Capitulo 7

Deus do céu, minha cabeça estava doendo tanto que parecia que tinha sido atropelada por um caminhão. E meu nariz? Parece que não existia mais. Finalmente, parecia que eu estava começando a recuperar os sentidos, especialmente o olfato. Fiz uma lavagem nasal só por garantia e decidi aproveitar minha folga. Estava tudo tranquilo até ouvir uma gritaria no corredor.

Comecei a ignorar, pois não estava no clima de bancar a intrometida, mas então reconheci uma voz que me deixou alerta.

— Senhora, abaixe a faca agora! — Merda, era o Miguel? E por que alguém estava com uma faca? Levantei do sofá e abri a porta rapidamente. No meio do hall de entrada, vi Miguel tentando acalmar uma mulher que estava com uma faca de cozinha enorme, enquanto outra mulher gritava com as duas que estavam do outro lado dele.

— O que está acontecendo? — perguntei, confusa.

— Clarisse, volta agora para o apartamento! — Miguel disse, sua voz firme.

— O que está acontecendo? — perguntei de novo, sem entender.

— Essa vagabunda está tendo um caso com o meu marido! — gritou a mulher com a faca, parecendo furiosa.

— Você é uma ridícula! Só porque ele me olhou e ficou dando em cima, agora eu sou amante dele? Controla seu macho, minha senhora, e aproveita e vai se arrumar, porque mulher baranga ninguém quer! — Isso definitivamente ia dar merda.

— O quê? Fala de novo! — a doida da faca avançou na direção da outra.

— Senhora, eu já disse para me dar essa faca e vocês resolvem isso civilizadamente! — Miguel estava calmo demais, e eu não gostava disso.

— Miguel... você quer que eu chame alguém? — perguntei, preocupada.

— Quero que você entre agora, Clarisse! — disse ele entre os dentes, claramente irritado.

— Sabe de uma coisa? Eu não tenho um caso com aquele trouxa, mas agora eu faço questão de ter só para você ficar com a fama de chifruda! — Pronto, agora a doida da faca avançou com tudo. O idiota do Miguel interceptou, e ele nem estava armado. A amante — que, na verdade, não era amante — começou a gritar, e as duas que estavam com ela também começaram a sair na mão.

Não ia dar tempo de chamar alguém; só eu e Miguel estávamos ali para resolver a situação. O grito de Miguel me deixou em pânico, e não pensei duas vezes. Peguei o extintor que tinha ali e dei uma pancada na cabeça da doida, que desmaiou na hora.

A amiga dela, revoltada com a minha intromissão, largou a outra e veio para cima de mim. Sem pensar duas vezes, dei um cruzado de direita nela, e ela caiu em cima da amiga. Olhei para as duas, que estavam atordoadas, e dei de ombros.

— Se vierem, também vão levar! — elas ficaram quietas, sem saber como reagir. Olhei para Miguel e o ajudei a levantar; o braço dele sangrava.

— Que merda deu na sua cabeça em vir no meio de uma briga sem a sua arma, hein? — perguntei, brava, enquanto levantava a manga da blusa dele. Ele me impediu e eu bati na mão dele, verificando o corte. Era profundo; teríamos que limpar e fazer uns pontos.

— Era uma discussão feminina, não achei que precisaria de uma arma! — ele protestou, revirando os olhos.

— Sempre precisa de uma arma, ainda mais quando se trata de mulheres brigando! — respondi, e a mulher que estava prestes a ser atacada concordou.

— E você está esperando o que para ligar para a polícia? Vamos logo, antes que essas duas acordem! — disse ela, e sumiu na hora.

— Tenho que prendê-las! — eu assenti.

— Faça isso logo, mas venha para o meu apartamento. Preciso fazer um curativo nisso! — ele não contestou. Entrou, pegou as algemas de plástico e deixou as duas presas, aguardando a polícia, enquanto eu esperava como testemunha.

Peguei a maleta de medicamentos e comecei a limpar o ferimento dele.

— Tem material para fazer isso? — perguntou Miguel, e eu assenti.

— Ok, Clarisse, tenho que fazer algumas perguntas porque isso me deixa preocupado. Como policial, preciso saber. — Olhei para ele, desconfiada, mas assenti.

— Como aprendeu aquele golpe? — ele perguntou.

— Meu irmão me ensinou — respondi, limpando a ferida dele. Vi que ele não estava contente com a resposta, e respirei fundo.

— Fiz box na minha juventude. — Ele pareceu surpreso.

— E posso saber o porquê? — Olhei para ele, brava.

— Não. — Ele respirou fundo.

— Por que tem medicamentos de tarja preta? — O olhei envergonhada.

— Achei que você não tinha visto. — Ele me olhou bravo.

— Sou um tenente de polícia. Detalhes são importantes e dizem muito sobre uma pessoa. — Separei o material para a sutura.

— Miguel, não gosto de compartilhar informações sobre o meu passado ou sobre quem eu sou com uma pessoa que não conheço bem, e principalmente por pessoas com quem não tenho muito apreço. — Ele me olhou por alguns segundos e então respirou fundo.

