O dia anterior à partida foi dos mais tumultuados. A equipe de resgate, como foi chamada, tinha de conter no máximo quatro elementos no campo e um na Central. Afinal, não poderiam levantar suspeitas já que todo o Projeto INCA era extremamente confidencial. Desta forma, um carro de passeio seria o mais sensato, apesar de o menos adequado.
Ramon e Willdson tinham um currículo invejável dentro da CIFEC. Pelo menos dezessete expedições por várias partes do mundo. Carlos Von Güeler era instrutor de alpinismo e espeleologia, além de ter participado de dezenas de campanhas de treinamento nas piores simulações. Marcos Karline, irmão mais novo de Ramon, seria o contato da equipe na Central. Dele seria a responsabilidade de transmitir e receber informações e processá-las nos computadores. Conhecia bem as estratégias de campo. Hoje, estava em uma cadeira de rodas. Uma corda se rompera durante um rapel, em uma expedição no Himalaia.
Henrick Capolli era o novato da equipe. Era filho de Willdson e tinha pouca experiência. Havia participado de apenas algumas campanhas de treinamento, mas Willdson achou que, apesar de perigosa, era sua grande chance em mostrar do que era capaz.
O carro devorava a estrada onde o barulho do motor só era superado pelo som do toca-fitas. No mais, absoluto silêncio. Parecia que todos buscavam em seus íntimos uma resposta para o enigmático desaparecimento da equipe do Projeto INCA.
Sem tirar os olhos da estrada, Ramon baixou um pouco o som do toca-fitas.
— Se tudo continuar nessa tranquilidade, acho que chegaremos em Campo Grande um pouco antes das 23:00 horas!
Na verdade, era uma observação sem importância. Um comentário apenas para quebrar a monotonia da viagem.
Ninguém balbuciou coisa alguma. Somente Willdson balançou a cabeça ao mesmo tempo em que roía uma ponta de unha do dedo indicador.
Rodaram seguramente mais dez quilômetros quando Carlos, pela primeira vez, abriu a boca para uma pergunta.
— Significa que vamos passar a noite em Campo Grande?
— Exatamente, respondeu Willdson trocando a fita do teipe. Temos que passar no quartel em Aquidauana e o Coronel Krismmel só vai estar lá pela manhã.
O Coronel Krismmel era comandante do 9º Batalhão de Engenharia de Combate.
A expectativa era que ele tivesse conseguido algum indício do local onde se situava o Ponto M. Essa expectativa tinha um certo fundamento visto que o Coronel tinha alguns homens da mais alta confiança, e altamente treinados, que conheciam muito bem a região da Serra da Bodoquena. Constantemente interceptavam, juntamente com os federais, o tráfico de cocaína vindo principalmente da Bolívia ou até mesmo Paraguai.
Carlos ficou sem saber se devia ou não continuar perguntando. Afinal, ele não tinha acesso a certas informações antes do momento oportuno. De qualquer forma, não custava perguntar, mesmo porque, ele sabia que as coisas ficariam complicadas dali para frente e era importante estar preparado com o máximo de informações. Limpou num pigarro a garganta e, buscando a imagem de Ramon no retrovisor, perguntou:
— Como é que esse tal de Coronel Krismmel pode ter informações que a própria Central não tem?
Willdson acendeu um cigarro e ofereceu para Ramon. Enquanto acendia outro, Ramon tentou esclarecer o que, até para si próprio, era um pouco confuso.
— Pra falar a verdade, Carlão, o Coronel Krismmel sabe muito pouco a respeito. O que ele sabe foi através do Coronel Paranhos da Escola de Cadetes de Campinas.
Antes que Ramon complementasse sua explanação, Carlos interrompeu aproveitando a oportunidade para saber um pouco mais.
— Mas e quem é o Coronel Paranhos?
— É um amigo pessoal do Fredy, interveio Willdson. Através dessa ponte de informações, ele fez uma tentativa...
— Talvez, interrompeu Ramon, ele pudesse garantir um caminho um pouco mais limpo pra nós.
— Mas tudo isso não é extremamente confidencial?
— Tenha certeza disso, Carlão.
