Deus do céu, minha cabeça estava doendo tanto que parecia que tinha sido atropelada por um caminhão. E meu nariz? Parece que não existia mais. Finalmente, parecia que eu estava começando a recuperar os sentidos, especialmente o olfato. Fiz uma lavagem nasal só por garantia e decidi aproveitar minha folga. Estava tudo tranquilo até ouvir uma gritaria no corredor.
Comecei a ignorar, pois não estava no clima de bancar a intrometida, mas então reconheci uma voz que me deixou alerta.
— Senhora, abaixe a faca agora! — Merda, era o Miguel? E por que alguém estava com uma faca? Levantei do sofá e abri a porta rapidamente. No meio do hall de entrada, vi Miguel tentando acalmar uma mulher que estava com uma faca de cozinha enorme, enquanto outra mulher gritava com as duas que estavam do outro lado dele.
— O que está acontecendo? — perguntei, confusa.
— Clarisse, volta agora para o apartamento! — Miguel disse, sua voz firme.
— O que está acontecendo? — perguntei de novo, sem entender.
— Essa vagabunda está tendo um caso com o meu marido! — gritou a mulher com a faca, parecendo furiosa.
— Você é uma ridícula! Só porque ele me olhou e ficou dando em cima, agora eu sou amante dele? Controla seu macho, minha senhora, e aproveita e vai se arrumar, porque mulher baranga ninguém quer! — Isso definitivamente ia dar merda.
— O quê? Fala de novo! — a doida da faca avançou na direção da outra.
— Senhora, eu já disse para me dar essa faca e vocês resolvem isso civilizadamente! — Miguel estava calmo demais, e eu não gostava disso.
— Miguel... você quer que eu chame alguém? — perguntei, preocupada.
— Quero que você entre agora, Clarisse! — disse ele entre os dentes, claramente irritado.
— Sabe de uma coisa? Eu não tenho um caso com aquele trouxa, mas agora eu faço questão de ter só para você ficar com a fama de chifruda! — Pronto, agora a doida da faca avançou com tudo. O idiota do Miguel interceptou, e ele nem estava armado. A amante — que, na verdade, não era amante — começou a gritar, e as duas que estavam com ela também começaram a sair na mão.
Não ia dar tempo de chamar alguém; só eu e Miguel estávamos ali para resolver a situação. O grito de Miguel me deixou em pânico, e não pensei duas vezes. Peguei o extintor que tinha ali e dei uma pancada na cabeça da doida, que desmaiou na hora.
A amiga dela, revoltada com a minha intromissão, largou a outra e veio para cima de mim. Sem pensar duas vezes, dei um cruzado de direita nela, e ela caiu em cima da amiga. Olhei para as duas, que estavam atordoadas, e dei de ombros.
— Se vierem, também vão levar! — elas ficaram quietas, sem saber como reagir. Olhei para Miguel e o ajudei a levantar; o braço dele sangrava.
— Que merda deu na sua cabeça em vir no meio de uma briga sem a sua arma, hein? — perguntei, brava, enquanto levantava a manga da blusa dele. Ele me impediu e eu bati na mão dele, verificando o corte. Era profundo; teríamos que limpar e fazer uns pontos.
— Era uma discussão feminina, não achei que precisaria de uma arma! — ele protestou, revirando os olhos.
— Sempre precisa de uma arma, ainda mais quando se trata de mulheres brigando! — respondi, e a mulher que estava prestes a ser atacada concordou.
— E você está esperando o que para ligar para a polícia? Vamos logo, antes que essas duas acordem! — disse ela, e sumiu na hora.
— Tenho que prendê-las! — eu assenti.
— Faça isso logo, mas venha para o meu apartamento. Preciso fazer um curativo nisso! — ele não contestou. Entrou, pegou as algemas de plástico e deixou as duas presas, aguardando a polícia, enquanto eu esperava como testemunha.
Peguei a maleta de medicamentos e comecei a limpar o ferimento dele.
— Tem material para fazer isso? — perguntou Miguel, e eu assenti.
— Ok, Clarisse, tenho que fazer algumas perguntas porque isso me deixa preocupado. Como policial, preciso saber. — Olhei para ele, desconfiada, mas assenti.
— Como aprendeu aquele golpe? — ele perguntou.
— Meu irmão me ensinou — respondi, limpando a ferida dele. Vi que ele não estava contente com a resposta, e respirei fundo.
— Fiz box na minha juventude. — Ele pareceu surpreso.
— E posso saber o porquê? — Olhei para ele, brava.
— Não. — Ele respirou fundo.
— Por que tem medicamentos de tarja preta? — O olhei envergonhada.
— Achei que você não tinha visto. — Ele me olhou bravo.
