Bauru constava no percurso como a primeira parada oficial. Lá, a equipe faria um rápido almoço antes de seguir viagem.
Willdson estava no volante agora. Era feito um revezamento a cada três horas aproximadamente para não sobrecarregar ninguém. Só o Henrick não participava do rodízio, exatamente por ser o mais novo da equipe.
Ramon fazia algumas anotações em um pequeno bloco quando percebeu o carro puxar um pouco para o acostamento.
— Ih, Will! Acho que temos um probleminha!
— É... eu já percebi, respondeu Willdson sem tirar os olhos da estrada. Só estou tentando um lugar menos ruim no acostamento.
Enquanto o carro saía para o acostamento, Henrick, que não era de falar muito, teceu um pequeno comentário, talvez no intuito de relaxar um pouco.
— Isso é que eu chamo de uma entrada triunfal!
Willdson olhou pelo canto do olho, sorriu e completou:
— Até que enfim você entrou no espírito da expedição, hein?
Bem, o jeito mesmo era todos descerem. Afinal, quem não estivesse trocando o pneu, poderia pelo menos esticar as pernas.
— Henrick, falou Willdson com as chaves na mão, abre lá atrás e pega a chave de roda e o macaco. Estão no lado direito.
Ao mesmo tempo em que Carlos acompanhou Henrick para apanhar o estepe, Ramon caminhou um pouco mais à frente tentando encontrar algo que pudesse calçar a roda durante a troca do pneu.
Tudo parecia muito fácil, afinal, o que é mais fácil que trocar um pneu em quatro homens? Porém, não foi bem assim. Quando Ramon subiu o macaco, e Willdson soltou as porcas da roda dianteira, o macaco deu um estalo e rebaixou dois centímetros.
— Droga, Willl! Isso não está segurando!
Foi tudo muito rápido e antes que outro barulho fosse ouvido, Ramon gritou:
— Rápido, San, coloca a roda de volta!!
Willdson não esperou Ramon terminar a frase. Numa rapidez de impressionar, San, como Ramon costumava chamar o velho amigo, deu meio giro na roda e a encaixou novamente nos parafusos.
Quando espalmou as mãos para o apoio, o macaco cedeu por completo num barulho surdo e pesado.
Willdson sentou-se no chão e manteve os pés apoiados na roda como medida de segurança.
— Cara, essa foi por pouco. Nunca encaixei uma roda com tanta rapidez, murmurou Willdson ofegante pelo esforço, o susto e a dor.
— Que foi, San? perguntou Ramon preocupado. Machucou a mão?
Willdson esfregava a palma da mão tentando disfarçar um pouco como se tudo não passasse de uma pancada sem importância.
Carlos e Henrick estavam sem ação. O jeito era pensar em alguma coisa que pudesse solucionar o problema.
Ramon, como sempre, foi mais rápido na decisão, e isso, com certeza, era o que lhe garantia o cargo de Diretor Geral de Pesquisa de Campo da CIFEC.
— Henrick, Carlão, disse Ramon sem levantar-se do chão. Vejam o que podem conseguir. Pedras e galhos de árvores. Mas têm que ser pedras grandes e galhos grossos. Vamos tentar suspender o carro e calçá-lo. Dessa vez Will pisou na bola. E virando-se para Willdson, completou: Pôxa San! Está certo que tinha de ser um carro comum, mas você podia pelo menos ter checado o macaco, não é?
Carlos e Henrick saíram em direção ao mato que margeava a estrada.
Antes que Willdson pudesse dizer qualquer coisa, Ramon, voltando rapidamente ao assunto anterior, colocou a mão no ombro do amigo e perguntou com uma certa preocupação na voz:
— Tudo bem com a mão, San?
— Tudo bem! Sério!
— Foi o dardo daquele aborígene da Austrália, não foi? Deixe-me ver!
Willdson abriu a mão direita sem tirar os pés que apoiavam a roda.
—Tudo bem, Ramon. O doutor Othon fez um bom trabalho. Não ficou nem cicatriz. O problema é que com a mão espalmada eu não consigo apoiar direito.
Ramon deu um sorriso. Apanhou o cantil da cintura, abriu e, antes de tomar uma golada, disse em tom brincalhão como era seu estilo:
— Por isso você escreve, às vezes, com a mão esquerda?
Willdson deu sua gostosa gargalhada e em seguida completou:
— Lembra-se de quando voltamos da Austrália? O ferimento havia se complicado em função daquelas ervas que eles passavam na ponta dos dardos. Imediatamente eu fui pra cirurgia. Até plástica eles fizeram, como você pode ver. Só que um dos tendões ficou comprometido. Esse tratamento levaria alguns meses, como de fato, e os testes para incorporar a equipe do Projeto Neanderthal começariam três dias depois da cirurgia.
