Capitulo 4

Nunca na minha vida uma mulher conseguiu me tirar tão do sério quanto aquela vizinha surda. Ela estava novamente ouvindo música alta, e eu já me pegava imaginando como seria fácil pegar o pescoço dela e enforcá-la umas cinco vezes. Era minha folga, e eu não queria me estressar com ela. Peguei meu lixo e, assim que abri a porta, vi que ela também estava saindo para colocar o lixo dela.

— Olha só, se não é a minha vizinha surda! — comentei, não podendo conter o sarcasmo.

Ela levantou o rosto, e a expressão que tinha ao me ver era como se eu fosse a última pessoa que ela quisesse encontrar.

— Ah, sério que você está em casa? — perguntou, como se fosse uma grande surpresa.

— E por que não estaria? — retruquei, já franzi o cenho.

— Achei que estivesse trabalhando — disse, e sorri, tentando parecer mais relaxado.

— Hoje é minha folga. E você, não trabalha? — Questionar isso pareceu mais que um desafio, especialmente porque parecia que ela sempre estava em casa quando eu estava.

— Estou de folga, não que isso seja da sua conta! — A resposta dela foi rápida. Sorri de novo, mas dessa vez um pouco mais malicioso.

— Que ótimo, nossas escalas se batem — comentei, observando como ela colocava as mãos na cintura.

Por que diabos eu achava que era divertido vê-la irritada daquele jeito? No fundo, eu sabia a razão: preferia ver aqueles olhos verdes dela cheios de raiva do que com aquele olhar triste.

— Não vejo como isso é ótimo — sorri, só para irritá-la ainda mais.

— Você é um insuportável, Miguel! — ela exclamou, pegou o lixo e saiu marchando para fora. Não pude evitar uma risada ao ver sua determinação. Fui levar meu lixo também e, assim que voltamos, não deixei de falar.

— Vê se abaixa essa música, surda! — gritei, e ela deu um gritinho e bateu a porta. Assim que entrei no meu apartamento, ouvi sua voz gritar:

— Está bom para você, insuportável?

Não consegui conter o riso.

Mais tarde, decidi ir ver a academia do condomínio. Afinal, se eu pagava tão caro, deveria usufruir de tudo, certo? Infelizmente, a surda resolveu que também iria para a academia. Eu não havia sido uma pessoa agradável com ela, mas ela me dava muitos motivos: som alto, voz desafinada, e, claro, a própria respiração dela. Minha mãe sempre dizia: “Nunca diga dessa água não bebereis.” Pois bem, o karma chegou rápido.

Estava levantando pesos quando percebi que a vizinha surda — vulgo Clarisse — começou a correr na esteira. Ela podia ser insuportável, mas, meu Deus, ela era linda! O corpo dela era voluptuoso e, acredite, aqueles seios pareciam naturais. Por que eu tinha a impressão de que aquelas maravilhas eram quase impossíveis? Eu passava tanto tempo focado em brigar com ela que esquecia que era uma mulher... e uma mulher linda. Isso me deixava absolutamente frustrado.

Balancei a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Precisava sair da linha de visão dela. Levantei e fui para a bicicleta. Mas, claro, a surda decidiu sair da esteira e vir para a bicicleta também. Acelerei o passo, mas ela fez o mesmo.

— Ah, qual é? Você estava na esteira agora mesmo! — exigi, fazendo careta.

— E você estava erguendo peso! Homem nem faz bicicleta! — ela retrucou.

— Que machista! — revirou os olhos, e eu só consegui rir.

— Sabe que é verdade! Agora me deixe subir — ela colocou a perna para passar pela bicicleta, e eu a empurrei de volta, mas sem machucá-la. Odiava-a, mas não a esse ponto.

— Não, eu cheguei primeiro! — disse, e quando fui subir, ela me empurrou. Agora, isso estava ficando idiota.

— Você tem 5 anos? — perguntei, me sentando no banco, enquanto ela sentava na outra ponta. E foi ladeira abaixo, porque começamos a nos empurrar com as costas.

