Hugo ficou muito incomodado quando viu os vídeos de Clara na festa. Ela não havia falado nada com ele sobre a presença vip, não seguiu o combinado no posicionamento da marca e apareceu bebendo e sensualizando sozinha. Os patrocinadores estavam reclamando, o telefone não parava de tocar.
Há alguns meses, Clara vinha agindo de forma estranha. Inventando coisas fora do nicho, com uma ideia fixa de baladas e saídas misteriosas, das quais ele não sabia nada. E tem o fato de que alguns pagamentos estavam completamente errados. Quando questionados, os clientes disseram que pagaram na conta que Clara mandou. Acontece que ele descobriu que essa conta era só dela, e ele não tinha acesso. Coisas estranhas que ela deveria explicar de uma vez por todas.
— Que raios você estava fazendo na boate do clube de madrugada? — Ele invadiu o quarto, que, em plenas duas da tarde, estava escuro e em silêncio total.
— O quê? Que droga, Hugo, eu estava dormindo! Tem alguma coisa pegando fogo pra você entrar assim? — Ela se irritou por ser acordada de maneira tão brusca.
— Já viu suas redes? Os vídeos estão se multiplicando! Os patrocinadores estão muito preocupados com o que vai ser das imagens. Estou tendo que me desdobrar pra explicar que foi apenas uma vez. Que droga você foi fazer em festa sem me avisar? — Ele estava muito irritado e não tinha o tato para lidar com a esposa. Clara era mimada e gostava de ser bajulada.
— Por que você está falando assim? Não é nada demais, apenas uma festa. Você viajou para resolver a questão do podquest, então foi uma festa de última hora, não tinha como falar com você. — Ela estava falando a verdade em partes; ele realmente estava fora da cidade, mas ela poderia ter ligado.
— Por que não me ligou? E por que os pagamentos não estão batendo? O dinheiro não está entrando no banco de costume, apenas saindo?
Clara rolou os olhos em desgosto. Pra ela, ficava cada vez mais insuportável ficar com Hugo. Ele era controlador demais e não dava espaço pra ela ser ela mesma. Seu caso com Leonardo começou justamente numa fase de briga, exatamente como essa. Parecia que estavam em constante dissonância de ideias sobre a vida que queriam viver.
Levantou-se e foi pro banheiro. Seu sono de beleza já estava arruinado mesmo. O melhor era se levantar e gravar o conteúdo do dia. A ideia de fugir daquela casa começou a crescer dentro dela, conforme o relacionamento com Leonardo se tornou mais intenso e prazeroso do que o constante trabalho com a casa e os filhos. Se não fosse pelas redes sociais, teria fugido a muito mais tempo.
— Seu telefone estava desligado. A conta estava bloqueada, por problemas internos do banco, tive que fazer outra e acabei esquecendo de trocar. Não tem nada demais nisso. — O tom tranquilo e a calma fizeram Hugo duvidar das palavras dela. Eram convincentes demais, e ele sentia que havia algo errado ali.
— Outra coisa. Se você virou a madrugada na festa, quem ficou com as crianças? — A resposta para essa pergunta poderia trazer o caos dentro de casa. Lidar com as crianças era a cereja do topo, do que Clara considerava, o bolo de merda que era essa família.
Precisava fazer Leonardo aceitar sua proposta o quanto antes e fugir dessa casa onde não tinha um minuto de paz.
— Contratei uma babá temporária. Filha de uma das empregadas das vizinhas. — Ela entrou no chuveiro, o barulho abafava a voz irritada de Hugo.
— Você colocou uma estranha dentro de casa com nossos filhos?! Não é possível! — Hugo considerou que ela tinha passado de todos os limites dessa vez. Que tipo de mãe colocaria uma pessoa estranha em casa para curtir uma noite de balada?
— O que tem isso? Eles estão inteiros, não estão? Para de ser tão preocupado. Foi só mais um trabalho. — O tom da fala era indiferente. Clara parecia não se importar com as consequências de suas ações.
