Do outro lado da cidade, Hugo estava em reunião com o detetive. O homem barrigudo iniciou o assunto sem muito tato. O tempo de carreira o ensinara algumas coisas sobre como proceder em situações desse tipo, principalmente quando as notícias eram tão graves.
— Olha, menino, infelizmente, as notícias não são nada boas. Sua esposa está sendo infiel há bastante tempo, pelo que pude apurar. — Disse, direto e certeiro. Hugo não tinha tempo a perder, especialmente porque estava bastante desconfiado do comportamento de Clara ultimamente. Ela estava prestes a aprontar algo grande.
— O quê?! Como essa m*****a teve coragem?! — Hugo desferiu um murro forte na mesa e lançou um olhar furioso para o pequeno homem à sua frente. Em choque com as fotos nas mãos, viu seu mundo desmoronar. Deu tudo o que tinha para fazer de Clara a estrela que ela queria ser, e veja só onde ela estava agora: traindo, enganando e mentindo para o homem que a ajudou durante todo esse tempo.
— Sinto muito, rapaz. — O homem se compadecia genuinamente de Hugo. No decorrer de sua profissão, ele aprendera que nem todo traído é coitado, e que alguns mereciam ser enganados. Hugo era uma exceção; ele se mostrara leal e fiel, e não merecia uma esposa assim.
— Descubra a hora em que eles vão se encontrar de novo. Quero armar um flagrante e desmascarar essa vagabunda para todos! — Hugo cuspiu as palavras, determinado. Jamais perdoaria essa mulher por esse desgosto. Como falaria isso com os filhos?
— Essa tarde, eles devem se encontrar. Quase todo dia estão nesse endereço. É fácil passar despercebido devido ao entra e sai dos membros da banda.
— Eu estarei lá para exibir o show dessa vez. — Hugo disse, quase como uma promessa. Levantou-se, deixando o pagamento sobre a mesa. Clara se arrependeria de fazer isso com ele. Sua família seria o mínimo que ela perderia. Ele não permitiria que ela usufruísse de tudo o que ele proporcionou. Clara sairia desse casamento da mesma forma que entrou: sem nada! Ele garantiria isso pessoalmente. A exposição pública seria o menor dos problemas dela.
Jéssica, por sua vez, depois de resolver os desafios que o novo cargo impôs, correu para casa para contar a notícia. Decidiu fazer uma surpresa para o marido. Sabia que, naquele horário, havia ensaio da banda, então era a vez dela preparar um jantar romântico e uma noite de diversão em família. Correu para dar tempo de fazer tudo. Já levou o que precisava, buscou Breno e não se demorou. Quando chegou em casa, algo estranho chamou sua atenção: o portão estava aberto, e roupas suas estavam espalhadas, fazendo um rastro. Ela as catava, sentindo um frio na barriga.
Entrou e soltou um grito logo de cara:
— Leonardo! Está tudo bem? Leonardo! — Gritou, em voz alta, espalhando os gritos pelos cômodos revirados. Levaram quase toda a mobília da sala e da sala de jantar, os jogos de louça que ela herdara do avô, a cozinha planejada que ela pagara com tanto sacrifício, a geladeira e o fogão.
Subiu as escadas, temendo encontrar o marido machucado. Seu quarto estava todo revirado. Sem o guarda-roupa, com o colchão no chão, levaram o box e seus móveis de cabeceira, verdadeiras antiguidades. Tudo na casa tinha sido herança e tinha muito valor, pois seu avô fora muito rico.
Esses móveis eram parte da história dela. Cada peça levada era como um pedaço de sua vida e infância arrancado de forma violenta. As lágrimas surgiram, acompanhadas pela sensação de invasão e abandono.
Jéssica gritava entre lágrimas, buscando por Leonardo. Somente ao ver o quarto de Breno foi que notou que algo estava errado. O cômodo estava intacto. Não faltava nada e estava limpo e perfumado.
