Capitulo 6

— Miguel, para com isso! É uma ordem! — disse Giovanni, ainda meio grogue da anestesia.

— Essa pode ser a única oportunidade que eu tenho de atormentar essa mulher sem receber um chute nas bolas — respondi, dando-lhe um sorriso malicioso.

— Você está atormentando ela como se fosse um menino de 13 anos apaixonado! — ele me olhou com reprovação.

Ignorei o comentário dele, e nesse momento, Clarisse apareceu na porta do quarto, com uma expressão de quem estava pronta para me matar.

— Miguel, vou arrancar seus olhos! — ela realmente parecia disposta a fazer isso, mas, no fundo, meu eu demoníaco queria ver até onde ela aguentaria sem me xingar.

— A TV não liga — eu disse, tentando ser casual.

Ela franziu a testa para mim.

— Não me acabei de estudar por quatro anos, fiz uma pós-graduação de dois anos e um mestrado de três em oncologia para vir aqui a cada cinco minutos porque você quer atormentar minha vida, Miguel! — ela estava furiosa.

— Peço perdão pelo meu subordinado. Não estou em condições de pará-lo — desculpou-se Giovanni, tentando manter a seriedade.

— Não, querido, não precisa se desculpar por esse imbecil. Como você está se sentindo? — Clarisse se inclinou para cima dele, e eu me segurei para não fazer uma careta.

— Ele é gay — disse, e os dois me olharam.

— E eu com isso? — perguntou Clarisse, com a sobrancelha arqueada.

— Está na cara que você está interessada por ele! — respondi, com um sorriso malandro nos lábios.

— Bem, você deve estar acostumado com meu jeito de te tratar, mas fique ciente de que é só você que eu trato como um cachorro pulguento. Na verdade, nem um cachorro pulguento eu trato tão mal quanto trato você! — Eu tinha certeza de que minha cara virou uma careta.

— Você é a pior espécie de mulher que deve existir na face da Terra! — ela sorriu e mandou um beijo para mim.

— Fico grata pelos elogios, querido! — ela olhou para Giovanni. — Meu plantão acabou, outro enfermeiro virá te liberar, ok? Aqui está a lista de alguns analgésicos que você pode tomar. Esses pontos podem doer um pouquinho. — Ela entregou a lista para ele.

— Muito obrigada! — disse Giovanni, e ela sorriu, mas eu franzi a testa. Clarisse realmente só era insuportável comigo.

— Como conseguiu isso? — perguntou ela, referindo-se ao corte.

— Briga na rua. Fomos chamados para separar a briga, e um deles estava com um facão e passou raspando no meu rosto — Giovanni explicou.

Ela olhou surpresa para ele.

— Imagino que essa história não seja tão fascinante quanto as do seu irmão, já que ele é do exército — eu tinha me esquecido desse detalhe.

— Na verdade, não — ela sorriu de modo tímido. — Meu irmão é tenente da marinha. Não são muitas histórias emocionantes; para mim, são mais claustrofóbicas do que emocionantes. — Os dois compartilharam uma risada discreta.

— Ele é seu irmão mais velho? — perguntou Giovanni. Eu não queria parecer interessado. Deus, eu jamais queria saber o que se passava na vida daquela mulher insuportável, mas parte de mim queria saber um pouco mais sobre ela.

— Não, eu que sou mais velha — ela respondeu sem se aprofundar, parecendo ansiosa enquanto olhava para fora.

— Maia está liberada, o Ricardo chegou! — disse uma enfermeira na porta, e Clarisse assentiu, parecendo aliviada em sair do interrogatório do Giovanni.

— Maia? — perguntei, e ela me olhou, dando ombros.

— O pessoal da noite me chama pelo meu sobrenome. — Ela se virou para Giovanni, tocando no ombro dele. — Capitão, tenha uma boa recuperação e tome cuidado nas ruas!

Giovanni sorriu para ela.

— Clarisse, pode me chamar de Giovanni. Muito obrigado pelo seu atendimento e, mais uma vez, me perdoe pelo meu subordinado. — Eu estava começando a sentir que Giovanni estava amando toda a situação.

— Pode deixar, sei bem como tirar ele do sério! — Os dois compartilharam uma risada, e eu não achei a mínima graça. Então, ela saiu pela porta, se despedindo dele.

— Vocês combinam! — ele disse, e eu revirei os olhos.

— Aquele médico deve ter colocado drogas no seu anestésico.

— Fala sério, desconheço alguém tão perfeito para você! — ele provocou. Não respondi, porque sabia que isso iria longe. Logo em seguida, um enfermeiro veio e liberou Giovanni.