— Sou um tenente de polícia. Detalhes são importantes e dizem muito sobre uma pessoa. — Separei o material para a sutura.
— Miguel, não gosto de compartilhar informações sobre o meu passado ou sobre quem eu sou com uma pessoa que não conheço bem, e principalmente por pessoas com quem não tenho muito apreço. — Ele me olhou por alguns segundos e então respirou fundo.
— Não me obrigue a puxar seus dados pela polícia! — olhei para ele com desdém.
— Não tenho ficha criminal! — ele riu.
— Não precisa ter uma ficha criminal para a gente saber sobre alguém, Clarisse. Então, acho melhor você me contar antes que eu descubra sobre você de uma forma não muito legal. — Eu o olhei e respirei fundo, passando as mãos pelas coxas, um hábito que tinha quando estava nervosa.
— Eu lutava box com meus 15 ou 16 anos porque meu pai era oficial da aeronáutica e ele sempre quis que eu soubesse me defender. Eu realmente aprendi o golpe com meu irmão, que é tenente da marinha. Minha família é composta por pessoas que trabalham no exército brasileiro, então eu sei muito sobre combate físico. Esses medicamentos de tarja preta eu tomava há um ou dois anos atrás devido a crises de pânico e ansiedade que desenvolvi. Não tomo mais, mas prefiro manter os medicamentos aqui para qualquer eventualidade. — Respondi e o olhei. Ele parecia um pouco atônito com a informação. — Por favor, é só isso. Não pergunte sobre o que aconteceu; é pessoal, nada que você precise se preocupar.
— Clarisse, eu sou um policial, sabe que... — antes de terminar, eu o interrompi.
— Eu sei, Miguel. Meu pai era assim, e o Lucas também. Só não falarei mais do que isso. Não precisa se preocupar, não sou uma doida ou coisa do tipo! — disse nervosa com a exposição.
— Não te julguei como louca. Minha mãe também toma esses medicamentos; só queria entender o porquê. — Olhei de relance para ele.
— Por que ela toma? — perguntei.
— Meu pai era oficial da polícia também. Ele morreu em combate, e desde então, ela toma esses medicamentos. Ela nunca superou a morte dele e vive à base de remédio. — Suspirei, pegando o material de sutura.
— Eu sinto muito pela sua perda. — Ele assentiu.
— Eu era muito novo, quase não me lembro dele. — Assenti, começando a suturar.
— Ele devia ser muito importante para sua mãe. — Ele assentiu.
— Era sim, mas acho que ela ficou desse jeito porque ele deixou três filhos. Minha mãe era nova; no final, ela entrou em pânico. Imagine você planejar uma vida todinha com uma pessoa, e no dia seguinte ela não está mais lá! — Parei de suturá-lo e o olhei por alguns segundos.
— Eu... sei como é essa sensação. — Ele me olhou de volta, curioso.
— Espero que ela esteja bem. — Ele assentiu, ainda com curiosidade no olhar.
— Sim, ela está. — Assenti, voltando a suturá-lo. — Posso fazer uma pergunta? — O olhei brava, e ele riu.
— Qual é? Não é tão pessoal. — Não disse nada.
— Por que parece que a pessoa que está nas fotos não parece a pessoa que está aqui comigo? — O olhei e então olhei para o rack, onde estava uma foto minha em Santa Catarina, quando fiz uma viagem romântica para Balneário Camboriú. Ele tinha uma foto minha sorrindo no bondinho, com a paisagem da praia logo atrás.
— Porque eu não sou mais a mesma pessoa daquela foto! — disse, voltando a suturar.
— Uma pena. Ela parecia ser legal de se ter como vizinha. — Ri um pouco.
— Ela também tinha os mesmos costumes que o meu! — Ele riu.
— Mas parecia ser mais divertida! — Sorri um pouco.
— É, ela era! — Limpei o corte.
— Ela era noiva. — O olhei, séria.
— Desculpa, é difícil ignorar aquela enorme aliança. — Suspirei e continuei.
— O que aconteceu? — Respirei fundo.
— Para quem me odeia, você está querendo saber muito sobre minha vida! — Ele fez uma careta.
— Não te odeio! — Eu o olhei, séria.
— Ok, eu não te suporto, mas não te odeio. E bem, é a primeira vez que temos uma conversa amigável sem querer estrangular um ao outro! — O olhei e então olhei para a foto de novo.
— Ele me traiu! — Não olhei para sua reação; estava quase terminando o braço dele. Ele ficou em silêncio até eu terminar o corte.
— Para quem estava bem curioso, você até que ficou calado! — Ele estava sério.
— É um assunto delicado. Eu sei como é passar por isso e não gosto de falar sobre. — Agora eu que tinha ficado curiosa.
— Alguém te traiu? — perguntei, e ele assentiu.