Uma sensação estranha começou a surgir em seu estômago. Algo não se encaixava, parecia estranho. Havia coisas de valor naquele quarto também.
O ar começou a faltar. Correndo de volta pela escada, ela continuava chamando pelo marido, que não respondia nem aparecia. Como um raio, a verdade a atingiu abruptamente.
— Ele me largou. O Leonardo me deixou... — Uma crise de choro se iniciou no meio da sala revirada. Olhou o porta-retrato quebrado no chão. O dia do seu casamento. Sentiu-se roubada: da vida que poderia ter tido, da herança que seu avô deixou para ela às custas de nunca mais falar com a filha, de seu tempo e empenho.
Arfava e revirava os cabelos, andando desorientada pelo cômodo bagunçado. Tentava dar a si mesma uma nova versão do que aquilo parecia. Não parava de chorar, mesmo quando se convencia de que estava havendo um engano, e que Leonardo entraria pela porta dizendo que foi um assalto terrível.
De repente, um homem alto e forte entrou, rodeado de câmeras. Ele gritava muito alto por alguém que Jéssica não conhecia:
— Aqui! Agora vocês vão ver o quanto a queridinha de vocês é vagabunda! Está me traindo com o dono dessa casa! Apareça, Clara! Mostre sua cara para os seus seguidores, deixe que vejam a vadia que você é!
Jéssica tentava, em vão, esconder o próprio rosto, mas o homem segurou seu braço e continuou gritando:
— O que você está fazendo aqui? Acobertando o casal? É outra vagabunda esperando sua vez de ser comida por esse cantorzinho de merda? Os olhos do homem estavam cheios de fúria. Jéssica se arrepiou inteira, cada vez mais confusa.
— Eu não sei do que está falando... Essa é a minha casa. Não tem nenhuma Clara aqui. — Jéssica tentava esclarecer, mas a chegada do homem piorou seu estado emocional. Suas palavras mal podiam ser ouvidas, um bolo de choro e ranho tampava sua garganta.
Hugo continuava andando pela casa, procurando Clara e arrastando Jéssica pelo braço. A essa altura, ela não resistia, apenas sentia a vergonha e a humilhação de ter esse momento filmado.
Enquanto vagava pelos cômodos vazios, Hugo percebeu o que estava acontecendo. A visão do quarto de bebê intacto o fez cair em si sobre a maneira como estava agindo com a moça. Pela primeira vez, olhou para Jéssica e percebeu o estado em que ela se encontrava.
— Encerre a live. — Ordenou à equipe e soltou a moça. — Onde eles estão? — Dessa vez, usou um tom moderado e quase compassivo.
— Eles quem? Só tem meu filho e eu aqui. — Ela continuava chorando, sem entender o que o homem falava.
— Eles fugiram. Seja qual for o seu relacionamento com esse Leonardo, não o espere. Ele não vai voltar. — Hugo deixou cair as próprias lágrimas de ódio. Como podia se deixar enganar dessa maneira? Saiu sem olhar para trás, deixando Jéssica devastada no chão.
Querida Leitora, coitada da Jéssica. Enganada de maneira tão suja. Comente o que achou e não se esqueça de curtir o perfil da autora pra ficar sabendo quando tiver novos lançamentos.