Dando uma longa tragada no cigarro, Ramon continuou:
— O que eles sabem, não vai além disso!
Carlos recostou-se no banco traseiro do carro, fez uma pausa e murmurou, como se estivesse pensando em voz alta:
— É... pelo que eu vejo, o que nós sabemos também não vai além disso.
Bauru constava no percurso como a primeira parada oficial. Lá, a equipe faria um rápido almoço antes de seguir viagem. Willdson estava no volante agora. Era feito um revezamento a cada três horas aproximadamente para não sobrecarregar ninguém. Só o Henrick não participava do rodízio, exatamente por ser o mais novo da equipe. Ramon fazia algumas anotações em um pequeno bloco quando percebeu o carro puxar um pouco para o acostamento. — Ih, Will! Acho que temos um probleminha! — É... eu já percebi, respondeu Willdson sem tirar os olhos da estrada. Só estou tentando um lugar menos ruim no acostamento. Enquanto o carro saía para o acostamento, Henrick, que não era de falar muito, teceu um pequeno comentário, talvez no intuito de relaxar um pouco. — Isso é que eu chamo de uma entrada triunfal! Willdson olhou pelo canto do olho, sorriu e completou: — Até que enfim você entrou no espírito da expedição, hein? Bem,
Marcos estava impaciente. Já passava de uma da manhã e até o momento nenhum contato. O canal da rede estava aberto. “Não é possível, pensou. A codificação está correta, o canal está aberto e, no entanto, eles não fazem contato”. O interfone tocou. Marcos atendeu já sabendo quem era do outro lado da linha o qual, inconformado, fez a mesma pergunta pela quarta vez. — Não, Fredy! Nenhum contato até agora, respondeu Marcos enquanto acionava alguns botões de controle. Logo o satélite estará fora de operação pra nós... — Não pode ser, retrucou Fredy com certo desespero na voz. Alguma coisa aconteceu! Marcos procurou manter a calma, mas no íntimo também estava apreensivo. As últimas informações enviadas pelo Coronel Krismmel naquela tarde eram bastante preocupantes. Marcos trocou o telefone de mão, reclinou-se na cadeira e tentou tranquilizar o Presidente. — Vá descansar, Fredy, eu vou ficar aqui mais um tempo. Não pense no pior. Conh
A perua rodava pela estrada com destino a Campo Grande. Ramon havia determinado que as paradas seriam apenas em extrema necessidade. Carlos estava no volante enquanto Ramon e Henrick, no banco traseiro, tentavam repousar um pouco. A rodovia, de uma única pista, estava praticamente vazia. Somente um ou outro caminhão transitava nela. Carlos desenvolvia boa velocidade, pois era preciso ganhar tempo. Para o mês de julho a temperatura estava agradável, apesar do ar estar bastante seco. O acostamento era ruim e a poeira, depositada pela falta de chuva, oferecia grande perigo caso fosse preciso uma saída estratégica. E era exatamente nisso que Carlos pensava quando reparou no retrovisor um Comodoro prata que desenvolvia a mesma velocidade. Ficou intrigado e, sem fazer comentários a respeito, afundou o pé no acelerador na tentativa de aumentar a distância. — Hei! Vai com calma, Carlão! falou Willdson em meio a um cochilo. Carlos não disse nada. Nenhuma palav
Ramon estava apreensivo. Uma coisa estava bastante clara: alguém tinha grande interesse em que a equipe de resgate não chegasse ao seu destino. Mas quem? E por quê? Agora, mais do que nunca, o cuidado tinha que ser redobrado. Ramon refletiu por um momento. Era necessário apressar as coisas, pois a escuridão da noite já havia se aproximado. Dirigiu-se até a mala do carro e apanhou uma lanterna. — Carlão, disse ele, fique de olho na estrada. Eu vou dar uma checada no estrago. Willdson, continuou, dá uma geral no Monza e veja o que pode descobrir. Leve o Henrick com você. Ele precisa aprender como se trabalha. Willdson apanhou sua lanterna e Henrick seguiu o seu exemplo. Cautelosamente atravessou a pista e se aproximou do Monza. Era um modelo quatro portas Classic, ano 89, verde metálico. Chegou mais próximo e abaixou-se até ao rés do chão. Vasculhou com a lanterna e nada constatou de especial. — Henrick, vá pelo outro lado e vasculhe. Veja se acha algum
