Não tinha muitos amigos, e os poucos que eu tinha, às vezes, me faziam questionar se eram mesmo amigos. Giovanni estava rindo sem parar há uns dois minutos.
— Isso nem sequer teve graça — respondi, tentando esconder meu mau humor.
— Como você ainda consegue ter contato com o sexo feminino? Você é o próprio repelente de mulher! — Giovanni, meu capitão da polícia militar, sempre tinha um jeito de me cutucar. Como primeiro tenente, eu andava com ele para todo lado. O cara era o mais inteligente da turma, e não era surpresa que subisse de cargo mais rápido que qualquer um.
— Como se você fosse um ímã para mulheres — retruquei, tentando manter a seriedade, mas ele sorriu de um jeito que achei divertido, mesmo que nunca fosse admitir.
— E mesmo sendo gay, atraio mais que você, porque eu consigo sorrir para as mulheres — ele disse, com um brilho maroto nos olhos. Era verdade; Giovanni era simpático até demais para o meu gosto. Alto, musculoso, negro, com olhos castanhos claros, e sempre com o cabelo no corte zero quando estava de farda. As mulheres suspiravam por ele, mas, como ele mesmo disse, isso não fazia diferença.
— Isso não importa — respondi, revirando os olhos.
— Por que você foi tão grosso com a moça? Garanto que ela não fez por mal.
Revirei os olhos de novo. Não era algo que costumava fazer, mas Giovanni tinha o dom de me fazer perder a paciência.
— Fazendo por mal ou não, já deixei claro que não quero barulho.
— Como ela é? — ele perguntou, parando ao meu lado.
— Simples — respondi, pegando a comida.
— Simples? Quero mais detalhes. Ela é alta? Magra? Cheia? A cor dos cabelos? — insistiu, e eu resmunguei antes de responder.
— Eu lá que sei, Giovanni. Não reparei nisso. — Mentira! Nos poucos minutos de conversa, percebi que ela era muito bonita, mas também muito triste. Não era baixa; eu não precisava me abaixar muito para falar com ela. O cabelo dela, curto e na altura dos ombros, era da cor de chocolate. O rosto redondo, a pele levemente bronzeada, com pintinhas abaixo da linha dos olhos. A sobrancelha bem arqueada e da mesma cor do cabelo, mas os olhos... ah, os olhos! Eram verdes, mas não um verde comum; eram como a mistura de verde e castanho das folhas no outono. Os lábios, cheios e com um formato quase de coração, e o corpo curvilíneo e voluptuoso. Ela era realmente linda, mas havia uma tristeza profunda nos olhos.
— Não reparou? Sei... — Giovanni me tirou dos pensamentos.
— Por que eu repararia? — perguntei, e ele deu de ombros.
Seguimos em silêncio até uma mesa e começamos a comer.
— Sei lá, você devia começar a procurar alguém — ele disse, quebrando o silêncio.
Respirei fundo, pensando que ele tinha deixado essa conversa de lado.
— Por que? — perguntei, curioso.
— Porque você anda muito mal humorado e sempre está com essa cara insuportável — ele respondeu, e não pude negar que ele estava certo. Mas não seria uma mulher a resolver isso.
— Não vejo como uma mulher vai resolver isso — disse, pensando em voz alta.
— Talvez a certa sim — ele insistiu, erguendo uma sobrancelha.
— Mulher não é um centro de reabilitação onde eu possa me enfiar e sair melhor.
Ele me olhou sério.
— Quando digo que você precisa de uma mulher, é por dois motivos — começou, levantando o dedo indicador. — Primeiro: para aquecer sua cama — ele fez uma pausa, como se estivesse esperando uma reação.
— E o segundo? — perguntei, desafiador.
— Para aquecer seu coração — ele disse, com um sorriso no rosto.
Mastiguei lentamente, sem saber se devia responder.
— Você precisa superar a Roberta — ele acrescentou, e eu o olhei, desafiador.
— Sabe que só ficou assim depois do que aconteceu — ele continuou, e eu não pude evitar um suspiro.
Talvez ele tivesse razão. Talvez! Mas a última coisa que eu queria naquele momento era discutir sobre Roberta. Já deixei isso no passado, onde deveria ficar.
— Olha, Giovanni, não estou pronto para isso agora — disse, tentando mudar de assunto. — Vamos falar de outra coisa. O que você achou do jogo do último domingo?
Ele sorriu, percebendo que eu queria mudar de assunto.
