdades, ela é tudo isso de fato. — Mas isso não parecia suficiente para...
— Você só esta fazendo cena, Mavi, deseja que ela perca o nosso filho, não é? Não quer ter que dividir a herança futuramente, é isso?
— Idiota, eu nunca pensei em dinheiro. — Soltei, indo em direção ao meu quarto, não havia jeito, desmonronei no choro, vendo o meu celular vibrar sobre a cama, vi que era tia Lena, não havia solução no momento, peguei uma pequena mala joguei algumas roupas dentro, itens necessários.
Desci até o estacionamento, sai de casa sem dizer a ninguém, minha tia, apesar de não ser um familiar, me entendeu, e recebeu bem em seu pequeno apartamento, dias se passavam, a dor e o sentimento de rejeição cresciam, minha mãe sequer ligou para saber de mim, uma vez sequer.
Eu soube que ela estava bem, duas semanas se passavam, era preciso fazer algo, não poderia viver no apartamento de setenta e dois metros quadrados, com um casal recém casados, pais de dois pets, eles mereciam a privacidade deles. Pensei de fato em morar sozinha, ou com Isis, mas a vibe dela não é tão fiel a minha.
Seu namorado é como a sua sombra, Thiago e Isis vivem grudados, era madrugada quando sentada a mesa, estudando, o meu celular tocou, observei o número por alguns instantes, não sabia se deveria atender, ele nunca me ligava, todo nosso contato foi cortado bem cedo.
— Alô. — Porque não? Eu não sabia responder a pergunta que pairava a minha mente. — Maria Vitória, sou eu, seu pai, Heitor Mon...
— Eu sei que é você, tudo bem? — Fui direta, eu não sou mais uma criança de seis anos que acredita que o papai vem buscar para o natal, tampouco, que ele virá para o aniversário, só mandava o presente e nada mais. — A sua mãe me ligou, soube que está aprontando, menina, o que você quer da vida, hein?
Rolei os olhos ao ouvir. — O que ela te disse? — As lágrimas já vinham aos olhos, embargando a voz. — Que você tentou seduzir o namorado dela, tentou matar o bebê dela. — Engoli o choro, isso pesava mais. — Você sabe que isso é crime não sabe? Induzi um aborto?
Me calei, o choro vencia. — Você está aí? A sua mãe me pediu para te chamar para vim morar comigo, putz, eu não sei nada sobre crianças. Se você vier, terei que contratar uma babá. — Meu pai, aliás, meu genitor falava sozinho ao telefone, eu chorando do outro lado, apenas ouvir.
— Ah droga Lena, assim não dá! — Pude escutar o resmungo de Otávio, do outro quarto, eu incomodava ao casal. — Tenha paciência Otávio, é só fase díficil. — A escutei dizer também quase em sussurro.
Eu me senti a própria discordia, ou a representante dela, quando no domingo a tarde, Otávio e Lena discutia por causa do côco de Sanches na varanda do apartamento, os dois amava o cachorro como filho, porém nenhum deles, queria pegar a merda fedida, era evidente que o motivo da briga era tosco, mas o que não faltava entre eles, era motivo para brigar.
— Deixa que eu pego! — Intrometi-me, indo até o banheiro pegando o papel higienico, pegando a ruma de côco em seguida, descartei-a, vendo que ambos ainda batiam boca, meu celular vibrava em alguma parte da casa, sai a procura, esperando ser uma ligação da minha mãe, mas ao atender, ver o nome Isis na tela, pus na orelha, indo lavar a mão em seguida. — Amiga tô de saco cheio do Thiago.
Mal atendi, ela começou, eu não tinha muitas amigas, nunca fui de muitas. — Termina oras. — Falei sem pensar. — Claro que não, só tô cansada dele, quero sair um pouco, porque não viajamos para algum lugar essa semana? — Era oportunidade perfeita para mim.
— Topo! — Avisei, era sexta-feira a tarde, entrando no carro de Isis, apreciando o descanso que darei ao casal, eu senti o peso que tia Lena tirava dos seus ombros, Serra da mantiqueira era um lugar desconhecido para mim, mas Isis já conhecia, não que eu confiasse muito, portanto para mim não havia muitas opções no momento.
