O plantão estava um tédio absoluto. Eu já estava quase no fim da minha jornada, faltando apenas duas horas, quando ouvi o interfone.
— Enfermeira Clarisse, por favor comparecer ao setor de urgência/emergência.
Ótimo! Justo quando eu estou prestes a ir embora, a merda acontece.
— Informar o código é bom nada! A Clarisse que lute para saber o que vai encontrar lá embaixo — um dos técnicos riu.
— Estava reclamando agora mesmo que o plantão estava um tédio, chefe! — respondi, semi-cerrei os olhos.
— Sorte que você é muito boa, se não estaria fazendo piadinhas lá no RH! — ele riu de novo, e até eu dei uma risada nervosa. Respirando fundo, desci para o PS, e aparentemente, tudo estava tranquilo. Fui até o enfermeiro responsável.
— Qual é, Daniel? Não consegue dar conta do seu setor? — perguntei, e ele me olhou como se pudesse tacar a prancheta na minha cabeça.
— O Dr. Lucas quer que você o auxilie em um código laranja na sala 5. Sabe que ele só gosta de você! — dei ombros, rindo.
— Clarisse 1, Daniel 0! — ele retorceu o lábio, tentando esconder a risada.
— Você é uma praga, Clarisse! — ouvi-o dizer enquanto entrava na sala 5 que ele tinha me indicado. O Dr. Lucas estava conversando com dois policiais. Um deles tinha um corte imenso e profundo na testa e parecia bem nervoso. O outro... ah, não podia ser brincadeira!
— Você é enfermeira? — perguntou Miguel, e eu revirei os olhos.
— Das várias hipóteses que criei na minha cabeça, a última era que você seria um policial! — Dr. Lucas me olhou assustado.
— Sua louca, acho que você não pode falar assim com um policial! — disse ele, sem importância.
— Ele é o meu vizinho — respondi, e ele pareceu ponderar a situação.
— Por que me chamou? — perguntei a Miguel.
— Bem, nosso amigo não consegue ser sedado por nenhum dos enfermeiros aqui — olhei para o homem que devia ter uns dois metros de altura e uns 120 kg.
— Você vai sedar ele só para fazer pontos? Por quê? — perguntei, e ele olhou para o policial.
— Giovanni tem pavor de agulha; ele é um banana! — me surpreendi com a sinceridade.
— Uau, você pode falar assim com seu capitão? — perguntei, os três me olharam surpresos.
— Como sabe que sou o capitão dele? E não, ele não pode falar desse jeito comigo — disse Giovanni, e eu sorri.
— Você tem três estrelas no uniforme e ele duas. Então, ele é o primeiro tenente e você é o capitão, logo você é o superior dele! — disse, me sentando na cadeira ao lado dele e começando a preparar o kit de punção.
— Como sabe disso? — Miguel perguntou, curioso.
— O irmão dela é militar — respondeu Dr. Lucas, e Miguel me olhou novamente surpreso.
— Muito bem, grandão — disse para Giovanni. — O que fizeram para você ter medo de agulha? — perguntei, observando os braços dele. Ele era de fácil acesso, então eu conseguiria pegar com calibre adulto.
— Quando eu era criança, minha mãe me prendia para tomar vacina, e uma vez a agulha ficou no meu braço e... — ele estava ofegante e suando frio. — Desde então, é um sacrifício para mim fazer exames ou tomar vacina.
Sorri para ele de forma solidária.
— Ok, querido, vamos fazer o seguinte: não quero te machucar, ok? Eu costumo pegar veias de pacientes oncológicos, então, por mais que seja uma veia difícil, eu consigo pegar. Tudo bem? — ele assentiu, me olhando.
— Você não precisa ter vergonha, até porque todos têm seus traumas — dei um olhar de repreensão para Miguel, que revirou os olhos. — Vamos lá? Vou apertar um pouco o seu braço; preciso que você apenas feche a mão e não deixe o músculo tenso. — Ele fez o que eu mandei, e coloquei o garrote no braço dele.