Ninguém tocou em nada. Ramon havia colocado também suas luvas como precaução. O cadáver era de um homem aparentando cinquenta anos. Suas roupas demonstravam que era uma pessoa de fino trato. Ninguém tocou no morto, mas era possível visualizar suas mãos amarradas às suas costas. Pelas primárias deduções, ele havia sido executado com um tiro na cabeça. Ramon fechou o porta-malas do Monza ao mesmo tempo em que observava a placa. Não tinha lacre. — É fria, San! — O que foi que você disse? — Eu disse que a placa é fria. Não tem lacre, tá vendo? Ramon gravou instintivamente a numeração: DX 0454. — Vamos dar o fora daqui ou vamos ter de explicar muitas coisas, observou Ramon. Willdson, pela primeira vez, ficara surpreso com o amigo. — Mas, ... Ramon! Nós temos que fazer alguma coisa, avisar a polícia, ... sei lá!... — San, disse Ramon calmamente, raciocine um pouco. Olhe pro nosso carro e pro Monza. A primeira
Ramon estava no volante. Já era noite alta e a temperatura havia caído bastante. Era assim naquelas paragens. Durante o dia a temperatura podia chegar a 42°C e na madrugada poderia cair a 2°C. Os pensamentos estavam voltados para os últimos acontecimentos. Ramon começou a refazer a história. Quem os havia atacado conhecia muito bem o trajeto. Sabia que a parada anterior, para abastecimento da viatura, era a última antes de um espaço de aproximadamente 300 quilômetros. Era o chamado posto de segurança, pois até Campo Grande não haveria nenhum posto sequer. Com um carro mais possante, puderam controlar o tempo e a distância e atacar no momento oportuno. O Monza seria apenas uma isca. Provavelmente esperavam que a equipe parasse para socorrer o pseudo-acidentado para então abordá-los. Ou quem sabe, matá-los?... — Ramon, me esclarece uma coisa! Se alguém queria nos matar, por que não atiraram na gente no momento em que emparelharam conosco? — Não sei, Car
Eram duas horas da madrugada do dia seguinte quando a equipe de resgate chegou a Campo Grande. Instalou-se em um pequeno hotel, num apartamento com quatro camas, e procurou descansar naquele final de noite. Após o café da manhã, com toda a equipe descansada, foi dada sequência ao novo cronograma estabelecido. Começariam pela visita ao amigo Guerard. Ele estava no escritório de seu Centro de Pesquisas Ufológicas. Lá era editada a revista UFO Contact de circulação nacional. A recepção como sempre foi fantástica. Guerard ofereceu-lhes um café e, numa sala reservada, procurou se inteirar do objetivo da equipe. — Quer dizer que vocês estão de volta para novas descobertas? Ramon tinha de medir as palavras, pois mesmo para o amigo, algumas coisas deveriam ser omitidas. — Sabe o que é, Guerard, estamos sem contato com a equipe anterior já há algum tempo. Não sabemos exatamente o que aconteceu. Isso está nos preocupando. Ramon colocou a xícara
Fredy andava de um lado para outro em sua ampla sala no décimo segundo andar. Esfregava as mãos uma na outra demonstrando claramente sua aflição. Eram sete horas da manhã e as olheiras fundas no seu rosto denotavam as poucas e mal dormidas horas daquela noite. Marcos, próximo à porta, só acompanhava com os olhos. Havia passado a noite em claro na esperança de um sinal. Tinha de aproveitar que o satélite estava disponível full time nesse primeiro dia. Depois, seu acesso seria de apenas 15 minutos duas vezes ao dia. O telefone tocou. O segurança atendeu e transferiu na frequência especial para a sala da presidência. Fredy deu um pulo e antes mesmo do segundo toque já havia atendido. — Doutor Frederico, é o Coronel Krismmel pro senhor na linha especial. O Presidente odiava o próprio nome. Preferia ser chamado de Fredy, mas não contestou. Acionou um botão em um pequeno painel e travou todas as linhas de acesso. Da