Eu não fazia ideia do que fazer. Observava minha mãe, deslumbrante em um vestido branco de renda, com os cabelos soltos, enquanto ela me lançava um sorriso. Nossos olhares se cruzaram por alguns minutos, mas as palavras, ou qualquer possibilidade delas, morreram em minha boca.
Eu não conseguia identificar se era ciúmes ou um medo profundo do que estava acontecendo, mas ao perceber o homem atrás dela também me observando, um sentimento ainda mais intenso surgiu dentro de mim.
Ela não podia fazer isso, pensei, isolando qualquer som externo que não fosse a tempestade de pensamentos na minha mente. Como uma criança assustada, simplesmente fugi, seguindo em direção ao meu quarto, sem me importar com mais ninguém. O peso da confusão e da traição parecia me esmagar, e a única coisa que eu queria era escapar daquela realidade.
— Mavi, Mavi, espera! — A voz da minha mãe me alcançava, como se abafasse o som ao meu redor. Eu não a esperei. O peso dos meus sentimentos confusos era insuportável. — Vai embora! — Pedi, fechando a porta em sua cara aborrecida.
— Mavi, filha, espera. — Segurei a maçaneta, enquanto ela tentava abrir, impedindo-a de entrar. A porta não trancava; a fechadura estava quebrada.
— Mavi. — Escutei-a me chamar, mas a ignorei, enfurecida. A notícia que me dera abria uma ferida interna, e eu me sentia traída como sua única filha, com a nossa cumplicidade sendo jogada ao vento. Ela tentava girar a maçaneta que eu forçava a segurar, e, em um desabafo de choro, não aguentei mais.
— Você não podia fazer isso, comigo. — Chorei entre palavras chateada, sentindo-me traída.
— Eu sei, eu sei que devia ter te contado, mas achei que ia ser uma surpresa. É... é isso, eu queria fazer uma surpresa, filha. Você não está feliz? — Não, eu não estava nada! O som da festa junto ao da sua voz me irritava, soltei a maçaneta, indo em direção à cama.
O choro descia sem parar. Eu quis pará-lo, afinal, eu sabia melhor que ninguém o quanto minha mãe desejava construir uma família, mas na minha cabeça, só faltava a figura paterna, um possível padrastro. A ideia me angustia ainda mais, e a confusão só aumentava.
Lá fora, na sala, e em mais parte da casa, a festa continuava, quando a minha mãe entrou no meu quarto. — Vai Marcelo, eu preciso ficar a sós com ela. — As suas palavras me fizeram erguer a cabeça, ver Marcelo de blusa branca, calça social marron, encarando-a como se eu fosse um perigo em ascenção doía-me mais. — Tem certeza? — A vi assenti.
— Não precisa explicar. — Falei abaixando a cabeça, constantando verdade, o que estava feito, já estava afinal, o que mais eu poderia fazer, exceto, me conformar. — Vai Marcelo! — Num tom mais bravo, a senhora Laura Bocci falou.
Apenas o vi dar passos em direção a saída, receoso, enquanto a minha mãe fechou a porta ignorando o seu olhar para ela, o que me fez sentir o incomodo de não haver mais um espaço em sua vida, isso já vinha acontecendo a dias, dias sem nos falar, sem ir ao shopping, sem um cineminha, os momentos mãe e filha, já não eram existentes.
O que me incomodou, foi saber que eu permitir, a maior causadora deste afastamento foi eu. — Bem, Mavi, como você sabe, eu estou grávida, isso não foi planejado, aconteceu...
Afirmei, sentada a cama. — Como foi comigo não é? — E sem pensar duas vezes, minha mãe afirmou de pé, vindo em minha direção. — Sim, foi, não posso negar, como também não nego que você foi a coisa mais importante que aconte...
— Custava se prevenir? Como acha que vai ser quando esse bebê nascer? — Fitei a sua barriga inexistente, trabalhada em musculos em formas de gominhos. — Ué, como vai ser, filha? Eu não estou sozinha, tem o Marcelo, ele é um bom companheiro, tenho você...
— Um bom companheiro? E se ele te abandonar como o meu pai fez? — Saltei da cama, quando a minha mãe, mal havia sentado, ver os seus olhos enormes azuis paralizados em mim, assustada fizeram-me pensar no peso da minha pergunta, que saiu como um mal agouro. — Desculpa eu...
As lágrimas desciam, eu me senti confusa. — ...simplesmente não dá para receber este tipo de noticia e te dar parabéns. — Confessei, lhe vendo parada sentada em minha cama. Por isso, voltei ao meu assento, novamente, sentando-me a seu lado. — Está com ciumes ou com medo? — Dei de ombros para pergunta, lhe vendo me olhar, a sua mão tocou a minha.
— Esta tudo bem, nada vai mudar entre nós, você continua a minha filha, lembra? — Entrelaçou a sua mãe a minha, e encarou-me nos olhos. — Esse bebê e o Marcelo não vão interferi em nada entre nós, sempre fomos...