— Só faz o mais rápido possível, porque eu não estou aguentando de dor e... — antes que ele terminasse, eu interrompi.
— Dr., pode rodar o anestésico? — Giovanni me olhou chocado.
— Eu não senti a agulha! — sorri ao tirá-las luvas.
— Mãos de fada! — disse, balançando os dedos, e ele sorriu. Mas logo o sorriso se desfez quando o anestésico fez efeito, e o Dr. começou a suturar.
— Fico feliz em saber que você não é só insensível comigo — Miguel colocou a mão na cintura e se virou para mim. Droga, ele estava tão bonito! Merda, ele já era bem atraente, e não tinha como negar. Mas, fardado daquele jeito, ele estava tão sexy e quente. A boina que ele usava deixava o risco na sobrancelha ainda mais evidente.
Não costumava me atrair por homens que vestem farda, mas Miguel estava me fazendo sentir algo diferente. Me dizia que isso era só porque estava há muito tempo sem contato físico com um homem, mais tempo do que qualquer mulher gostaria de admitir. E ele era um homem atraente, e eu odiava admitir que ele era o tipo de homem que me atraía.
— Você nem sequer é digna de 1% da minha parte humana dedicada a ser sensível com o próximo — olhei para ele, irritada.
— Você é um cretino em qualquer hora do dia! — ele sorriu de lado.
— Sabe que eu posso te prender por desacato à autoridade, né? — revirei os olhos.
— Me prenda. Eu faria uma rebelião na cadeia contra você! — ele riu, e eu acabei rindo também.
— Olha só, não sabia que fazia isso! — o olhei confusa.
— Isso, o quê? Te insultar? Faço isso com uma facilidade extrema! — ele fez careta.
— Não, rir! Eu não sabia que você era capaz disso! — disse, e ele ficou em silêncio por um momento.
— Ela não faz muito isso mesmo — murmurou Dr. Lucas, e eu me segurei para não bater nele.
— Primeiro, cuida do paciente e fala menos! — disse, e Dr. Lucas olhou para Miguel como se dissesse “não disse?”, voltando a fazer a sutura. — E segundo, eu... admito que não costumo rir muito.
Ele me olhou com um olhar curioso.
— E por que? Seu senso de humor costuma ser mórbido? Ou sarcástico? — prendi os lábios e dei ombros.
— Não tenho motivos para rir — e eu falava sério; era verdade, e fazia muito tempo.
— Uma pena — murmurou ele. — Você ficou bonita fazendo isso.
Surpreendi-me ao olhar para ele, e ele deu ombros.
— Te odeio, mas não a ponto de negar que você é uma mulher bonita. — Sorri de lado, e ele me olhou.
— Olha, sorriu de novo! Duas vezes em um dia, e foi minha culpa! — revirei os olhos.
— Me chame quando acabar! — disse para Dr. Lucas, e ele assentiu. Odiava Miguel e odiava o fato de ele ter me feito sorrir.