— Isso é impossível de imaginar! — disse, colocando uma faixa em volta do braço dele.
— Por quê? — Perguntei, torcendo o nariz.
— Não te suporto, mas você é um homem muito bonito. A mulher tem que ter achado um Henry Cavill para te substituir! — Ele sorriu de lado.
— Vou usar essa fala contra você! — apertei o curativo e ele gemeu de dor, rindo.
— Ok! Parei! — Sorri um pouco.
— Pronto, só não faça muito esforço nesse braço por alguns dias. — Ele assentiu e me olhou.
— Obrigado. E, por favor, da próxima vez, não use o extintor na cabeça de alguém. Vai dar um trabalhão para eu explicar isso para a polícia. — E pela primeira vez em anos, eu dei uma risada.
Eu andava tão estressada ultimamente que precisava urgentemente sair e fazer algo novo. Foi então que vi um anúncio na entrada do condomínio sobre uma viagem para Paraty de dois dias. Pensei que seria uma ótima oportunidade para espairecer um pouco. Comprei a viagem e pedi folga do serviço. Já se passavam semanas desde o ocorrido com Miguel; nós tínhamos aprendido a nos suportar, mas ele ainda insistia em me chamar de "surda" de vez em quando, e eu fingia que não queria matá-lo.No dia da viagem, peguei um Uber até o local onde o ônibus estaria estacionado. Tudo parecia lindo, perfeito, até que cheguei à minha poltrona.— Só pode ser brincadeira! — disse ao ver Miguel sentado ali.— Ah, Deus do céu, o que foi que eu fiz na vida passada? Taquei pedra na cruz, no mínimo! — ele comentou, olhando para mim com uma expressão de desespero.— O que você está fazendo aí? — perguntei, irritada.— Sentado. E você? — ele respondeu, sorrindo.— Bati nele com a minha passagem, e ele riu. — Eu vou v
Consegui dar alguns cochilos durante a viagem, mas estava exausta. Chegamos em Paraty às 3:00 da manhã, e eu tinha tempo suficiente para dormir no quarto até as 7:00. Desci primeiro que Miguel, que ficou incrivelmente em silêncio o resto da viagem após nossa conversa profunda. Fui fazer o check-in no hotel enquanto ele ficou quase no final da fila.— Bom dia, moça. Clarisse Maia — disse para a atendente, que logo digitou rapidamente e assentiu.— Cadê o seu acompanhante? — perguntou ela, e eu franzi a testa.— Acompanhante? — perguntei, confusa.— Sim, aqui diz que é quarto para casal. — Olhei para ela, ainda confusa.— Moça, acho que há alguma confusão. — Ela negou com a cabeça.— Aqui está: Clarisse Maia e Miguel Galvão. — Só podia ser brincadeira.— Só pode ser brincadeira! — suspirei, sentindo a frustração subir.— Olha, se for confusão, temos um problema. Estamos em alta temporada e não temos quartos separados. — Apertei os lábios e fechei os olhos. — Posso te recomendar outros h
Sentei-me na cama com uma sensação estranha, quase... excitada? Que merda era essa? Ainda bem que Miguel estava no banheiro, tomando banho, porque seria muito estranho acordar assim ao lado dele. Passei a mão na nuca, tentando me livrar daquela sensação, mas acabei me arrepiando de novo. Fui até minha mala e peguei minhas coisas para tomar banho. Finalmente, depois de uns longos 20 minutos, Miguel saiu do banheiro.— Nossa, finalmente! — exaltei, ao vê-lo sair com a toalha enrolada na cintura. Deus do céu, aquele fogo voltou de novo. A visão do cabelo molhado e do corpo dele exposto era um ato de maldade contra meus hormônios.— Bom dia para você também! — disse ele, com um sorriso travesso, e eu revirei os olhos.— Você não tem roupa, não? — perguntei, passando por ele.— Para que me vestir se eu posso ver esse seu rostinho sedento logo de manhã? — Ignorando o comentário dele, fui direto para o chuveiro. Coloquei meu biquíni e minha saída de praia, mas então tive uma ideia infantil.