Dirigindo pela cidade, minha mente estava uma tempestade. Por que Clara havia feito aquilo? Eu não havia lhe dado o suficiente? Perguntas incapazes de serem ignoradas surgiam a cada segundo, como flechas disparadas na escuridão da minha confusão. Olhei pelo retrovisor e percebi que seu carro ainda me seguia. A sensação de que eu precisava evitar um confronto se intensificava, mas a raiva dentro de mim só crescia.De repente, alguém pulou no canteiro, e a realidade me atingiu como outro soco no estômago. Paralisei ao perceber que poderia ter atropelado alguém. Desci do carro rapidamente, deixando os faróis acesos atrás de mim. Com o coração acelerado, segui em direção ao desconhecido caído no chão, que tentava se levantar, claramente atordoado.A tensão do momento me fez esquecer, por um instante, o turbilhão emocional que me consumia. O que era mais importante agora: a vida daquela pessoa ou a bagunça que minha vida se tornara?— Filho da puta, está cego? — O homem gritou com força, de
Chegamos aos bangalôs após um check-in, que parecia um sonho.A realidade ainda me parecia distante, um turbilhão de emoções se misturava dentro de mim. A paisagem ao nosso redor era um abraço acolhedor: montanhas majestosas, o ar puro e o verde vibrante por todos os lados. Era tudo tão novo, e mesmo assim, as frustrações dos últimos dias ainda pesavam no meu coração.— Droga! — exclamou Isis, quebrando o silêncio ao deixar sua mala cair com um estrondo. Ela levantou o celular acima da cabeça, como se estivesse em uma batalha contra as ondas invisíveis de sinal.— O que foi? Não pega sinal? — perguntei, sabendo que era a pergunta de praxe.— Não, não pega! — resmungou minha amiga, já se afastando para a saída.Olhei ao redor, admirando o lugar: fresco, impecável e com um aroma delicioso no ar. O bangalô tinha duas camas de solteiro, uma de cada lado, com cabeceiras de madeira que exalavam um charme rústico. As roupas de cama em seda, brilhando sob a luz suave, davam um toque romântico,
Optei por sair de casa, levando comigo uma mala com itens necessários. Maria Clara ficou da porta acompanhando cada movimento meu, entre ir e vir no closet, pegando itens básicos de uso, como roupas, sapato, sandálias, e após esta decisão, quase morando no escritório em meu local de trabalho. As suas ligações se tornaram frenquentes, a minha secretária sequer repassavam sabendo da minha decisão, a notícia se espalhou entre os corredores, ignorando os burburinhos ao passar, os cochichos poucos contidos entre funcionarios do próprio hospital, não importava quem havia espalhado a noticia. Era um mês, longe de casa, um mês sem ter condições de olhar para Maria Clara, sem lembrar daquela maldita cena vista naquele motel a beira de estrada, as perguntas frenquentes de quantas vezes havia sido, e talvez quantas vezes após estarem juntos, ela esteve comigo me invadia, a ponto de invalidar a minha certeza de que tudo que viviamos era real.Eu julgava a nossa relação perfeita.Ignorando o qu
Olhei para Isis e Thiago partindo naquela moto, tomada por inseguranças.Não apenas por mim, mas também por ela. Aquele lugar era completamente desconhecido para nós. Nosso guia era um homem com quem passei o dia inteiro na trilha, mas isso não significava que eu confiava nele para algo assim.Esperei. Dez, vinte, trinta minutos. Nenhum sinal de Isis. O relógio marcava 22h30, e nada. Me culpei por ter vindo, por ter confiado tanto. O mundo parecia cada vez mais hostil, inóspito. Os olhos frios da minha mãe naquela noite de domingo refletiam minha mente inquieta.— Vamos? — A voz me arrancou dos pensamentos. O rapaz estava diante de mim, e atrás dele, um grupo de turistas. Observei as mulheres ali — apenas duas, ambas acompanhadas. Hesitei por um instante, mas assenti.Aceitar essa viagem foi um ato impensado. Só disse sim porque tia Lena e Otávio estavam alterados nos últimos dias, discutindo por qualquer motivo. De alguma forma, eu sabia que a causa disso era minha presença — um corp