Olhando para a mulher à sua frente e para as fotos e vídeos que surgiam da festa, Hugo percebeu que não conhecia a esposa. Não podia ter uma impressão tão diferente do comportamento que ela vinha apresentando. Clara estava fazendo muito mais do que parecia.
E esse descuido com os filhos... Ele precisava entender direito o que estava acontecendo. Saiu sem dizer mais nenhuma palavra. Cobrar respostas e explicações de Clara era inútil; ela já tinha dado todos os indícios de que não se importava com nada disso.
Procurou um velho conhecido, um detetive particular, para investigar a esposa e ver o tamanho do buraco em que estava metido. Se ela estivesse armando alguma coisa, ele iria descobrir.
Clara, no chuveiro, notou que o banheiro ficou silencioso de repente. Hugo havia saído, deixando-a em paz. O problema é que algo no tom dele a incomodou profundamente. Hugo parecia mais irritado do que o normal. Ele parecia...
Seu cérebro buscava a palavra certa, enquanto ainda não despertava completamente.
Parece... desconfiado! Será que ele desconfia de mim? Será que ouviu algo sobre o Leonardo? Preciso apressar as coisas e fazer Leonardo sumir comigo o quanto antes. Se Hugo descobrir tudo, estarei perdida e ficarei sem nada. Clara assinou um contrato pré-nupcial que dizia que, em caso de traição, ela sairia sem nada. Cortesia da sogra. Tomara que ela esteja descansando no inferno!
Pensamentos de pânico inundaram sua mente quando Maria apareceu no quarto. Estava buscando pelo pai. Levou um grande susto quando viu a mãe.
— O que você quer aqui? Já não te falei pra não me incomodar com nada? — Ela falou muito grosseiramente com as crianças sempre que Hugo não estava por perto.
— Eu vim chamar o papai. — Maria abaixou a cabeça e tentou sair correndo.
Clara a agarrou pelo braço violentamente e deu o recado:
— Escuta, sua coisinha de cabelo ruim. Eu te proíbo de dizer ao seu pai que você ficou sozinha em casa no dia da festa. Se ele perguntar, você vai dizer que ficou com uma babá e que foi ótimo, entendeu? — Ela apertava o braço da filha com brutalidade, tinha um olhar ameaçador e nenhum pingo de carinho na fala. Parecia terrivelmente assustadora para aquela que deveria proteger.
— Sim. D. Clara. — Maria, com lágrimas nos olhos, não entendia o que tinha feito de errado para merecer esse tratamento. Queria apenas ajuda do pai para fazer algo para Hugo comer. Fez questão de aprender a trocar fralda para não ter que pedir ajuda para isso. E pensava em ensiná-lo a usar o banheiro sozinho para diminuir as tarefas. Tentava tudo o que podia para não pedir nada à mãe.
— E vá vestir a roupa boa, que temos que gravar. Faz tempo que vocês não aparecem nas minhas redes e eu preciso deixar os patrocinadores felizes. Vista o seu irmão também.
Ela saiu correndo, com medo. Odiava gravar com a mãe, mas não podia dizer nada, ou apanhava muito. Clara sempre inventava brincadeiras que pareciam divertidas nos vídeos, mas eram torturas disfarçadas. Teve uma vez que ela inventou de fazer uma brincadeira de comer coisas e deu cebola crua tingida para parecer salgadinho. Maria teve que comer sem demonstrar que estava ardendo a boca. Chorava, enquanto arrumava o irmão, com medo do que viveria naquele dia.