Enquanto falava, Willdson deu um leve aperto nas porcas da roda, mesmo com o pneu furado, apenas para que pudesse levantar um pouco e esticar as pernas. Acendeu um cigarro e continuou:
— Eu só tinha duas alternativas: estaria fora do projeto ou teria de fazer com que a minha mão esquerda funcionasse com a mesma habilidade da direita. Você se lembra como eram dificílimas as simulações! E era preciso muita firmeza na mão.
— É, eu me lembro sim, San. Eles sempre foram muito exigentes nos testes.
— Pois é, continuou Willdson, eu treinei com a mão esquerda por três dias, desde a escrita até o manuseio de uma arma e continuo treinando sempre pra não perder as habilidades.
— Bem, isso mostra que temos mais uma coisa em comum. Ambos somos ambidestros, podendo escrever ou atirar com as duas mãos, completou Ramon dirigindo-se ao encontro dos dois companheiros que agora vinham carregados.
— Vamos lá, moçada, gritou Ramon, já perdemos muito tempo. Will, Carlão, vamos erguer o carro. Henrick, você calça por baixo da coluna.
Ramon virou-se de costas para o carro, abaixou-se e colocou as mãos por debaixo da viatura. De costas ficava mais fácil fazer a alavanca. Carlos e Willdson colocaram-se um de cada lado e seguiram seu exemplo.
A cada erguida, Henrick calçava com pedras e paus, até que fosse possível trocar o pneu em segurança.
O atraso foi de cinquenta minutos e para recuperarem o tempo deveriam sair de Bauru às 13:00 horas.
— Bem, se tudo correr sem problemas daqui pra frente, acho que cumpriremos o cronograma e...
Antes que Ramon pudesse finalizar seu pensamento, Carlos interrompeu.
— Qual o problema se chegarmos depois das 23:00 horas?
Ramon não respondeu de imediato. Estava fazendo algumas anotações. Willdson deu seta e seguiu a placa com destino ao centro da cidade. Era preciso encontrar um borracheiro para fazer o reparo no pneu. Ramon guardou a caneta no bolso do colete e só então se deu conta da pergunta de Carlos.
— Pra ser sincero, Carlão, não tenho certeza dessa possibilidade, mas, caso não cumpramos o nosso cronograma, teremos um problema muito sério.
— Mas, se apenas amanhã cedo vamos nos encontrar com o Coronel Krismmel em Aquidauana, que diferença faz chegarmos em Campo Grande uma ou duas horas mais tarde? Afinal, não vamos parar em Campo Grande apenas para passarmos a noite?
— Não exatamente, continuou Ramon. Temos um contato marcado com a Central exatamente às 23:00 horas, ou seja, 22:00 horas no horário local devido ao fuso horário. Esse contato será feito via satélite e o canal só estará aberto às 23:00 horas ou às 11:00 horas da manhã. Além disso, só conseguimos acessar se for aberto o espaço através da Central.
Henrick, que até então só acompanhara como ouvinte, entrou na conversa. Pra ele, as coisas poderiam seguir um caminho mais simples.
— Por que não fazemos o contato via telefone? Ou até mesmo pelo rádio?
— É arriscado demais, interveio Willdson. Telefone não é um meio de comunicação confiável. Sabe como é... Existe grampo, linha cruzada e o rádio não tem frequência exclusiva.
— Mas o que temos de tão especial para transmitir à Central?
Carlos não conseguiu disfarçar a sua curiosidade. Ele queria saber mais, pois tanto quanto Henrick, pouco sabia a respeito da missão.
Ramon acendeu um cigarro e, antes de responder, soprou a fumaça pela janela do carro.
— Pra dizer a verdade, Carlão, não temos nada a dizer à Central a não ser que tudo está sob controle. Contudo, talvez o Marcos tenha conseguido alguma coisa que possa nos ajudar. Não sabemos o que aconteceu no ponto M, a não ser que cinco homens, dos mais experientes, perderam contato com a Central há quatro anos. E o que está nos tirando o sono é que não temos a menor ideia do que vamos enfrentar lá.
— E de que forma vamos fazer contato? Não temos um computador aqui no carro ligado na rede!
— Vamos usar o sistema do Guerard.
— Guerard? Quem é Guerard?
— É um amigo pessoal e de muita confiança. Faz pesquisas no campo da Ufologia. É um contato da maior importância. Sabe que estamos com problemas, ainda que não saiba de que tipo.
Willdson parou o carro em frente a uma borracharia. Desceu e foi ter com o borracheiro.
Carlos pediu licença, empurrou o banco dianteiro do carro, abriu a porta e desceu, justificando a atitude.
— Vamos até a padaria enquanto isso? Quem sabe lá tem um café!
