Leonardo estava sentado à mesa com a mãe. Gostava de tomar o lanche da tarde com ela e Breno. O clima era bom, e a companhia, agradável. Estavam desarmados e contentes. O menino parecia o mais feliz. Recebia cada gracejo que o pai fazia com muita diversão. Quando Breno adormeceu, os adultos começaram a conversar sobre os planos futuros.
— Então ela propôs conseguir uma música com uma banda famosa. Como é o nome?
— Não sei, filho... essa banda é famosa mesmo? Guiomar não confiava em nada que não visse com os próprios olhos, e, embora fosse uma grande fã da banda do filho, o restante do cenário musical não lhe despertava tanto interesse.— Eles são super famosos. Nível internacional. Você não faz ideia do quanto isso seria bom para nós.
Leonardo analisava com calma a situação. Tinha muita coisa a perder caso aceitasse.— Meu filho, mas se é assim, você deve aceitar a proposta. Essa moça parece querer o bem para você.
Os olhos da mãe brilharam, pensando que seu filho seria um grande astro.— O problema é o que ela está pedindo em troca, mãe.
Leonardo olhou para Breno, dormindo tranquilo no berço. Gosta demais desse garoto e da Jéssica para deixá-los assim. Fugir não parecia o melhor.— Mas, filho, pense bem, a Jéssica te adora e aceita tudo o que você quer dar. Ela vai te aceitar de qualquer jeito.
Guiomar achava que Jéssica não tinha nada a reclamar; muito ao contrário, tinha era que ficar feliz por ter um marido tão perfeito quanto Leonardo. O que seria um tempo fora, perto do benefício de ter um homem tão maravilhoso quanto o filho dela?— Não sei. Ela pode não aceitar tão fácil. Pode ser que ela reclame, se zangue e nunca me perdoe.
Leonardo estava inclinado a deixar isso de lado e tentar essa parceria sem a Clara envolvida.— É claro que ela vai aceitar. Jéssica sempre te aceita em tudo. É dever dela, como uma boa esposa, apoiar a sua carreira. E, além disso, ela se vira muito bem sem você por perto.
Guiomar não aceitava que Jéssica interferisse em nada na carreira do filho. Nunca gostou muito da nora. Considerava que ela era um peso que Leonardo carregava. Jéssica, sempre com aquela carinha de inocente e o jeito impetuoso, virou a cabeça de Leonardo de uma maneira que ele não ouvia mais os conselhos da mãe, nem lhe dava tanta atenção. Parecia que ela havia se tornado mais importante, e que agora só a vontade da "princesa" Jéssica importava. Tudo o que ela podia fazer para tornar a vida de Jéssica mais difícil, ela fazia.
Leonardo absorveu cada palavra da mãe. Era verdade: Jéssica sempre procurava agradar, fazendo o possível para mantê-lo feliz. Era condescendente com o comportamento dele e fazia o que podia para garantir que ele estivesse bem e satisfeito. Mas fugir seria algo que ele nunca tentou. Ela sequer desconfiava de Clara. Sumir assim seria algo totalmente novo e muito arriscado. Guiomar percebeu a dúvida no olhar do filho e decidiu ajudá-lo a tomar a decisão que acreditava ser a melhor.— Filho, a Jéssica não tem para onde ir. Ela não tem família, nem amigos. Esse empreguinho fuleiro de caixa é a coisa mais importante que ela tem. Para onde ela iria? Claro que ela vai te aceitar de volta e ainda te tratar como um rei quando você voltar.
O tom que a mãe usava era doce e gentil. Parecia que recitava uma poesia de tão calma e confiante que soava. Leonardo sorriu, sentindo-se sortudo por ter uma mãe que o apoiava em tudo. Se sua mãe estivesse certa, ele poderia sair uns meses em viagem e voltar para casa depois. Poderia convencer Jéssica de que era uma turnê, fazer seu nome, deixar Clara e voltar para a família com toda a fama e glória que ele merece. Talvez ter tudo seja possível para algumas pessoas, e ele está entre esses escolhidos de Deus.— De repente, quando ela ver que eu voltei rico, possa me perdoar mais facilmente e nossa família possa ser feliz.
— Claro que vai. Jéssica é uma qualquer sem futuro. No tempo que você passar fora, nada vai acontecer com ela. Pode ir tranquilo que tudo estará igual quando você voltar. Deixando essa ideia fermentar e ganhar força em seu coração, Leonardo saiu empurrando o carrinho de Breno. Olhava cada traço e cada detalhe do menino. Achava-o tão parecido com ela, os traços negróides, o jeito tranquilo, a felicidade constante. A alegria que via em seus olhos quando chegava. Tudo isso era o combo total de felicidade de Leonardo. Abrir mão disso era algo bastante doloroso para ele. No entanto, acima de Breno, ele podia ver um futuro de estrela, com fãs gritando pelo seu nome e mais dinheiro do que poderia conseguir nessa cidade miserável que é Pedra Branca. Havia um futuro para Leonardo, que, estando aqui, ele não poderia conseguir de jeito nenhum.Jéssica chegou do supermercado e se surpreendeu ao encontrar a casa limpa e perfumada. Breno arrumado e perfumado, e um cheiro de jantar que lhe despertou o apetite.
