Eu estava exausta! Depois de um mês de férias em casa, acostumada a não fazer nada, o primeiro dia de trabalho sempre parecia o mais difícil. Estacionei meu carro na portaria e fui até o porta-malas pegar minhas coisas. Foi quando ouvi o rugido de uma moto estacionando ao lado do meu carro. Ao abaixar a porta, vi quem era. Bufei, pegando minhas coisas e decidindo passar por aquele insuportável sem cumprimentá-lo. Minha educação se recusava a entrar em prática com ele.
— Ah, então foi você que pegou minha vaga! — ele disse, tirando o capacete com um sorriso que, para meu desagrado, era extremamente charmoso.
— O que foi agora? — não iria ser educada com ele; ele nem se esforçou para ser gentil comigo.
— Essa vaga é minha — apontou para o meu carro, como se isso fosse uma verdade universal.
— Acha que eu estacionei aqui porque quis, seu espertalhão? — retruquei, tentando manter a calma.
— Vindo de alguém tão sem noção quanto você, não é de se esperar menos — ele fez uma careta, e a irritação começou a crescer dentro de mim.
— Antes ser sem noção do que mal-educada — respondi, desafiadora.
— Como se os dois fossem alguma coisa boa! — Ele estava pedindo para levar um soco.
— Não é, mas pelo menos não fui eu que comecei essa relação de ser um idiota mal-educado. E quem deu a vaga foi o porteiro. Quer reclamar? Vai reclamar com ele ou com a síndica, inferno de homem! — Ele parecia nervoso, mas pouco me importava.
— Idiota? Sério? Quantos anos vocês têm? — coloquei as mãos na cintura, já irritada.
— Quer saber? Se quer resolver isso, por que não vamos os dois na portaria? — perguntei, e ele sorriu de um jeito irônico.
— Excelente ideia! — Ele marchou em direção à portaria, e eu, sendo a adulta que sou, acelerei o passo atrás dele. Ele realmente achava que eu iria pegar a vaga dele por pura vontade? Eu estava certa: ele era um idiota!
Assim que chegamos à portaria, ele falou com toda a doçura do mundo:
— Boa noite, eu gostaria de saber quem foi que passou a vaga de estacionamento para essa senhora.
Eu o olhei com raiva.
— Senhorita! — corrigi, e ele revirou os olhos, ainda por cima era mal-educado!
— Boa noite, senhor Miguel. O que está acontecendo? — perguntou o porteiro, todo gentil.
— Ah, então seu nome é Miguel? — disse, e ele se virou para mim com uma expressão de desprezo.
— Viu o que dá ouvir o som naquela altura? Está te deixando surda — ele apontou para a orelha, e eu o olhei, furiosa.
— Além de idiota, você é um imbecil! — retorqui, já sem paciência.
— Não tenho apreço pela sua figura também, estressadinha — ele sorriu, e eu abri a boca indignada.
— Estressada? Você que bateu na minha porta e foi todo mal-educado comigo, nem se apresentou! — Um pigarro do porteiro interrompeu nossa discussão.
— O que está acontecendo? — perguntou ele, parecendo se divertir com a situação.
— A surda aqui roubou minha vaga do estacionamento — Miguel disse, e eu fiquei chocada.
— Eu não sou surda! — gritei para ele.
— Falando alto desse jeito só prova o contrário — ele provocou, e eu fechei a mão, tentando não socá-lo.
— Seu Aguinaldo, esse imbecil está jurando de pé junto que eu roubei a vaga dele! — disse, apontando para Miguel.
O porteiro olhou para a tabelinha que tinha.
— Qual vaga a senhorita está estacionando? — perguntou ele, educado.
— 43 — respondi, e ele olhou para Miguel.
— Senhor, está certo, a vaga dela é essa mesmo — a expressão de choque no rosto de Miguel foi impagável.
— Há, bem na sua cara! — gritei, apontando para ele, e a carranca dele piorou.
— Mas o seu Júlio me disse que essa vaga era a minha! — Miguel protestou, e Aguinaldo prendeu o riso.
— Perdão, ele fez bastante confusão nos últimos dias, mas a sua vaga é a 44 — eu sorri vitoriosa. De qualquer jeito, ele estava estacionando na vaga dele mesmo.
— Muito bem, como está tudo resolvido, tenha uma boa noite, seu Aguinaldo — disse, sorrindo, e ele sorriu de volta.
— Boa noite, senhorita. — Saí antes que o mal-humorado dissesse mais alguma coisa. Os passos dele atrás de mim eram como uma marcha, e isso era música para os meus ouvidos.
— Creio que me deve desculpas — disse para ele quando chegamos à porta do meu apartamento. Ele me olhou como se pudesse me enforcar.