Depois que o homem saiu, Jéssica teve forças apenas para trancar o portão e voltou a chorar copiosamente. O que faria? Como sobreviveria sozinha sem Leonardo? Tudo o que sabia da vida, aprendeu com ele. E essa história de que ele fugiu com outra? Será verdade? Como nunca desconfiou de nada? Que tipo de mulher ela era, que não percebera nada? O que seria de Breno sem o pai? Eles eram tão apegados... Ligou para o telefone dele várias vezes. A cada tentativa, a mensagem dizia que o número não existia. Pensou em ligar para a sogra, mas sabia que ela não a ajudaria. Não tinha o contato de mais ninguém da banda. Estava largada à própria sorte. Toda essa confusão de informações, cobranças e medos crescia em sua mente, inundando seu coração de uma tristeza sem tamanho. Como ele teve coragem de abandoná-la? Por causa dele, ela havia desistido dos estudos! Por causa dele, foi expulsa de casa! Por causa dele, se entregou e foi mãe aos dezessete anos! Como ele pôde
Janete, sentindo-se no poder, tomou a decisão que estava em seu coração desde que assistiu à live de Hugo: tomaria tudo o que era de Jéssica, inclusive a admiração de Luan. Afinal, Jéssica nunca teve nada demais. Fez questão de mostrar o vídeo para todos no trabalho e inventar todas as histórias possíveis sobre o assunto. Aproveitava-se de sua proximidade com todos e mentia, certa de que ninguém ousaria questioná-la. Conseguir a vaga de Jéssica foi pouco; ela queria vê-la na sarjeta, como coisa repulsiva que ela era. Metida a melhor que todos, sempre de bom humor, sempre gentil. Jéssica sentiu a última facada, a apunhalada final no coração. Faltou-lhe o ar, e ela ficou paralisada por um minuto. Essa mulher se dizia sua amiga, a mais fiel. Garantiu que guardaria todos os segredos dela e a protegeria caso algo ruim acontecesse. E veja em que situação se encontrava agora. Sentiu a dor atravessar seu corpo de uma vez, mas não conseguia gritar, nem chorar. Era como se tivesse sido consu
Hugo chegou em casa furioso. Não conseguia se conformar por ter sido tão ingênuo! Aquela vadia o enganou por tantos anos, fazendo-se de boazinha para conquistar sua confiança. — M*****a! — Atirou um vaso na parede. Arrependeu-se logo em seguida, pois não queria assustar as crianças. Respirou aliviado ao perceber que elas não estavam chegando. Esquecera-se de que pedira à filha da vizinha para brincar com elas enquanto resolvia algo com Clara. Sua live foi um fracasso. Não conseguiu a exposição que desejava e fez papel de idiota. Depois que a raiva passou, restou-lhe a humilhação, a vergonha. Não sabia como enfrentaria os conhecidos no dia seguinte. Não fazia ideia de como sustentaria os filhos, já que seu trabalho era exclusivamente cuidar da carreira da esposa. Mais que um coração partido, ele tinha um buraco total na existência. Clara era todo o seu mundo. A dona do negócio onde ele trabalhava, a mãe de seus filhos, sua esposa. Sem ela, o que restava? Nada! Ele se sentia vazio e i
Hugo se culpava por tudo: a negligência com os filhos, a dor que eles passaram, a medo que deveriam sentir, o sumiço da mãe, sem nenhum tipo de despedida ou explicação. Todas essas emoções tomavam conta de seu peito. Uma pontada aguda o atravessou. Que tipo de homem não consegue proteger os filhos? Não sabe cuidar da família? Não percebe o que acontece dentro de sua própria casa? Andava pelo quarto observando os filhos dormindo, com os bracinhos perfurados pelas agulhas da bolsa com vitaminas. Mais do que remorso, o que mais o feria era o sentimento de parecer um ser desnecessário. Não servia para nada nesta vida miserável. Um homem que não protege a família é um inútil. Afundado nesse momento de autocomiseração, ouviu de longe a recepcionista falando algo sobre o cartão não ter sido aprovado e devolvendo o plástico para ele. Ele lhe deu outro, e outro, mas sempre voltava com a mesma expressão. — Desculpe, senhor, todos os cartões foram recusados. Sem o pagamento, não poderemos ate