— O que está acontecendo aqui? Eu morri e fui para o paraíso?
Respondeu, sem nenhuma intenção de disfarçar o sorriso que tinha nos lábios. Estava cada dia mais entusiasmada com a mudança de Leonardo. Normalmente, ele costumava deixar que ela fizesse todo o trabalho da casa e ainda cobrava a comida. Agora ele estava fazendo tudo o que podia para mostrar que se importava com ela. Será que finalmente ele se tocou de que era um bom marido e que tinha responsabilidade?— Estava faltando você para ser o paraíso completo.
Leonardo a beijou e rodopiou pela cozinha. — Senti tanta saudade. Parecia que você não chegava nunca. Ele reclamou da demora; ultimamente, ela estava chegando mais tarde do que o normal.— Oh, meu amor, é o curso que estou fazendo, lembra? Fui convidada para fazer. Se eu me sair bem, tenho a possibilidade de ser promovida.
Jéssica estava derretida nos braços do marido. Seu ar de contentamento contagiava o ambiente e fazia Breno se divertir com a cena.— Promoção. Isso é incrível. Viu, bebê, sua mãe será gerente, o que acha?
Ele a segurava pela cintura enquanto rodopiava pela cozinha.— Tenho uma novidade para você também. Recebi uma proposta de feat com a banda Pegasus.
Ele observou para ver a reação de Jéssica. Ela vibrou verdadeiramente com a notícia. Era um presente dos céus e agora sua vida finalmente entraria nos eixos, num lugar bom, com mais felicidade e companheirismo no dia a dia. Leonardo ficou aliviado quando viu a reação dela. Pensou: “Sim, ela vai entender e me perdoar.”Estavam num almoço de comemoração. O feat estourou nos primeiros lugares de audiência em todas as plataformas de música e nas rádios. A banda Pegasus foi convidada pela prefeitura de Pedra Branca para fazer uma apresentação com a banda de Leonardo.Todos estavam felizes, principalmente Clara. Seu plano deu certo: Hugo parou de fazer tantas perguntas e acreditava em tudo o que ela dizia sobre o dinheiro e os trabalhos que ela fazia fora do escopo normal.Faltava uma única peça para o seu quebra-cabeça se encaixar como o planejado. E algo dizia que isso aconteceria hoje. Ramon, empresário da banda Pegasus, tinha uma proposta para fazer a Leonardo.— Garotos, tenho que dizer: notamos o potencial de vocês. A aceitação do público foi muito rápida e vocês têm tudo para chegar ao topo. Conversei com a gravadora e estamos prontos para assinar um contrato com vocês.Os olhos de Leonardo brilharam de êxtase nesse momento. Era exatamente o que ele queria. Seu esforço em aguentar a Clara finalment
O dia começou como a continuação de um sonho. Leonardo estava na cama, o peito arfando num ritmo concentrado. Breno mamou apenas uma vez e seguia o pai no sono restaurador. Jéssica cuidadosamente retirou a coberta e, pé por pé, caminhou até o banheiro para um banho quente e hidratante com o kit caro que ganhara de presente do marido. Vestiu o uniforme que já estava passado e colocou o perfume favorito do marido. Com um toque de carinho todo especial, preparou o café da manhã de todos: a toalha de mesa rendada, a louça cara que herdara do avô, quitando o que ela mesma fizera para o momento. Não tinha motivos para não oferecer o melhor que possuía, pois estava recebendo tanto carinho ultimamente. Decidia se deveria acordar ou não o marido quando eles irromperam na cozinha. — Que mesa linda! Como você é caprichosa, meu amor. Um beijo selava a paixão mútua e cada vez maior que pairava sobre aquele lar. — Tudo para vocês. Bom dia, meu amor. Cadê o lindo da mamãe? Breno, de mãozinhas e
Do outro lado da cidade, Hugo estava em reunião com o detetive. O homem barrigudo iniciou o assunto sem muito tato. O tempo de carreira o ensinara algumas coisas sobre como proceder em situações desse tipo, principalmente quando as notícias eram tão graves.— Olha, menino, infelizmente, as notícias não são nada boas. Sua esposa está sendo infiel há bastante tempo, pelo que pude apurar. — Disse, direto e certeiro. Hugo não tinha tempo a perder, especialmente porque estava bastante desconfiado do comportamento de Clara ultimamente. Ela estava prestes a aprontar algo grande.— O quê?! Como essa m*****a teve coragem?! — Hugo desferiu um murro forte na mesa e lançou um olhar furioso para o pequeno homem à sua frente. Em choque com as fotos nas mãos, viu seu mundo desmoronar. Deu tudo o que tinha para fazer de Clara a estrela que ela queria ser, e veja só onde ela estava agora: traindo, enganando e mentindo para o homem que a ajudou durante todo esse tempo.— Sinto muito, rapaz. — O homem se