— Miguel, para com isso! É uma ordem! — disse Giovanni, ainda meio grogue da anestesia.— Essa pode ser a única oportunidade que eu tenho de atormentar essa mulher sem receber um chute nas bolas — respondi, dando-lhe um sorriso malicioso.— Você está atormentando ela como se fosse um menino de 13 anos apaixonado! — ele me olhou com reprovação.Ignorei o comentário dele, e nesse momento, Clarisse apareceu na porta do quarto, com uma expressão de quem estava pronta para me matar.— Miguel, vou arrancar seus olhos! — ela realmente parecia disposta a fazer isso, mas, no fundo, meu eu demoníaco queria ver até onde ela aguentaria sem me xingar.— A TV não liga — eu disse, tentando ser casual.Ela franziu a testa para mim.— Não me acabei de estudar por quatro anos, fiz uma pós-graduação de dois anos e um mestrado de três em oncologia para vir aqui a cada cinco minutos porque você quer atormentar minha vida, Miguel! — ela estava furiosa.— Peço perdão pelo meu subordinado. Não estou em condi
Deus do céu, minha cabeça estava doendo tanto que parecia que tinha sido atropelada por um caminhão. E meu nariz? Parece que não existia mais. Finalmente, parecia que eu estava começando a recuperar os sentidos, especialmente o olfato. Fiz uma lavagem nasal só por garantia e decidi aproveitar minha folga. Estava tudo tranquilo até ouvir uma gritaria no corredor.Comecei a ignorar, pois não estava no clima de bancar a intrometida, mas então reconheci uma voz que me deixou alerta.— Senhora, abaixe a faca agora! — Merda, era o Miguel? E por que alguém estava com uma faca? Levantei do sofá e abri a porta rapidamente. No meio do hall de entrada, vi Miguel tentando acalmar uma mulher que estava com uma faca de cozinha enorme, enquanto outra mulher gritava com as duas que estavam do outro lado dele.— O que está acontecendo? — perguntei, confusa.— Clarisse, volta agora para o apartamento! — Miguel disse, sua voz firme.— O que está acontecendo? — perguntei de novo, sem entender.— Essa vag
Eu andava tão estressada ultimamente que precisava urgentemente sair e fazer algo novo. Foi então que vi um anúncio na entrada do condomínio sobre uma viagem para Paraty de dois dias. Pensei que seria uma ótima oportunidade para espairecer um pouco. Comprei a viagem e pedi folga do serviço. Já se passavam semanas desde o ocorrido com Miguel; nós tínhamos aprendido a nos suportar, mas ele ainda insistia em me chamar de "surda" de vez em quando, e eu fingia que não queria matá-lo.No dia da viagem, peguei um Uber até o local onde o ônibus estaria estacionado. Tudo parecia lindo, perfeito, até que cheguei à minha poltrona.— Só pode ser brincadeira! — disse ao ver Miguel sentado ali.— Ah, Deus do céu, o que foi que eu fiz na vida passada? Taquei pedra na cruz, no mínimo! — ele comentou, olhando para mim com uma expressão de desespero.— O que você está fazendo aí? — perguntei, irritada.— Sentado. E você? — ele respondeu, sorrindo.— Bati nele com a minha passagem, e ele riu. — Eu vou v
Consegui dar alguns cochilos durante a viagem, mas estava exausta. Chegamos em Paraty às 3:00 da manhã, e eu tinha tempo suficiente para dormir no quarto até as 7:00. Desci primeiro que Miguel, que ficou incrivelmente em silêncio o resto da viagem após nossa conversa profunda. Fui fazer o check-in no hotel enquanto ele ficou quase no final da fila.— Bom dia, moça. Clarisse Maia — disse para a atendente, que logo digitou rapidamente e assentiu.— Cadê o seu acompanhante? — perguntou ela, e eu franzi a testa.— Acompanhante? — perguntei, confusa.— Sim, aqui diz que é quarto para casal. — Olhei para ela, ainda confusa.— Moça, acho que há alguma confusão. — Ela negou com a cabeça.— Aqui está: Clarisse Maia e Miguel Galvão. — Só podia ser brincadeira.— Só pode ser brincadeira! — suspirei, sentindo a frustração subir.— Olha, se for confusão, temos um problema. Estamos em alta temporada e não temos quartos separados. — Apertei os lábios e fechei os olhos. — Posso te recomendar outros h
Sentei-me na cama com uma sensação estranha, quase... excitada? Que merda era essa? Ainda bem que Miguel estava no banheiro, tomando banho, porque seria muito estranho acordar assim ao lado dele. Passei a mão na nuca, tentando me livrar daquela sensação, mas acabei me arrepiando de novo. Fui até minha mala e peguei minhas coisas para tomar banho. Finalmente, depois de uns longos 20 minutos, Miguel saiu do banheiro.— Nossa, finalmente! — exaltei, ao vê-lo sair com a toalha enrolada na cintura. Deus do céu, aquele fogo voltou de novo. A visão do cabelo molhado e do corpo dele exposto era um ato de maldade contra meus hormônios.— Bom dia para você também! — disse ele, com um sorriso travesso, e eu revirei os olhos.— Você não tem roupa, não? — perguntei, passando por ele.— Para que me vestir se eu posso ver esse seu rostinho sedento logo de manhã? — Ignorando o comentário dele, fui direto para o chuveiro. Coloquei meu biquíni e minha saída de praia, mas então tive uma ideia infantil.