Leonardo estava sentado à mesa com a mãe. Gostava de tomar o lanche da tarde com ela e Breno. O clima era bom, e a companhia, agradável. Estavam desarmados e contentes. O menino parecia o mais feliz. Recebia cada gracejo que o pai fazia com muita diversão. Quando Breno adormeceu, os adultos começaram a conversar sobre os planos futuros.— Então ela propôs conseguir uma música com uma banda famosa. Como é o nome?— Não sei, filho... essa banda é famosa mesmo?Guiomar não confiava em nada que não visse com os próprios olhos, e, embora fosse uma grande fã da banda do filho, o restante do cenário musical não lhe despertava tanto interesse.— Eles são super famosos. Nível internacional. Você não faz ideia do quanto isso seria bom para nós.Leonardo analisava com calma a situação. Tinha muita coisa a perder caso aceitasse.— Meu filho, mas se é assim, você deve aceitar a proposta. Essa moça parece querer o bem para você.Os olhos da mãe brilharam, pensando que seu filho seria um grande astr
Estavam num almoço de comemoração. O feat estourou nos primeiros lugares de audiência em todas as plataformas de música e nas rádios. A banda Pegasus foi convidada pela prefeitura de Pedra Branca para fazer uma apresentação com a banda de Leonardo.Todos estavam felizes, principalmente Clara. Seu plano deu certo: Hugo parou de fazer tantas perguntas e acreditava em tudo o que ela dizia sobre o dinheiro e os trabalhos que ela fazia fora do escopo normal.Faltava uma única peça para o seu quebra-cabeça se encaixar como o planejado. E algo dizia que isso aconteceria hoje. Ramon, empresário da banda Pegasus, tinha uma proposta para fazer a Leonardo.— Garotos, tenho que dizer: notamos o potencial de vocês. A aceitação do público foi muito rápida e vocês têm tudo para chegar ao topo. Conversei com a gravadora e estamos prontos para assinar um contrato com vocês.Os olhos de Leonardo brilharam de êxtase nesse momento. Era exatamente o que ele queria. Seu esforço em aguentar a Clara finalment
O dia começou como a continuação de um sonho. Leonardo estava na cama, o peito arfando num ritmo concentrado. Breno mamou apenas uma vez e seguia o pai no sono restaurador. Jéssica cuidadosamente retirou a coberta e, pé por pé, caminhou até o banheiro para um banho quente e hidratante com o kit caro que ganhara de presente do marido. Vestiu o uniforme que já estava passado e colocou o perfume favorito do marido. Com um toque de carinho todo especial, preparou o café da manhã de todos: a toalha de mesa rendada, a louça cara que herdara do avô, quitando o que ela mesma fizera para o momento. Não tinha motivos para não oferecer o melhor que possuía, pois estava recebendo tanto carinho ultimamente. Decidia se deveria acordar ou não o marido quando eles irromperam na cozinha. — Que mesa linda! Como você é caprichosa, meu amor. Um beijo selava a paixão mútua e cada vez maior que pairava sobre aquele lar. — Tudo para vocês. Bom dia, meu amor. Cadê o lindo da mamãe? Breno, de mãozinhas e
Do outro lado da cidade, Hugo estava em reunião com o detetive. O homem barrigudo iniciou o assunto sem muito tato. O tempo de carreira o ensinara algumas coisas sobre como proceder em situações desse tipo, principalmente quando as notícias eram tão graves.— Olha, menino, infelizmente, as notícias não são nada boas. Sua esposa está sendo infiel há bastante tempo, pelo que pude apurar. — Disse, direto e certeiro. Hugo não tinha tempo a perder, especialmente porque estava bastante desconfiado do comportamento de Clara ultimamente. Ela estava prestes a aprontar algo grande.— O quê?! Como essa m*****a teve coragem?! — Hugo desferiu um murro forte na mesa e lançou um olhar furioso para o pequeno homem à sua frente. Em choque com as fotos nas mãos, viu seu mundo desmoronar. Deu tudo o que tinha para fazer de Clara a estrela que ela queria ser, e veja só onde ela estava agora: traindo, enganando e mentindo para o homem que a ajudou durante todo esse tempo.— Sinto muito, rapaz. — O homem se