Antes de chegar em casa, ele insistiu que eu comprasse um buquê de flores e uma caixa de chocolates para a megera da Clarisse. Contra minha vontade, ao chegar à porta do apartamento dela, bati e esperei que ela abrisse. Não me surpreendi com a reação dela.

— Antes que você pense coisa errada, são do Giovanni para agradecer seu incrível atendimento — disse, entregando os presentes.

Ela sorriu, mas então espirrou.

— Muito... espirro... obrigada... espirro... pela... espirro... cortesia! — Eu a olhei com um ponto de interrogação.

— Aconteceu alguma coisa com o seu nariz? — ela espirrava desenfreadamente.

— Eu sou... espirro... meio alérgica... espirro... a flores! — O nariz dela parecia um tomate, os olhos lacrimejavam e eu tinha a leve impressão de que o nariz estava trancado, porque ela estava fanha.

— Então recomendo ficar longe disso! — disse, apontando para o buquê de flores no meu braço. Ela assentiu, espirrando, e fechou a porta.

Fui para o meu apartamento me trocar, mas a sessão de espirros ao lado estava me incomodando. Ignorando, fui tomar banho, e mesmo depois de 20 minutos, ela ainda continuava espirrando.

— Que inferno! — resmunguei, saindo do meu apartamento. Bati na porta dela, e assim que ela abriu, entrei sem permissão, indo até as flores.

— Ei! — disse ela, espirrando.

— Se você morrer, não quero ser o culpado! — peguei aquelas flores e fui até a lata de lixo mais longe possível daquela criatura espirrenta.

Quando voltei, ela estava na porta do apartamento com a cara mais horrível que eu já tinha visto.

— Preciso da sua ajuda! — disse ela, fanha, talvez se odiando por ter que pedir isso.

— Deus do céu, para você pedir minha ajuda é porque o negócio está feio mesmo! — ela me olhou irritada.

— Vai me ajudar ou não? — perguntou ela, brava.

— O que foi? — perguntei, já impaciente.

— Preciso que você pegue minha maleta de medicamentos que está em cima do meu armário. Eu não consigo pegar! — disse, e eu bufei, entrando no apartamento dela. Era idêntico ao meu em estrutura, mas o dela parecia um tanto simples demais para uma mulher.

Quando entrei no quarto dela, era estranho. Ela só tinha um abajur e uma foto com uma moça sorrindo abraçada a um senhor. Era o sorriso mais contagiante que alguém poderia dar. Os olhos verdes brilhavam de alegria, ela estava vestida com uma roupa de formatura, e o cabelo castanho avermelhado brilhava ao sol, eram longos. O senhor parecia muito com ela, principalmente pela cor do cabelo — claro que o dele tinha mais fios brancos. Apertei um pouco mais os olhos e percebi que conhecia aquela mulher.

— É você? — perguntei surpreso, e ela me olhou confusa, depois olhou para a mesa de cabeceira.

Então ela ficou alguns segundos olhando para a foto e depois para mim.

— Sim — disse ela, sem dar muita importância.

— É tão estranho ver você sorrindo sem ser de raiva! — ela deu uma risada estrangulada.

— Para de ser imbecil! Está ali a maleta! — ela apontou para cima do armário, onde tinha uma maleta de pronto-socorro. Peguei e entreguei para ela.

— Por que você, sendo de inteligência máxima, guarda uma coisa tão importante onde não consegue alcançar? — ela me olhou brava, indo para a sala de estar.

— Porque meus sobrinhos poderiam vir aqui, e isso jamais pode ficar à vista deles. Além de serem muito curiosos, tem muito medicamento perigoso aqui! — observei de longe e realmente havia muita medicação ali. Ela deve ser uma pessoa que tem muita dor de cabeça, já que tinha um estoque de dipirona. Meu olhar se deteve em algumas caixas que tinham tarja preta, e olhei para ela.

Ela pareceu não notar que eu estava observando aquilo com atenção. Finalmente, ela achou o antialérgico e colocou dois comprimidos, engolindo-os secos.

— Primeiro, seus sobrinhos têm o que? 1,90 de altura e são mongoloides? Segundo, se sabe que isso aí vai te chapar, manda logo dois de uma vez? Já disse: se quer morrer, deixa eu tirar minhas digitais daqui! — ela me olhou brava, fechando a maleta.

— Obrigada, Miguel, pela ajuda. Agora, pode ir para sua casa e deixar eu morrer em paz na minha! — ela me empurrou para fora do apartamento.

— Deixa eu tirar minhas digitais antes! — gritei, e ela gritou alguma coisa de volta, fazendo-me sorrir um pouco.

Era curioso: por que ela tomava aqueles medicamentos de tarja preta? E quem era aquele na foto com ela?

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