Depois que o homem saiu, Jéssica teve forças apenas para trancar o portão e voltou a chorar copiosamente. O que faria? Como sobreviveria sozinha sem Leonardo? Tudo o que sabia da vida, aprendeu com ele. E essa história de que ele fugiu com outra? Será verdade? Como nunca desconfiou de nada? Que tipo de mulher ela era, que não percebera nada? O que seria de Breno sem o pai? Eles eram tão apegados... Ligou para o telefone dele várias vezes. A cada tentativa, a mensagem dizia que o número não existia. Pensou em ligar para a sogra, mas sabia que ela não a ajudaria. Não tinha o contato de mais ninguém da banda. Estava largada à própria sorte. Toda essa confusão de informações, cobranças e medos crescia em sua mente, inundando seu coração de uma tristeza sem tamanho. Como ele teve coragem de abandoná-la? Por causa dele, ela havia desistido dos estudos! Por causa dele, foi expulsa de casa! Por causa dele, se entregou e foi mãe aos dezessete anos! Como ele pôde
Janete, sentindo-se no poder, tomou a decisão que estava em seu coração desde que assistiu à live de Hugo: tomaria tudo o que era de Jéssica, inclusive a admiração de Luan. Afinal, Jéssica nunca teve nada demais. Fez questão de mostrar o vídeo para todos no trabalho e inventar todas as histórias possíveis sobre o assunto. Aproveitava-se de sua proximidade com todos e mentia, certa de que ninguém ousaria questioná-la. Conseguir a vaga de Jéssica foi pouco; ela queria vê-la na sarjeta, como coisa repulsiva que ela era. Metida a melhor que todos, sempre de bom humor, sempre gentil. Jéssica sentiu a última facada, a apunhalada final no coração. Faltou-lhe o ar, e ela ficou paralisada por um minuto. Essa mulher se dizia sua amiga, a mais fiel. Garantiu que guardaria todos os segredos dela e a protegeria caso algo ruim acontecesse. E veja em que situação se encontrava agora. Sentiu a dor atravessar seu corpo de uma vez, mas não conseguia gritar, nem chorar. Era como se tivesse sido consu
Hugo chegou em casa furioso. Não conseguia se conformar por ter sido tão ingênuo! Aquela vadia o enganou por tantos anos, fazendo-se de boazinha para conquistar sua confiança. — M*****a! — Atirou um vaso na parede. Arrependeu-se logo em seguida, pois não queria assustar as crianças. Respirou aliviado ao perceber que elas não estavam chegando. Esquecera-se de que pedira à filha da vizinha para brincar com elas enquanto resolvia algo com Clara. Sua live foi um fracasso. Não conseguiu a exposição que desejava e fez papel de idiota. Depois que a raiva passou, restou-lhe a humilhação, a vergonha. Não sabia como enfrentaria os conhecidos no dia seguinte. Não fazia ideia de como sustentaria os filhos, já que seu trabalho era exclusivamente cuidar da carreira da esposa. Mais que um coração partido, ele tinha um buraco total na existência. Clara era todo o seu mundo. A dona do negócio onde ele trabalhava, a mãe de seus filhos, sua esposa. Sem ela, o que restava? Nada! Ele se sentia vazio e i
Hugo se culpava por tudo: a negligência com os filhos, a dor que eles passaram, a medo que deveriam sentir, o sumiço da mãe, sem nenhum tipo de despedida ou explicação. Todas essas emoções tomavam conta de seu peito. Uma pontada aguda o atravessou. Que tipo de homem não consegue proteger os filhos? Não sabe cuidar da família? Não percebe o que acontece dentro de sua própria casa? Andava pelo quarto observando os filhos dormindo, com os bracinhos perfurados pelas agulhas da bolsa com vitaminas. Mais do que remorso, o que mais o feria era o sentimento de parecer um ser desnecessário. Não servia para nada nesta vida miserável. Um homem que não protege a família é um inútil. Afundado nesse momento de autocomiseração, ouviu de longe a recepcionista falando algo sobre o cartão não ter sido aprovado e devolvendo o plástico para ele. Ele lhe deu outro, e outro, mas sempre voltava com a mesma expressão. — Desculpe, senhor, todos os cartões foram recusados. Sem o pagamento, não poderemos ate
Um novo dia trouxe um ânimo levemente melhorado para Jéssica. A tela do celular brilhou, informando que havia saldo na conta. Luan apressou o pagamento da rescisão e ainda exigiu que fosse paga uma indenização pelo que Janete fizera na frente de todos.Isso ajudava a manter as coisas, pelo menos, até o fim deste mês. Encontrar um novo emprego seria muito difícil. Ela pensava no que poderia encontrar nas pessoas quando saísse pela porta da frente. Não tinha nenhuma confiança em si mesma nesse momento.Era desafiador olhar para o futuro com positividade diante de tanta tristeza que a rodeava. Criava coragem para sair e enviar currículos quando alguém bateu na porta. Receosa sobre que tipo de visita receberia naquele momento, abriu devagar.— Mãe? Por um momento, teve a ilusão de que a mãe soubera da situação e viera até ali para ampará-la, prestar apoio e lhe acolher neste momento de dor tão grande.— Que bela palhaçada você arrumou, hein? Júlia entrou sem esperar convite. Queria ver co