Retirei a minha mão da sua, friamente, sentia-me confusa. — Já interferiu, mãe, mal convivemos juntas e o Marcelo...— A olhei a meu lado, lhe vendo parar de dizer. — O que tem o Marcelo? — Sendo inevitável os olhos descer para a barriga, para aquele ser não visto ainda, eu deveria dizer, mais não disse, após evitar a verdade que já não havia duvidas, e uma conversa em que pussemos panos quentes sobre o assunto da gravidez, saimos do quarto.
A festa continuava, a ideia de me tornar irmã mais velha, não era boa como parecia para mim, mas nada poderia mudar isso, os dias foram passando, os olhares de Marcelo continuaram, as roçadas até próximo a pia, no corredor, entre encontros na casa, ja que ele mudou-se para a nossa casa de vez.
Era manhã de domingo, quando saia do meu quarto para ir encontrar com a minha Isis, a minha amiga tentava a tudo custo me tirar de casa, pois, meio mês das férias haviam passado, e ninguém, justamente ninguém me via, sai do meu quarto, trajando uma saída de praia branca de renda, o biquini em tom cobre que esta em alta. — Tá bom, já tô descendo.
Avisei ao telefone, enquanto fechei a porta, segurando a bolsa, até sentir o corpo do homem ao meu, o contato do seu peito as minhas costas, denunciando que estava quente, havia acabado de levantar, afastei o aparelho em seguida, recebendo um beijo cálido em meu pescoço, pude sentir a ereção em minha nadega naquele instante. — Gostosa! — O sussuro veio baixo a minha pele.
Dei-lhe um cotovelada que não vi onde pegou. — Nojento! — Rosnei, lhe vendo assustado. — Mavi! — A voz que veio foi da minha mãe em seguida, abrindo a porta do seu quarto, Marcelo me olhava, e em seguida olhou na mesma direção que eu.
Vê-la completamente nua na porta, me fez engoli em seco. — O que esta acontecendo? — Minha mãe perguntou, nua, cabelos soltos, seus músculos definidos brilhavam sob a luz suave. — Nada amor, a sua filha está falando...
— Mentira mãe, o Marcelo, ele tem me tocado, tem... — As palavras ruminavam a sair, em meio a raiva, e a risada que ele deu tão cinica. — roçado em mim, vive me olhando, eu venho tentando te falar isso. — Ela parecia surpresa.
— Não, Mavi. O Marcelo...— Os seus olhos foram de mim para ele, que negou com a cabeça. — Mavi que loucura é essa? — Indagou o infeliz, eu mantive a expressão séria. — Mavi, filha. — Pude perceber que ela não reagiu bem ao que eu disse, pela forma que levou a mão a porta, ele estando mais próximo a segurou. — Esta vendo o que você fez? — Ele esbravejou irado!
Minha mãe passou mal, a praia foi cancelada, havendo uma queda na pressão, averiguei, indicando repouso, Marcelo queria leva-la ao hospital, o clima entre nós tornou-se mais tenso, anoitecia quando minha mãe me chamou para conversar.
— Mavi, filha...— As suas palavras tornaram-se receosas, quando sentei-me a cama. — Oi mãe, estou aqui, como você está? — Arrastei-me pela cama, a me aproximar de seu rosto. — Porque inventou isto? Sei que está com ciumes, mas dizer que o Marcelo está te assediando é demais, Maria Vitória. — Eu jamais esperei isso dela.
— Quê? — Estremeci em temor.
— É isso Maria Vitória, não vê que estou recomeçando, você sabe que eu sempre sonhei com tudo isso, uma família, um marido, um casamento? — Prendi o lábio inferior ao ouvir. — E isso inclui um assediador dentro de casa?
— Não invente mentiras, Maria Vitória Bocci. — Para mim era o fim, iniciamos uma discurssão, e por mais que eu quisesse que ela enxergasse a verdade, parecia impossível. — É melhor você ver um lugar para você, estou grávida do Marcelo, irei me casar com ele...
— Mãe! — Gritei exasperada ao ouvir.