— Você só veio aqui para me azucrinar! — ela gemeu, tentando me empurrar.

— Algum problema aqui? — O personal trainer do lugar nos olhou como se fôssemos crianças no maternal.

— Ele está tentando me tirar do aparelho! — disse Clarisse, com aquela voz toda enfadonha. Jesus, como eu a odiava.

— Sério? Eu estava vindo para o aparelho, e ela veio junto, porque além de surda, é impaciente e não consegue esperar eu usar! — defendi-me, e o personal trainer olhou para mim, depois para ela, suspirando.

— E os dois não conseguem decidir entre si quem pode fazer primeiro? — questionou.

— Pela lógica, seria eu! — disse Clarisse, e eu revirei os olhos.

— Só porque você é mulher? — provoquei, e ela me lançou um olhar mortal.

— Um cavaleiro deixaria eu usar primeiro! — ela disse, indignada.

— Eu costumo ser bem cavalheiro, mas não com você! — respondi, e ela abriu a boca, chocada.

— Ok, os dois, fora daqui e evitem vir no mesmo horário! — o personal trainer disse, e eu abri a boca, indignado.

— O que? Você não pode decidir qual dos dois pode fazer? — perguntei, e Clarisse estava igualmente indignada.

— Não! Até porque, se dois adultos não conseguem, não sou eu que vou entrar no meio da briga tão... adulta! — olhei para ela com raiva e me surpreendi ao ver que ela já me devolvia o olhar.

— Eu te odeio com todas as minhas forças! — ela pegou a toalha e saiu batendo os pés. Uma pessoa normal ficaria envergonhada, mas eu não. Peguei minhas coisas e fui atrás dela.

— Oh, surda! — gritei, e ela ergueu a mão direita, mostrando o dedo médio para mim.

— Por que você não para de respirar para variar? — ri, andando ao lado dela.

— Por que não segue o mesmo conselho? — ela parou de repente, fazendo eu quase esbarrar nela.

— Chega, isso já deu. Estamos sendo infantis! — ela respirou fundo, colocando as mãos nos quadris. — Eu não gosto de você, e você não gosta de mim, mas viver assim não dá. Olha a cena ridícula que acabamos de fazer! Para mim, já deu!

Eu a odiava por ter que dar o braço a torcer, mas era verdade: essa briga infantil já tinha passado do limite. Passei a mão pelo rosto e bufei.

— Sim, tudo isso — disse, abrindo os braços. — Já passou dos limites do "normal". Devo admitir que não facilite toda a nossa interação.

Ela abriu a boca, mas depois fechou, e eu tinha quase certeza de que ela ia fazer algum comentário sarcástico. Mas isso quebraria nossa trégua.

— Trégua? — perguntou ela, parecendo cética.

— Desde que você ouça tudo baixo na sua casa, sim! — ela apertou os lábios e assentiu.

— Bem, acho melhor evitarmos andar nos mesmos locais — franzi a testa.

— Isso não é demais? — questionei, e ela fez careta.

— Lembra da cena ridícula que acabamos de fazer na academia? — perguntou, deixando o quadril dar uma quebrada de lado, e eu, involuntariamente, segui o movimento. Mulher... ela era uma mulher linda, e eu sempre me esquecia disso.

Nos momentos em que estávamos conversando civilizadamente, percebi que ela não era só a vizinha surda irritante. O cabelo dela era castanho, mas no sol ganhava um tom avermelhado. Os olhos mantinham o tom verde escuro, mas agora pareciam mais acesos, prontos para brigar. E, pela primeira vez, comecei a reparar que o corpo dela era muito bonito, embora fosse de alguém que já foi acima do peso.

— Miguel! — chamou ela, cruzando os braços, me tirando dos meus devaneios.

— Falou alguma coisa? — ela bufou.

— Tá, esquece. Vamos manter uma convivência civilizada, ok? — assenti, ainda um pouco atordoado. Mas ela não esperou uma resposta, simplesmente saiu andando, me deixando com a maior cara de besta do mundo.

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