— Não é má ideia, não seria nada mal aproveitarmos para comer alguma coisa. Afinal, temos de ganhar tempo e almoçar agora nos atrasaria ainda mais.
Ramon desceu do carro acompanhado por Henrick. Enquanto atravessava a rua, gritou para o amigo que abria o porta-malas a fim de apanhar o pneu danificado.
— San, estamos aqui na padaria! Chega lá depois!
Willdson assentiu positivamente e entrou na borracharia. O borracheiro tirou a câmara de ar para fazer o conserto e descobriu que a mesma estava imprestável.
— Desculpa, moço, mas essa aqui não tem mais jeito!, disse o rapaz analisando o estrago.
— Coloca uma nova, falou Willdson. Que alternativa temos?
— É que eu não tenho, resmungou o borracheiro. Tem que buscar uma no centro da cidade!
Willdson ficou indignado, mas não tinha mesmo outra alternativa. Entrou no carro, deu a partida e foi em direção ao centro da cidade.
Quando voltou, todos já sabiam o que tinha acontecido e estavam à sua espera.
— San, disse Ramon enquanto Willdson descia do carro com a nova câmara de ar, vai comer alguma coisa que eu cuido disso agora.
Às 14:02h, a equipe finalmente saiu de Bauru com destino a Campo Grande. Haviam perdido uma hora e vinte minutos além do previsto, mas ainda tinham esperança de chegar no horário.
Marcos estava impaciente. Já passava de uma da manhã e até o momento nenhum contato. O canal da rede estava aberto. “Não é possível, pensou. A codificação está correta, o canal está aberto e, no entanto, eles não fazem contato”. O interfone tocou. Marcos atendeu já sabendo quem era do outro lado da linha o qual, inconformado, fez a mesma pergunta pela quarta vez. — Não, Fredy! Nenhum contato até agora, respondeu Marcos enquanto acionava alguns botões de controle. Logo o satélite estará fora de operação pra nós... — Não pode ser, retrucou Fredy com certo desespero na voz. Alguma coisa aconteceu! Marcos procurou manter a calma, mas no íntimo também estava apreensivo. As últimas informações enviadas pelo Coronel Krismmel naquela tarde eram bastante preocupantes. Marcos trocou o telefone de mão, reclinou-se na cadeira e tentou tranquilizar o Presidente. — Vá descansar, Fredy, eu vou ficar aqui mais um tempo. Não pense no pior. Conh
A perua rodava pela estrada com destino a Campo Grande. Ramon havia determinado que as paradas seriam apenas em extrema necessidade. Carlos estava no volante enquanto Ramon e Henrick, no banco traseiro, tentavam repousar um pouco. A rodovia, de uma única pista, estava praticamente vazia. Somente um ou outro caminhão transitava nela. Carlos desenvolvia boa velocidade, pois era preciso ganhar tempo. Para o mês de julho a temperatura estava agradável, apesar do ar estar bastante seco. O acostamento era ruim e a poeira, depositada pela falta de chuva, oferecia grande perigo caso fosse preciso uma saída estratégica. E era exatamente nisso que Carlos pensava quando reparou no retrovisor um Comodoro prata que desenvolvia a mesma velocidade. Ficou intrigado e, sem fazer comentários a respeito, afundou o pé no acelerador na tentativa de aumentar a distância. — Hei! Vai com calma, Carlão! falou Willdson em meio a um cochilo. Carlos não disse nada. Nenhuma palav
Ramon estava apreensivo. Uma coisa estava bastante clara: alguém tinha grande interesse em que a equipe de resgate não chegasse ao seu destino. Mas quem? E por quê? Agora, mais do que nunca, o cuidado tinha que ser redobrado. Ramon refletiu por um momento. Era necessário apressar as coisas, pois a escuridão da noite já havia se aproximado. Dirigiu-se até a mala do carro e apanhou uma lanterna. — Carlão, disse ele, fique de olho na estrada. Eu vou dar uma checada no estrago. Willdson, continuou, dá uma geral no Monza e veja o que pode descobrir. Leve o Henrick com você. Ele precisa aprender como se trabalha. Willdson apanhou sua lanterna e Henrick seguiu o seu exemplo. Cautelosamente atravessou a pista e se aproximou do Monza. Era um modelo quatro portas Classic, ano 89, verde metálico. Chegou mais próximo e abaixou-se até ao rés do chão. Vasculhou com a lanterna e nada constatou de especial. — Henrick, vá pelo outro lado e vasculhe. Veja se acha algum