Saí em busca de um aquecedor, já que o quarto não tinha um. Quando voltei, encontrei uma intrusa na minha cama.Ela estava encolhida sob o cobertor, a respiração leve, como se tivesse se apropriado do espaço sem o menor constrangimento. Franzi o cenho.— O que diabos...?Antes que eu terminasse, a desconhecida saltou da cama. Meu olhar se desviou instintivamente ao perceber que ela estava completamente nua.O que estava acontecendo com os jovens de hoje? Especialmente as mulheres? Tinham perdido completamente o pudor?— Quem é você? — perguntei, firme, cruzando os braços.Ela tropeçou no próprio vestido ao tentar vesti-lo apressadamente. O rosto estava tomado pelo pânico. Após se vestir, sentei-me, tentando entender a sua situação. Uma amiga a havia deixado do lado de fora. Jovens irresponsáveis eram comuns nos dias atuais.— Desconfio que tenham a boca mais afiada que a minha — disse ela, calçando um par de botas marrons. Seu tom era desafiador. Ela não era alguém que passaria desper
Eu sequer vi a noite passar.Não me sentia segura, aquele homem era um desconhecido para mim, e na minha situação, eu poderia tudo, menos reclamar de qualquer situação constrangedora.Eu havia invadido aquele quarto.Eu havia deitado naquela cama.E, embora nunca houvesse agido de tal maneira, não era motivo para aquele homem me julgar como irresponsável. Devorei o livro que peguei sobre a sua mesa de cabeceira. Era o último livro daquela edição, talvez fosse, mas, para mim, aquele sobre a cabeceira do desconhecido me parecia mais acessível.Olhei-o enquanto lia, tentando adivinhar quem era ele. Um médico? Um enfermeiro? Mas ele não tinha cara de nada disso.Alto, cabelos pouco grisalhos e escuros, os que o tornavam cinza, um rosto comprido e sério, além de olhos escuros intensos. Eu sequer saberia descrever o resto, não o encarei tanto. Estávamos sozinhos e isso me deixava totalmente insegura para olhá-lo ainda mais. Voltei à leitura.Até que ele se deitou, e, como fuga, já que lá fo
Ela bateu a porta com força e veio atrás de mim pelo gramado, sua voz carregada de indignação. — Ei! Isso foi grosseria! — Parei, me virando lentamente, observando-a como quem analisa um caso interessante, mas sem urgência. — Eu apenas disse a verdade. Você não gosta da verdade? — Ela bufou, cruzando os braços, como se eu tivesse cometido algum crime imperdoável.— Eu gosto de verdades, não de ataques gratuitos. — Dei de ombros.— Então talvez devesse começar sendo honesta consigo mesma. — Ela revirou os olhos, como se eu estivesse apenas jogando palavras ao vento. — E você deveria aprender a não bancar o dono da razão. — Ela me disse, chateada.— Não sou dono da razão, apenas sei usá-la. — Ah, claro, e eu sou a rainha da Inglaterra. — Levantei uma sobrancelha diante do seu argumento. Que garota petulante.— Elizabeth morreu. — Comentei, vendo-a torcer os lábios. — Você entendeu o que eu quis dizer! — Sorri de canto, achando divertido como ela se irritava fácil.— Você se irrita fácil
O silêncio do bangalô era preenchido apenas pela respiração suave de Mavi. Eu permaneci onde estava, observando-a por um instante, antes de pegar um livro na pequena mesa ao lado da cama e me sentar na poltrona próxima à janela. A chuva fina persistia lá fora, tornando a tarde ainda mais preguiçosa. Folheei algumas páginas, mas meus olhos teimavam em desviar para a garota adormecida. Era curiosa a forma como seu rosto relaxado transmitia uma serenidade que não combinava com seu temperamento explosivo de mais cedo. A tensão que parecia sempre pairar sobre ela agora tinha se dissipado, substituída por um ar vulnerável, quase infantil. Voltei ao meu livro, deixando que as horas se arrastassem sem pressa. A tarde avançava, e o tempo frio tornava o ambiente confortável o suficiente para que eu próprio sentisse o peso do sono sobre meus ombros. Fechei o livro, massageando a testa. Foi então que um movimento na cama me chamou a atenção. Mavi se mexeu levemente, os olhos piscando algu