— Ah, isso sim! Você viu a jogada do Lucas? Ele realmente está se destacando! — E assim, a conversa mudou, pelo menos por enquanto.
Eu estava exausta! Depois de um mês de férias em casa, acostumada a não fazer nada, o primeiro dia de trabalho sempre parecia o mais difícil. Estacionei meu carro na portaria e fui até o porta-malas pegar minhas coisas. Foi quando ouvi o rugido de uma moto estacionando ao lado do meu carro. Ao abaixar a porta, vi quem era. Bufei, pegando minhas coisas e decidindo passar por aquele insuportável sem cumprimentá-lo. Minha educação se recusava a entrar em prática com ele.— Ah, então foi você que pegou minha vaga! — ele disse, tirando o capacete com um sorriso que, para meu desagrado, era extremamente charmoso.— O que foi agora? — não iria ser educada com ele; ele nem se esforçou para ser gentil comigo.— Essa vaga é minha — apontou para o meu carro, como se isso fosse uma verdade universal.— Acha que eu estacionei aqui porque quis, seu espertalhão? — retruquei, tentando manter a calma.— Vindo de alguém tão sem noção quanto você, não é de se esperar menos — ele fez uma careta, e a irri
Nunca na minha vida uma mulher conseguiu me tirar tão do sério quanto aquela vizinha surda. Ela estava novamente ouvindo música alta, e eu já me pegava imaginando como seria fácil pegar o pescoço dela e enforcá-la umas cinco vezes. Era minha folga, e eu não queria me estressar com ela. Peguei meu lixo e, assim que abri a porta, vi que ela também estava saindo para colocar o lixo dela.— Olha só, se não é a minha vizinha surda! — comentei, não podendo conter o sarcasmo.Ela levantou o rosto, e a expressão que tinha ao me ver era como se eu fosse a última pessoa que ela quisesse encontrar.— Ah, sério que você está em casa? — perguntou, como se fosse uma grande surpresa.— E por que não estaria? — retruquei, já franzi o cenho.— Achei que estivesse trabalhando — disse, e sorri, tentando parecer mais relaxado.— Hoje é minha folga. E você, não trabalha? — Questionar isso pareceu mais que um desafio, especialmente porque parecia que ela sempre estava em casa quando eu estava.— Estou de f
O plantão estava um tédio absoluto. Eu já estava quase no fim da minha jornada, faltando apenas duas horas, quando ouvi o interfone.— Enfermeira Clarisse, por favor comparecer ao setor de urgência/emergência. Ótimo! Justo quando eu estou prestes a ir embora, a merda acontece. — Informar o código é bom nada! A Clarisse que lute para saber o que vai encontrar lá embaixo — um dos técnicos riu.— Estava reclamando agora mesmo que o plantão estava um tédio, chefe! — respondi, semi-cerrei os olhos.— Sorte que você é muito boa, se não estaria fazendo piadinhas lá no RH! — ele riu de novo, e até eu dei uma risada nervosa. Respirando fundo, desci para o PS, e aparentemente, tudo estava tranquilo. Fui até o enfermeiro responsável.— Qual é, Daniel? Não consegue dar conta do seu setor? — perguntei, e ele me olhou como se pudesse tacar a prancheta na minha cabeça.— O Dr. Lucas quer que você o auxilie em um código laranja na sala 5. Sabe que ele só gosta de você! — dei ombros, rindo.— Claris
Era a primeira vez em anos que eu dava um sorriso sincero. É estranho pensar que, por tanto tempo, eu não me permiti essa alegria. Lembro-me das brigas com minha mãe, sempre me cobrando por estar tão distante, tão fechada. Meu sorriso havia se tornado uma máscara, uma obrigação. Sinceramente, eu não me via motivada a sorrir. Um sorriso alegre, afinal, depende de um motivo alegre, não é mesmo? Mas hoje, eu tinha um motivo.Dois anos atrás, assinei a escritura do meu apartamento e, finalmente, estava aqui, dentro dele, exatamente como sempre sonhei. No entanto, havia um buraco no meu coração, e ele parecia se abrir ainda mais quando olhava para a porta e via aquele porta-chaves que dizia: “E viveram felizes para sempre”. Eu deveria me livrar daquilo, eu sei. Mas gostava de tê-lo ali, era a última lembrança de um tempo bom, de uma época em que eu era feliz e sorria sem pensar que estava sendo obrigada a isso por educação. Lembro-me de como eu não era hostil nem antipática, apenas eu mesm