Um novo dia trouxe um ânimo levemente melhorado para Jéssica. A tela do celular brilhou, informando que havia saldo na conta. Luan apressou o pagamento da rescisão e ainda exigiu que fosse paga uma indenização pelo que Janete fizera na frente de todos.Isso ajudava a manter as coisas, pelo menos, até o fim deste mês. Encontrar um novo emprego seria muito difícil. Ela pensava no que poderia encontrar nas pessoas quando saísse pela porta da frente. Não tinha nenhuma confiança em si mesma nesse momento.Era desafiador olhar para o futuro com positividade diante de tanta tristeza que a rodeava. Criava coragem para sair e enviar currículos quando alguém bateu na porta. Receosa sobre que tipo de visita receberia naquele momento, abriu devagar.— Mãe? Por um momento, teve a ilusão de que a mãe soubera da situação e viera até ali para ampará-la, prestar apoio e lhe acolher neste momento de dor tão grande.— Que bela palhaçada você arrumou, hein? Júlia entrou sem esperar convite. Queria ver co
Hugo pediu a ajuda do detetive para descobrir tudo sobre a mulher que encontrou na casa no dia da live. Seu semblante o impactou; parecia tão devastada quanto ele com o que aconteceu. Foi muito injusto com a moça e queria consertar isso. Ricardo tinha toda a razão. O linchamento virtual que Clara promoveu contra ele acabou com qualquer possibilidade de se reerguer em Pedra Branca. Nenhum contato sério quis fazer qualquer tipo de acordo com ele; as pessoas o olhavam como se fosse algum criminoso. Estava circulando entre os moradores do condomínio um abaixo-assinado para que fosse expulso. Recebeu apoio do pior tipo de gente que existe: abusadores de mulheres que achavam que ele era parte desse grupo asqueroso. Ia embora de Pedra Branca, recomeçar com os filhos em outro lugar, mas, antes, precisava se acertar com a pessoa que prejudicou, mesmo que sem querer. — Me deixa conversar com você um minuto. — Falou rápido, para que a moça não tivesse tempo de afastá-lo assim que o reconhecess
As crianças se entrosaram rapidamente. Em poucos minutos, já estavam brincando animadamente pela sala quase vazia. Maria tentava ajudar a preparar as coisas para a refeição. Queria garantir que Caio tivesse o que comer.Ela se sentiu um pouco sobrecarregada quando conheceu Breno, achando que precisaria cuidar dele também. No entanto, Jéssica, com toda a docilidade do mundo, lhe disse para se divertir, pois ela e seu pai cuidariam das crianças.A menina levou um choque. Ninguém nunca lhe pediu para brincar antes, e muito menos de forma tão carinhosa. "Além de linda, essa moça é muito boa", pensou, e obedeceu, pegando um carrinho para si.— Que bom que você trouxe as crianças para o Breno brincar. Olha como ele ficou feliz. Tivemos um momento muito difícil no parquinho hoje — disse Jéssica, sorrindo ao observar a cena.— Eles se deram bem de cara. Veja como brincam em harmonia — respondeu Hugo, enquanto preparava os sanduíches com um largo sorriso. Por alguns instantes, tudo parecia mais
Uma noite mal dormida rendeu um dia tempestuoso. As coisas tendem a ficar melancólicas quando somos arrastados por um mar de sentimentos sombrios. Jéssica com dificuldade se levantou do colchão para ir até Breno que ouvia chorar pela babá eletrônica. Passos arrastados, o corpo descoordenado e lento caminhava pelo corredor com coisas espalhadas do roubo ainda. Passou boa parte da noite vendo o perfil de Leonardo e Clara enojada e fissurada com o que via. Como um vício nocivo assolava qualquer possibilidade de seguir em frente que ela pudesse ter. Uma espécie de feitiço tomava conta do seu corpo e fazia com que ficasse ali parada vendo o desenrolar da mentira que aqueles dois estavam contando. A cada minuto aumentava a sensação de inferioridade em relação à Clara. A imagem de mulher indefesa que foi espancada e obrigada a fugir, contrastava tanto com a de guerreira que precisava resolver tudo sozinha e não tinha em quem se apoiar. Jéssica cuidava de Breno desconexa. Fazia tudo no aut