Ninguém tocou em nada. Ramon havia colocado também suas luvas como precaução. O cadáver era de um homem aparentando cinquenta anos. Suas roupas demonstravam que era uma pessoa de fino trato. Ninguém tocou no morto, mas era possível visualizar suas mãos amarradas às suas costas. Pelas primárias deduções, ele havia sido executado com um tiro na cabeça. Ramon fechou o porta-malas do Monza ao mesmo tempo em que observava a placa. Não tinha lacre. — É fria, San! — O que foi que você disse? — Eu disse que a placa é fria. Não tem lacre, tá vendo? Ramon gravou instintivamente a numeração: DX 0454. — Vamos dar o fora daqui ou vamos ter de explicar muitas coisas, observou Ramon. Willdson, pela primeira vez, ficara surpreso com o amigo. — Mas, ... Ramon! Nós temos que fazer alguma coisa, avisar a polícia, ... sei lá!... — San, disse Ramon calmamente, raciocine um pouco. Olhe pro nosso carro e pro Monza. A primeira
Ramon estava no volante. Já era noite alta e a temperatura havia caído bastante. Era assim naquelas paragens. Durante o dia a temperatura podia chegar a 42°C e na madrugada poderia cair a 2°C. Os pensamentos estavam voltados para os últimos acontecimentos. Ramon começou a refazer a história. Quem os havia atacado conhecia muito bem o trajeto. Sabia que a parada anterior, para abastecimento da viatura, era a última antes de um espaço de aproximadamente 300 quilômetros. Era o chamado posto de segurança, pois até Campo Grande não haveria nenhum posto sequer. Com um carro mais possante, puderam controlar o tempo e a distância e atacar no momento oportuno. O Monza seria apenas uma isca. Provavelmente esperavam que a equipe parasse para socorrer o pseudo-acidentado para então abordá-los. Ou quem sabe, matá-los?... — Ramon, me esclarece uma coisa! Se alguém queria nos matar, por que não atiraram na gente no momento em que emparelharam conosco? — Não sei, Car
Eram duas horas da madrugada do dia seguinte quando a equipe de resgate chegou a Campo Grande. Instalou-se em um pequeno hotel, num apartamento com quatro camas, e procurou descansar naquele final de noite. Após o café da manhã, com toda a equipe descansada, foi dada sequência ao novo cronograma estabelecido. Começariam pela visita ao amigo Guerard. Ele estava no escritório de seu Centro de Pesquisas Ufológicas. Lá era editada a revista UFO Contact de circulação nacional. A recepção como sempre foi fantástica. Guerard ofereceu-lhes um café e, numa sala reservada, procurou se inteirar do objetivo da equipe. — Quer dizer que vocês estão de volta para novas descobertas? Ramon tinha de medir as palavras, pois mesmo para o amigo, algumas coisas deveriam ser omitidas. — Sabe o que é, Guerard, estamos sem contato com a equipe anterior já há algum tempo. Não sabemos exatamente o que aconteceu. Isso está nos preocupando. Ramon colocou a xícara
Fredy andava de um lado para outro em sua ampla sala no décimo segundo andar. Esfregava as mãos uma na outra demonstrando claramente sua aflição. Eram sete horas da manhã e as olheiras fundas no seu rosto denotavam as poucas e mal dormidas horas daquela noite. Marcos, próximo à porta, só acompanhava com os olhos. Havia passado a noite em claro na esperança de um sinal. Tinha de aproveitar que o satélite estava disponível full time nesse primeiro dia. Depois, seu acesso seria de apenas 15 minutos duas vezes ao dia. O telefone tocou. O segurança atendeu e transferiu na frequência especial para a sala da presidência. Fredy deu um pulo e antes mesmo do segundo toque já havia atendido. — Doutor Frederico, é o Coronel Krismmel pro senhor na linha especial. O Presidente odiava o próprio nome. Preferia ser chamado de Fredy, mas não contestou. Acionou um botão em um pequeno painel e travou todas as linhas de acesso. Da
Na guarita do 9º Batalhão de Engenharia de Combate, o Cabo aproximou-se da viatura. Ramon tirou do rosto o Ray-Ban, olhou para o soldado e respondeu a pergunta: — Ramon Karline, da CIFEC. O Coronel Krismmel está nos esperando. — Um momento, senhor! O Cabo foi até a guarita e interfonou. Em seguida, pediu suas identidades e deu-lhes em troca crachás de visitante. — Por favor, senhor, continuou o Cabo. Este soldado vai acompanhá-los. O soldado pediu licença e entrou no carro. Ramon já conhecia o caminho, pois já estivera naquele quartel em outra ocasião. Contudo, era preciso seguir o ritual. Na porta do pavilhão, estacionaram o veículo e um oficial veio apanhá-los. — Por aqui, senhores. O Coronel os espera. Subiram a escada que dava acesso ao gabinete do Coronel. Uma sala espaçosa com dois ambientes. Em um dos lados, uma extensa mesa com um computador. O outro ambiente continha um sofá e quatro poltronas dispostos