-Migueel, abre essa porta logo- reclamei com a língua enrolada.-Calma casseeetee ta tudo rodando aqui- ele disse mais bambo do que eu e isso me fez rir.-Eu vou fazer xixi- disse apertando as pernas.-Porra de novo? – finalmente ele conseguiu abrir a porta e eu entrei cambaleando , e consegui lembrar onde era o banheiro , fiz xixi e comecei a rir, meu deus eu e o Miguel estávamos fazendo competição de bebida e acabou que os dois idiotas beberam mais do que podia, no final das contas os dois acabaram bêbados, e quase não conseguimos voltar para o hotel de tão chapado que a gente ficou. Aproveitei que estava no banheiro e tomei um banho para tirar a areia do corpo, esperei um pouco para ver se a cachaça saia mais parece que piorou, me enrolei na toalha e sai para o quarto.-Ai meu deus até que em fim- disse o Miguel entrando no banheiro, pensei que era para vomitar mais era para fazer xixi, comecei a rir.-Vai o mijão- gritei na porta e ele me xingou de volta o que me fez rir ,ouvi ele
Era a primeira vez em anos que eu dava um sorriso sincero. É estranho pensar que, por tanto tempo, eu não me permiti essa alegria. Lembro-me das brigas com minha mãe, sempre me cobrando por estar tão distante, tão fechada. Meu sorriso havia se tornado uma máscara, uma obrigação. Sinceramente, eu não me via motivada a sorrir. Um sorriso alegre, afinal, depende de um motivo alegre, não é mesmo? Mas hoje, eu tinha um motivo.Dois anos atrás, assinei a escritura do meu apartamento e, finalmente, estava aqui, dentro dele, exatamente como sempre sonhei. No entanto, havia um buraco no meu coração, e ele parecia se abrir ainda mais quando olhava para a porta e via aquele porta-chaves que dizia: “E viveram felizes para sempre”. Eu deveria me livrar daquilo, eu sei. Mas gostava de tê-lo ali, era a última lembrança de um tempo bom, de uma época em que eu era feliz e sorria sem pensar que estava sendo obrigada a isso por educação. Lembro-me de como eu não era hostil nem antipática, apenas eu mesm
Não tinha muitos amigos, e os poucos que eu tinha, às vezes, me faziam questionar se eram mesmo amigos. Giovanni estava rindo sem parar há uns dois minutos.— Isso nem sequer teve graça — respondi, tentando esconder meu mau humor.— Como você ainda consegue ter contato com o sexo feminino? Você é o próprio repelente de mulher! — Giovanni, meu capitão da polícia militar, sempre tinha um jeito de me cutucar. Como primeiro tenente, eu andava com ele para todo lado. O cara era o mais inteligente da turma, e não era surpresa que subisse de cargo mais rápido que qualquer um.— Como se você fosse um ímã para mulheres — retruquei, tentando manter a seriedade, mas ele sorriu de um jeito que achei divertido, mesmo que nunca fosse admitir.— E mesmo sendo gay, atraio mais que você, porque eu consigo sorrir para as mulheres — ele disse, com um brilho maroto nos olhos. Era verdade; Giovanni era simpático até demais para o meu gosto. Alto, musculoso, negro, com olhos castanhos claros, e sempre com