Depois que o homem saiu, Jéssica teve forças apenas para trancar o portão e voltou a chorar copiosamente. O que faria? Como sobreviveria sozinha sem Leonardo? Tudo o que sabia da vida, aprendeu com ele. E essa história de que ele fugiu com outra? Será verdade? Como nunca desconfiou de nada? Que tipo de mulher ela era, que não percebera nada? O que seria de Breno sem o pai? Eles eram tão apegados... Ligou para o telefone dele várias vezes. A cada tentativa, a mensagem dizia que o número não existia. Pensou em ligar para a sogra, mas sabia que ela não a ajudaria. Não tinha o contato de mais ninguém da banda. Estava largada à própria sorte. Toda essa confusão de informações, cobranças e medos crescia em sua mente, inundando seu coração de uma tristeza sem tamanho. Como ele teve coragem de abandoná-la? Por causa dele, ela havia desistido dos estudos! Por causa dele, foi expulsa de casa! Por causa dele, se entregou e foi mãe aos dezessete anos! Como ele pôde
Janete, sentindo-se no poder, tomou a decisão que estava em seu coração desde que assistiu à live de Hugo: tomaria tudo o que era de Jéssica, inclusive a admiração de Luan. Afinal, Jéssica nunca teve nada demais. Fez questão de mostrar o vídeo para todos no trabalho e inventar todas as histórias possíveis sobre o assunto. Aproveitava-se de sua proximidade com todos e mentia, certa de que ninguém ousaria questioná-la. Conseguir a vaga de Jéssica foi pouco; ela queria vê-la na sarjeta, como coisa repulsiva que ela era. Metida a melhor que todos, sempre de bom humor, sempre gentil. Jéssica sentiu a última facada, a apunhalada final no coração. Faltou-lhe o ar, e ela ficou paralisada por um minuto. Essa mulher se dizia sua amiga, a mais fiel. Garantiu que guardaria todos os segredos dela e a protegeria caso algo ruim acontecesse. E veja em que situação se encontrava agora. Sentiu a dor atravessar seu corpo de uma vez, mas não conseguia gritar, nem chorar. Era como se tivesse sido consu
Hugo chegou em casa furioso. Não conseguia se conformar por ter sido tão ingênuo! Aquela vadia o enganou por tantos anos, fazendo-se de boazinha para conquistar sua confiança. — M*****a! — Atirou um vaso na parede. Arrependeu-se logo em seguida, pois não queria assustar as crianças. Respirou aliviado ao perceber que elas não estavam chegando. Esquecera-se de que pedira à filha da vizinha para brincar com elas enquanto resolvia algo com Clara. Sua live foi um fracasso. Não conseguiu a exposição que desejava e fez papel de idiota. Depois que a raiva passou, restou-lhe a humilhação, a vergonha. Não sabia como enfrentaria os conhecidos no dia seguinte. Não fazia ideia de como sustentaria os filhos, já que seu trabalho era exclusivamente cuidar da carreira da esposa. Mais que um coração partido, ele tinha um buraco total na existência. Clara era todo o seu mundo. A dona do negócio onde ele trabalhava, a mãe de seus filhos, sua esposa. Sem ela, o que restava? Nada! Ele se sentia vazio e i
Hugo se culpava por tudo: a negligência com os filhos, a dor que eles passaram, a medo que deveriam sentir, o sumiço da mãe, sem nenhum tipo de despedida ou explicação. Todas essas emoções tomavam conta de seu peito. Uma pontada aguda o atravessou. Que tipo de homem não consegue proteger os filhos? Não sabe cuidar da família? Não percebe o que acontece dentro de sua própria casa? Andava pelo quarto observando os filhos dormindo, com os bracinhos perfurados pelas agulhas da bolsa com vitaminas. Mais do que remorso, o que mais o feria era o sentimento de parecer um ser desnecessário. Não servia para nada nesta vida miserável. Um homem que não protege a família é um inútil. Afundado nesse momento de autocomiseração, ouviu de longe a recepcionista falando algo sobre o cartão não ter sido aprovado e devolvendo o plástico para ele. Ele lhe deu outro, e outro, mas sempre voltava com a mesma expressão. — Desculpe, senhor, todos os cartões foram recusados. Sem o pagamento, não poderemos ate