Três

Aquela noite não deveria ter terminado daquele jeito. Deveria está sorrindo, comemorando sua tão sonhada prisão, mas nada do que planejou deu certo.  Dedicou dias, anos para o momento, só esqueceu que mafiosos jogam sujo demais, usam família, amigos, colegas e tudo que o puder livrar da cadeia.

Entrou em casa jogando suas coisas onde podia, precisava de um banho, uma taça de vinho, tudo para fazê-la esquecer de mais um fracasso que logo, logo seria punida.

— Mamãe. - A delegada virou devagar em direção à voz que surgiu na escuridão, respirou fundo quando avistou sua filha se aproximar com cautela. — Você chegou tarde. Eu pedi o jantar pra nós duas, mas…

— Está tudo bem. Acabei me atrasando, mas estou aqui. Espero que já tenha jantado, não precisa me esperar todas as noites - Lizzie cruzou os braços a encarando dos pés a cabeça — O que foi? Estou bem. E estou aqui.

— Está aqui agora. Sei que você tem um trabalho complicado…

— A gente pode pular a parte em que você me dar um sermão sobre o meu trabalho? - Pediu com carinho se aproximando da filha, encarou seu rosto bonito, os olhos claros como os seus… Era a única coisa que tinha de si naquela garota. — Eu te amo, tá bom? Sinto muito não ter chegado a tempo para o jantar, prometo recompensar.

— Já estou acostumada. Mas você parece diferente hoje… Sua missão não deu certo? Prendeu o homem errado de novo?

— Como sabia que eu tinha uma missão hoje? - Lizzie abaixou o olhar — Eu já pedi para não entrar no meu escritório, ali dentro tenho informações confidenciais, não mexa nas minhas coisas, Lizzie.

— Como não quer que eu entre lá? É o único lugar onde posso te encontrar. Está há meses planejando sua missão e o grande dia era hoje. Eu sei. - Lilian se afastou, não estava pronta para discutir aquela questão com sua filha de dezesseis anos que não sabia de nada. — Eu sei quem você quis prender hoje. Não adianta esconder de mim, todo mundo sabe que aquele homem é o meu pai.

— Ele não é o seu pai - Virou outra vez para a filha que não se intimidou — Ele é um criminoso, e toda a sua família também. Eles matam pessoas, as usam, fazem troca, são maus. - Segurou as mãos de sua filha que tentou negar toda aquela historia, eles não pareciam ser tão maus assim. — Eu sinto muito, devia ter escolhido uma pessoa melhor. - Admitiu fazendo a garota até concordar.

— Você pode querer esconder isso das pessoas lá fora, do seu chefe, dos seus amigos, da mídia, de todo mundo, mas todos sabem que Tristan Benett é o meu pai. Na rua, na escola, nos lugares aonde vou, mas claro, sou conhecida também como a filha dele que foi ignorada e deserdada, isso é bom, não é? Pra você?

— É pra você também, assim, nenhum inimigo dele vem atrás de você.

— Você é a inimiga dele - Lilian se afastou outra vez, o olhar sério em direção à filha, será que a garota que colocou ao mundo e cuidou a livrando de todas as coisas ruins do universo estava ali para defender o pai? - Não é defendendo o meu pai, mas não quero vê-lo preso.

— Eu não vou deixar barato para Tristan Benett só porque ele é o pai da minha filha. Eu como delegada tenho que prender todos que fazem o mal. Inclusive, aqueles que ameaçam crianças inocentes como o Archie, seu amigo, por exemplo.

— O que? - Se surpreendeu rapidamente e viu um sorriso no rosto de sua mãe crescer.

— É isso que o homem que você não quer ver preso, faz. Ele machuca as pessoas sem se importar se o ferimento é físico ou emocional, se vai durar a vida toda. - A menor continuava horrorizada — Não o defenda na minha frente.

Lizzie continuou calada, porque Archie tinha sido envolvido, era seu melhor amigo e a última vez que falou com ele, estava em casa jogando seu videogame chato.

— Eu peço desculpas por ter perdido a janta, e queria muito sentar e saber como foi seu dia hoje na escola, mas eu preciso de um banho, estou muito cansada. - Lizzie assentiu entendendo o lado de sua mãe, e depois de um beijo a deixou ir.

A noite não tinha sido boa para ela e os pequenos momentos que passou dentro de casa foi pensando no quanto foi burra ao não dar assistência para a família das pessoas que trabalham consigo, especialmente para Cassius que era seu parceiro de muitos anos. Isso lhe serviu para que da próxima vez não deixasse escapar esse detalhe.

A cada prisão de Tristan, Lilian aprendia alguma coisa e iria continuar assim, até colocar cada homem daquela família na cadeia e ter o prazer de sorrir para cada um dando um tchau e adeus.

Depois de se arrumar, saiu do quarto escutando a voz de Lizzie cantando alguma coisa em seu quarto. Queria poder sair e agir como se tudo tivesse normal, mas as coisas sempre ficavam estranhas quando discutiam. E o motivo era sempre o mesmo, o pai dela. Ah, como odiava esse homem, além de lhe tomar tudo, ainda tinha o amor de sua filha sem nunca ter a ajudado ou visto na vida?

Cruzando o corredor, ela chegou à cozinha deixando suas coisas para preparar um café forte. O clima na delegacia certamente seria de terror e ela tinha que está preparada para lidar com tudo isso.

— Bom dia, mãe. Ache que iria sair sem falar comigo hoje. - Lilian negou com um sorriso — Está ficando profissional nisso. Desculpa-me por ontem.

— Está tudo bem. - Lizzie correu para abraça-la — Quer carona para o colégio? – Avisou buscando suas coisas.