— Não me obrigue a puxar seus dados pela polícia! — olhei para ele com desdém.

— Não tenho ficha criminal! — ele riu.

— Não precisa ter uma ficha criminal para a gente saber sobre alguém, Clarisse. Então, acho melhor você me contar antes que eu descubra sobre você de uma forma não muito legal. — Eu o olhei e respirei fundo, passando as mãos pelas coxas, um hábito que tinha quando estava nervosa.

— Eu lutava box com meus 15 ou 16 anos porque meu pai era oficial da aeronáutica e ele sempre quis que eu soubesse me defender. Eu realmente aprendi o golpe com meu irmão, que é tenente da marinha. Minha família é composta por pessoas que trabalham no exército brasileiro, então eu sei muito sobre combate físico. Esses medicamentos de tarja preta eu tomava há um ou dois anos atrás devido a crises de pânico e ansiedade que desenvolvi. Não tomo mais, mas prefiro manter os medicamentos aqui para qualquer eventualidade. — Respondi e o olhei. Ele parecia um pouco atônito com a informação. — Por favor, é só isso. Não pergunte sobre o que aconteceu; é pessoal, nada que você precise se preocupar.

— Clarisse, eu sou um policial, sabe que... — antes de terminar, eu o interrompi.

— Eu sei, Miguel. Meu pai era assim, e o Lucas também. Só não falarei mais do que isso. Não precisa se preocupar, não sou uma doida ou coisa do tipo! — disse nervosa com a exposição.

— Não te julguei como louca. Minha mãe também toma esses medicamentos; só queria entender o porquê. — Olhei de relance para ele.

— Por que ela toma? — perguntei.

— Meu pai era oficial da polícia também. Ele morreu em combate, e desde então, ela toma esses medicamentos. Ela nunca superou a morte dele e vive à base de remédio. — Suspirei, pegando o material de sutura.

— Eu sinto muito pela sua perda. — Ele assentiu.

— Eu era muito novo, quase não me lembro dele. — Assenti, começando a suturar.

— Ele devia ser muito importante para sua mãe. — Ele assentiu.

— Era sim, mas acho que ela ficou desse jeito porque ele deixou três filhos. Minha mãe era nova; no final, ela entrou em pânico. Imagine você planejar uma vida todinha com uma pessoa, e no dia seguinte ela não está mais lá! — Parei de suturá-lo e o olhei por alguns segundos.

— Eu... sei como é essa sensação. — Ele me olhou de volta, curioso.

— Espero que ela esteja bem. — Ele assentiu, ainda com curiosidade no olhar.

— Sim, ela está. — Assenti, voltando a suturá-lo. — Posso fazer uma pergunta? — O olhei brava, e ele riu.

— Qual é? Não é tão pessoal. — Não disse nada.

— Por que parece que a pessoa que está nas fotos não parece a pessoa que está aqui comigo? — O olhei e então olhei para o rack, onde estava uma foto minha em Santa Catarina, quando fiz uma viagem romântica para Balneário Camboriú. Ele tinha uma foto minha sorrindo no bondinho, com a paisagem da praia logo atrás.

— Porque eu não sou mais a mesma pessoa daquela foto! — disse, voltando a suturar.

— Uma pena. Ela parecia ser legal de se ter como vizinha. — Ri um pouco.

— Ela também tinha os mesmos costumes que o meu! — Ele riu.

— Mas parecia ser mais divertida! — Sorri um pouco.

— É, ela era! — Limpei o corte.

— Ela era noiva. — O olhei, séria.

— Desculpa, é difícil ignorar aquela enorme aliança. — Suspirei e continuei.

— O que aconteceu? — Respirei fundo.

— Para quem me odeia, você está querendo saber muito sobre minha vida! — Ele fez uma careta.

— Não te odeio! — Eu o olhei, séria.

— Ok, eu não te suporto, mas não te odeio. E bem, é a primeira vez que temos uma conversa amigável sem querer estrangular um ao outro! — O olhei e então olhei para a foto de novo.

— Ele me traiu! — Não olhei para sua reação; estava quase terminando o braço dele. Ele ficou em silêncio até eu terminar o corte.

— Para quem estava bem curioso, você até que ficou calado! — Ele estava sério.

— É um assunto delicado. Eu sei como é passar por isso e não gosto de falar sobre. — Agora eu que tinha ficado curiosa.

— Alguém te traiu? — perguntei, e ele assentiu.

— Isso é impossível de imaginar! — disse, colocando uma faixa em volta do braço dele.

— Por quê? — Perguntei, torcendo o nariz.

— Não te suporto, mas você é um homem muito bonito. A mulher tem que ter achado um Henry Cavill para te substituir! — Ele sorriu de lado.

— Vou usar essa fala contra você! — apertei o curativo e ele gemeu de dor, rindo.

— Ok! Parei! — Sorri um pouco.

— Pronto, só não faça muito esforço nesse braço por alguns dias. — Ele assentiu e me olhou.

— Obrigado. E, por favor, da próxima vez, não use o extintor na cabeça de alguém. Vai dar um trabalhão para eu explicar isso para a polícia. — E pela primeira vez em anos, eu dei uma risada.

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