-Migueel, abre essa porta logo- reclamei com a língua enrolada.-Calma casseeetee ta tudo rodando aqui- ele disse mais bambo do que eu e isso me fez rir.-Eu vou fazer xixi- disse apertando as pernas.-Porra de novo? – finalmente ele conseguiu abrir a porta e eu entrei cambaleando , e consegui lembrar onde era o banheiro , fiz xixi e comecei a rir, meu deus eu e o Miguel estávamos fazendo competição de bebida e acabou que os dois idiotas beberam mais do que podia, no final das contas os dois acabaram bêbados, e quase não conseguimos voltar para o hotel de tão chapado que a gente ficou. Aproveitei que estava no banheiro e tomei um banho para tirar a areia do corpo, esperei um pouco para ver se a cachaça saia mais parece que piorou, me enrolei na toalha e sai para o quarto.-Ai meu deus até que em fim- disse o Miguel entrando no banheiro, pensei que era para vomitar mais era para fazer xixi, comecei a rir.-Vai o mijão- gritei na porta e ele me xingou de volta o que me fez rir ,ouvi ele
Era a primeira vez em anos que eu dava um sorriso sincero. É estranho pensar que, por tanto tempo, eu não me permiti essa alegria. Lembro-me das brigas com minha mãe, sempre me cobrando por estar tão distante, tão fechada. Meu sorriso havia se tornado uma máscara, uma obrigação. Sinceramente, eu não me via motivada a sorrir. Um sorriso alegre, afinal, depende de um motivo alegre, não é mesmo? Mas hoje, eu tinha um motivo.Dois anos atrás, assinei a escritura do meu apartamento e, finalmente, estava aqui, dentro dele, exatamente como sempre sonhei. No entanto, havia um buraco no meu coração, e ele parecia se abrir ainda mais quando olhava para a porta e via aquele porta-chaves que dizia: “E viveram felizes para sempre”. Eu deveria me livrar daquilo, eu sei. Mas gostava de tê-lo ali, era a última lembrança de um tempo bom, de uma época em que eu era feliz e sorria sem pensar que estava sendo obrigada a isso por educação. Lembro-me de como eu não era hostil nem antipática, apenas eu mesm
Não tinha muitos amigos, e os poucos que eu tinha, às vezes, me faziam questionar se eram mesmo amigos. Giovanni estava rindo sem parar há uns dois minutos.— Isso nem sequer teve graça — respondi, tentando esconder meu mau humor.— Como você ainda consegue ter contato com o sexo feminino? Você é o próprio repelente de mulher! — Giovanni, meu capitão da polícia militar, sempre tinha um jeito de me cutucar. Como primeiro tenente, eu andava com ele para todo lado. O cara era o mais inteligente da turma, e não era surpresa que subisse de cargo mais rápido que qualquer um.— Como se você fosse um ímã para mulheres — retruquei, tentando manter a seriedade, mas ele sorriu de um jeito que achei divertido, mesmo que nunca fosse admitir.— E mesmo sendo gay, atraio mais que você, porque eu consigo sorrir para as mulheres — ele disse, com um brilho maroto nos olhos. Era verdade; Giovanni era simpático até demais para o meu gosto. Alto, musculoso, negro, com olhos castanhos claros, e sempre com
Eu estava exausta! Depois de um mês de férias em casa, acostumada a não fazer nada, o primeiro dia de trabalho sempre parecia o mais difícil. Estacionei meu carro na portaria e fui até o porta-malas pegar minhas coisas. Foi quando ouvi o rugido de uma moto estacionando ao lado do meu carro. Ao abaixar a porta, vi quem era. Bufei, pegando minhas coisas e decidindo passar por aquele insuportável sem cumprimentá-lo. Minha educação se recusava a entrar em prática com ele.— Ah, então foi você que pegou minha vaga! — ele disse, tirando o capacete com um sorriso que, para meu desagrado, era extremamente charmoso.— O que foi agora? — não iria ser educada com ele; ele nem se esforçou para ser gentil comigo.— Essa vaga é minha — apontou para o meu carro, como se isso fosse uma verdade universal.— Acha que eu estacionei aqui porque quis, seu espertalhão? — retruquei, tentando manter a calma.— Vindo de alguém tão sem noção quanto você, não é de se esperar menos — ele fez uma careta, e a irri
Nunca na minha vida uma mulher conseguiu me tirar tão do sério quanto aquela vizinha surda. Ela estava novamente ouvindo música alta, e eu já me pegava imaginando como seria fácil pegar o pescoço dela e enforcá-la umas cinco vezes. Era minha folga, e eu não queria me estressar com ela. Peguei meu lixo e, assim que abri a porta, vi que ela também estava saindo para colocar o lixo dela.— Olha só, se não é a minha vizinha surda! — comentei, não podendo conter o sarcasmo.Ela levantou o rosto, e a expressão que tinha ao me ver era como se eu fosse a última pessoa que ela quisesse encontrar.— Ah, sério que você está em casa? — perguntou, como se fosse uma grande surpresa.— E por que não estaria? — retruquei, já franzi o cenho.— Achei que estivesse trabalhando — disse, e sorri, tentando parecer mais relaxado.— Hoje é minha folga. E você, não trabalha? — Questionar isso pareceu mais que um desafio, especialmente porque parecia que ela sempre estava em casa quando eu estava.— Estou de f