— Não vou me desculpar pelo erro daquele velho gagá — abri a boca, surpresa.
— Você é muito maldoso! — protestei.
— Espero não ouvir sua TV hoje de novo — ele disse, fechando a porta com força.
— Insuportável! — resmunguei para mim mesma, já me preparando para o que mais aquele idiota poderia fazer.
Nunca na minha vida uma mulher conseguiu me tirar tão do sério quanto aquela vizinha surda. Ela estava novamente ouvindo música alta, e eu já me pegava imaginando como seria fácil pegar o pescoço dela e enforcá-la umas cinco vezes. Era minha folga, e eu não queria me estressar com ela. Peguei meu lixo e, assim que abri a porta, vi que ela também estava saindo para colocar o lixo dela.— Olha só, se não é a minha vizinha surda! — comentei, não podendo conter o sarcasmo.Ela levantou o rosto, e a expressão que tinha ao me ver era como se eu fosse a última pessoa que ela quisesse encontrar.— Ah, sério que você está em casa? — perguntou, como se fosse uma grande surpresa.— E por que não estaria? — retruquei, já franzi o cenho.— Achei que estivesse trabalhando — disse, e sorri, tentando parecer mais relaxado.— Hoje é minha folga. E você, não trabalha? — Questionar isso pareceu mais que um desafio, especialmente porque parecia que ela sempre estava em casa quando eu estava.— Estou de f
O plantão estava um tédio absoluto. Eu já estava quase no fim da minha jornada, faltando apenas duas horas, quando ouvi o interfone.— Enfermeira Clarisse, por favor comparecer ao setor de urgência/emergência. Ótimo! Justo quando eu estou prestes a ir embora, a merda acontece. — Informar o código é bom nada! A Clarisse que lute para saber o que vai encontrar lá embaixo — um dos técnicos riu.— Estava reclamando agora mesmo que o plantão estava um tédio, chefe! — respondi, semi-cerrei os olhos.— Sorte que você é muito boa, se não estaria fazendo piadinhas lá no RH! — ele riu de novo, e até eu dei uma risada nervosa. Respirando fundo, desci para o PS, e aparentemente, tudo estava tranquilo. Fui até o enfermeiro responsável.— Qual é, Daniel? Não consegue dar conta do seu setor? — perguntei, e ele me olhou como se pudesse tacar a prancheta na minha cabeça.— O Dr. Lucas quer que você o auxilie em um código laranja na sala 5. Sabe que ele só gosta de você! — dei ombros, rindo.— Claris
Era a primeira vez em anos que eu dava um sorriso sincero. É estranho pensar que, por tanto tempo, eu não me permiti essa alegria. Lembro-me das brigas com minha mãe, sempre me cobrando por estar tão distante, tão fechada. Meu sorriso havia se tornado uma máscara, uma obrigação. Sinceramente, eu não me via motivada a sorrir. Um sorriso alegre, afinal, depende de um motivo alegre, não é mesmo? Mas hoje, eu tinha um motivo.Dois anos atrás, assinei a escritura do meu apartamento e, finalmente, estava aqui, dentro dele, exatamente como sempre sonhei. No entanto, havia um buraco no meu coração, e ele parecia se abrir ainda mais quando olhava para a porta e via aquele porta-chaves que dizia: “E viveram felizes para sempre”. Eu deveria me livrar daquilo, eu sei. Mas gostava de tê-lo ali, era a última lembrança de um tempo bom, de uma época em que eu era feliz e sorria sem pensar que estava sendo obrigada a isso por educação. Lembro-me de como eu não era hostil nem antipática, apenas eu mesm
Não tinha muitos amigos, e os poucos que eu tinha, às vezes, me faziam questionar se eram mesmo amigos. Giovanni estava rindo sem parar há uns dois minutos.— Isso nem sequer teve graça — respondi, tentando esconder meu mau humor.— Como você ainda consegue ter contato com o sexo feminino? Você é o próprio repelente de mulher! — Giovanni, meu capitão da polícia militar, sempre tinha um jeito de me cutucar. Como primeiro tenente, eu andava com ele para todo lado. O cara era o mais inteligente da turma, e não era surpresa que subisse de cargo mais rápido que qualquer um.— Como se você fosse um ímã para mulheres — retruquei, tentando manter a seriedade, mas ele sorriu de um jeito que achei divertido, mesmo que nunca fosse admitir.— E mesmo sendo gay, atraio mais que você, porque eu consigo sorrir para as mulheres — ele disse, com um brilho maroto nos olhos. Era verdade; Giovanni era simpático até demais para o meu gosto. Alto, musculoso, negro, com olhos castanhos claros, e sempre com