— Juro que não entendo por que a sua mulher não gosta de mim. — Heitor caminhava de um lado para o outro no escritório, sua frustração evidente. Eu poderia listar as razões do desgosto da minha esposa em relação ao meu amigo, mas isso não importava agora.— Anda, Heitor, por que não diz o que realmente quer? — falei em um tom brando, observando-o puxar a cadeira à minha frente.— Problemas de novo? — Ele levantou uma sobrancelha, e eu assenti levemente. Não era nada que eu não pudesse contornar.— Meio que sim, mas vamos lá, o que te trouxe aqui? — Perguntei, tentando mudar de assunto.Heitor, impaciente como sempre, apenas moveu as sobrancelhas. — Ah, esqueci. Talvez não fosse tão importante. — Dei um meio sorriso para sua resposta. Apesar de parecer desleixado, ele não era.— O que você estava fazendo? — Estendeu a mão em direção ao parecer médico que estava à minha frente.— Tentando compreender a situação de um paciente. E você? — Ele observou o papel vagamente, antes de jogá-lo d
Meu mundo parecia desabar diante dos meus olhos. Não, era mais do que isso; as palavras dela, dizendo que eu deveria encontrar um lugar para mim, eram como um aviso de que eu não cabia mais em sua vida.— Mãe!— Eu gritei o nome que significava tudo para mim, um socorro, uma alegria; era a primeira palavra que saía da minha boca em momentos de dor, porque eu sabia que ela viria. Mas a mulher deitada na cama mostrou-se indiferente. Ela estava abalada, e eu me sentia ainda pior.— Mãe, eu... — tentei dizer, estendendo a mão para pegar a dela, numa carícia que deveria ser leve, mas que era um pedido desesperado para que ela despertasse.— É isso, Maria Vitória! — Minha mãe olhou para mim de uma forma que nunca havia feito antes. O desprezo em seus olhos me congelou por completo. — Te dou um mês para sair da minha casa.Minhas sobrancelhas se franziram em confusão. — Mas mãe, eu... — tentei explicar, mas era em vão; os olhos dela continuavam fixos em mim, gelados.— Lhe passarei a pensão
Dirigindo pela cidade, minha mente estava uma tempestade. Por que Clara havia feito aquilo? Eu não havia lhe dado o suficiente? Perguntas incapazes de serem ignoradas surgiam a cada segundo, como flechas disparadas na escuridão da minha confusão. Olhei pelo retrovisor e percebi que seu carro ainda me seguia. A sensação de que eu precisava evitar um confronto se intensificava, mas a raiva dentro de mim só crescia.De repente, alguém pulou no canteiro, e a realidade me atingiu como um soco no estômago. Paralisei ao perceber que poderia ter atropelado alguém. Desci do carro rapidamente, deixando os faróis acesos atrás de mim. Com o coração acelerado, segui em direção ao desconhecido caído no chão, que tentava se levantar, claramente atordoado.A tensão do momento me fez esquecer, por um instante, o turbilhão emocional que me consumia. O que era mais importante agora: a vida daquela pessoa ou a bagunça que minha vida se tornara?— Filho da puta, está cego? — O homem gritou com força, demo
Chegamos aos bangalôs após um check-in que parecia um sonho. A realidade ainda me parecia distante, um turbilhão de emoções se misturava dentro de mim. A paisagem ao nosso redor era um abraço acolhedor: montanhas majestosas, o ar puro e o verde vibrante por todos os lados. Era tudo tão novo, e mesmo assim, as frustrações dos últimos dias ainda pesavam no meu coração.— Droga! — exclamou Isis, quebrando o silêncio ao deixar sua mala cair com um estrondo. Ela levantou o celular acima da cabeça, como se estivesse em uma batalha contra as ondas invisíveis de sinal.— O que foi? Não pega sinal? — perguntei, sabendo que era a pergunta de praxe.— Não, não pega! — resmungou minha amiga, já se afastando para a saída.Olhei ao redor, admirando o lugar: fresco, impecável e com um aroma delicioso no ar. O bangalô tinha duas camas de solteiro, uma de cada lado, com cabeceiras de madeira que exalavam um charme rústico. As roupas de cama em seda, brilhando sob a luz suave, davam um toque romântico,
DE TODOS OS PRAZERES, na vida, a gula deveria ser considerado o maior pecado na minha. É mais um domingo à tarde sob um calor absurdo de trinta e dois graus no Rio de Janeiro, e eu estou sentada no sofá com três bolas de sorvete de morango derretendo dentro do copo, em minhas mãos. Não consigo me conter; a ideia de abrir o congelador para pegar o pote de sorvete totalmente para mim é quase irresistível.Eu poderia estar lá fora com todos os amigos da minha mãe, com um biquíni bastante chamativo mergulhando na piscina, conversando sobre a última roupa usada pela diva da moda que, infelizmente, não deve saber da nossa existência. Mas, ao invés disso, aqui estou eu, em um estado de indulgência solitária.O sorvete é minha fuga, meu pequeno segredo. Cada colherada é um prazer que não compartilho com ninguém, uma pequena rebelião contra a rotina e a expectativa social. A textura cremosa e o sabor doce e refrescante são o antídoto perfeito para o calor e a monotonia.Laura, minha mãe, havia
— Xande, precisamos conversar. — A voz de Clara cortou o silêncio da sala, mas eu ignorei, absorto na leitura do parecer médico à minha frente. Mais uma vez, ela estava prestes a despejar sobre mim alguma queixa sem importância, talvez mais ciúmes por causa de uma paciente. No fundo, o que importava eram os detalhes do exame do senhor Farias; sem isso, não conseguiria entender a origem das irregularidades nos batimentos dele.— Está me ouvindo? — A insistência na voz dela me fez finalmente olhar para cima. Clara estava a poucos passos, seus olhos claros fixos em mim, mas não era isso que eu queria naquele momento.— Desculpe, Clara, mas estou tentando entender esse relatório. — A frustração começou a se acumular dentro de mim.— Você sempre está "tentando entender" algo. E eu? — Ela cruzou os braços, o tom de voz agora mais elevado. — Eu sou apenas uma distração para você?Desviei o olhar, tentando me concentrar novamente no parecer. As palavras dançavam na minha mente, mas a tensão n