— Não. Vou com uma amiga. – Lilian assentiu e dando uma última olhada em sua filha, saiu de casa sem falar nada.

Chegando á delegacia, ela sabia que as coisas não estariam boas, mas havia uma movimentação a mais do que esperava. Parou no meio de tudo aquilo assistindo uma correria inexplicável. Segurando seu café ela andou mais rápido para sua sala e fechou a porta assustando Cassius que digitava algo no computador praticamente sem piscar.

Ele riu dela erguendo sua garrafa de café também. Ambos mortos por dentro.

— Eu achei que tinha entrado na delegacia errada, mas enfim, entrei na certa já que estou olhando pra você. – Disse ao se encaminhar para a sua mesa do outro lado da sala e em frente à de Cassius — Eu imaginei o tumulto que estaria esse lugar, mas eu acho que tem algo a mais.

— E tem. James estará chegando em menos de cinco minutos e tudo precisa está em ordem, certo? – Lilian fez cara de choro — eu cheguei mais cedo e mandei que todos já se organizassem você chegaria apenas para a reunião com ele. E pedi para que não incomodassem também, sei que você está um caco.

— Não me lembre, nem me fale sobre isso. Nove meses, Cassius, nove meses jogados fora em menos de duas horas. Eu estou destruída, me sinto a pior das mulheres, eu devia ter acertado um tiro na cara dele ao ter que tirar suas algemas. – Ele concordou, mesmo sem olhar pra ela — Como está Archie e Naomi?

— Archie foi pra escola porque não queria ficar em casa, e Naomi ficou por lá, arrumando as portas, janelas, além de colocar segurança a mais, alarmes e tudo que ela acha que deve.

— Eu sinto muito que tudo isso tenha acontecido. Comprei chocolates, os preferidos dela.

— Ela vai gostar – Cassius levantou indo até a impressora e trouxe até Lilian dois papeis digitalizados, a mulher levantou já revirando os olhos, pois sabia do que se tratava — O relatório de ontem. Espero que você consiga explicar isso ao James.

Lilian só pegou aqueles papéis e acompanhou o outro até a sala de reuniões a qual já estava arrumada, escolheu sua cadeira e sentou a espera de James que chegou segundos á frente. Seu rosto não demonstrava nada, atravessou a sala olhando para Lilian e seu detetive com atenção, sentou em seu lugar e esperou que a porta fechasse para começar a falar.

— Bem vindos? Ou posso dizer que estou surpreso em vê-los aqui ainda? – Lilian abaixou os olhos — Ontem tivemos um episodio muito intenso, vamos começar a dizer assim. A operação que estamos tratando há anos foi colocada em suas mãos desde que chegou neste lugar, e eu achei que depois de dois fracassos, essa terceira tentativa de prender um dos Benett, teria sucesso.

— Ele estava preso. A gente só não esperava que fosse haver reféns, reféns importantes.

— Eu sinto muito por sua família, Cassius, tenho um amor muito grande por seu filho e isso inclui Lizzie também – Lilian respirou mais profundamente, todos naquele lugar conheciam sua história, pois não precisavam pensar muito quando estava diante de Lizzie, era tão parecida que no primeiro questionamento, Lilian sentiu vergonha em confirmar a paternidade na frente de todos.

— Eles estão bem - Cassius informou.

— Lizzie também - Lilian sussurrou depois.

— Isso é bom, vamos ao que interessa. – Lilian lhe entregou os documentos, não queria ler, só de viver aquele momento pessoalmente já bastava. — Lilian nós te colocamos como a cabeça desse caso porque você tem motivos para prendê-lo, pessoal ou não, você tem e a gente quer esse vigor, queremos usar isso de você e acabar com essa quadrilha, mas eu e todos ao seu redor estamos vendo a dificuldade que está tendo, e acredito que agora a gente vai ter que nos submeter a um novo tipo de operação.

— Um novo tipo de operação? - Cassius repetiu tentando raciocinar direito — Um tipo de abordagem diferenciada? Podemos pegar um avião e explodir a casa noturna que eles vivem? Sabemos onde é, é só ir lá e bum! - Sugeriu o detetive e a delegada concordou.

— Sua linha de pensamento é igual a da sua delegada - os dois se entreolharam — Vocês acham que atacar de frente é a melhor solução. Não podemos ataca-los, assim, a não ser que queira ser culpado pelas mortes de inocentes que vivem lá também. O que a defensoria falaria? E a mídia? Assassinou seis Benett e mil inocentes, acha que vale a pena?

— James…

— Tudo bem. E o que vamos precisar para essa nova abordagem? Mais homens, recursos, tempo?

— Apenas uma mulher, Janie Jones - Lilian estreitou os olhos se jogando contra a cadeira. — A nossa maior e melhor espiã infiltrada acabou um serviço recentemente, prisão efeituada com sucesso, uma operação de três meses bem sucedida. Deviam aprender com ela.

— Uma mulher? - Lilian quis rir — E o que a gente faz com a sua espiã? Coloca ela na cova dos leões e deixamos que ela faça nosso serviço?

— Se você não consegue fazer, outra vai fazer, e fazer direito - Cassius encarou sua delegada que estremeceu por inteira com ódio. — Estou cansado dos seus fracassos, trabalhe com a agente, e então, terei certeza que da próxima vez que eu entrar por aquela porta para falar sobre o assunto “Benett” não será para demitir você, pela sua incompetência, Lilian.

A delegada continuou calada, nem mesmo deixou que uma lágrima caísse.

— Esse é o número que vocês precisam ligar para marcarem um encontro. Não é qualquer pessoa que chega perto. Faça isso ainda essa semana, temos informações de que haverá uma troca de mulheres, inclua Janie nessa lista e deixe que ela faça todo o resto.

Sorriu para os dois e levantou indo embora.

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