Nunca na minha vida uma mulher conseguiu me tirar tão do sério quanto aquela vizinha surda. Ela estava novamente ouvindo música alta, e eu já me pegava imaginando como seria fácil pegar o pescoço dela e enforcá-la umas cinco vezes. Era minha folga, e eu não queria me estressar com ela. Peguei meu lixo e, assim que abri a porta, vi que ela também estava saindo para colocar o lixo dela.
— Olha só, se não é a minha vizinha surda! — comentei, não podendo conter o sarcasmo. Ela levantou o rosto, e a expressão que tinha ao me ver era como se eu fosse a última pessoa que ela quisesse encontrar. — Ah, sério que você está em casa? — perguntou, como se fosse uma grande surpresa. — E por que não estaria? — retruquei, já franzi o cenho. — Achei que estivesse trabalhando — disse, e sorri, tentando parecer mais relaxado. — Hoje é minha folga. E você, não trabalha? — Questionar isso pareceu mais que um desafio, especialmente porque parecia que ela sempre estava em casa quando eu estava. — Estou de folga, não que isso seja da sua conta! — A resposta dela foi rápida. Sorri de novo, mas dessa vez um pouco mais malicioso. — Que ótimo, nossas escalas se batem — comentei, observando como ela colocava as mãos na cintura. Por que diabos eu achava que era divertido vê-la irritada daquele jeito? No fundo, eu sabia a razão: preferia ver aqueles olhos verdes dela cheios de raiva do que com aquele olhar triste. — Não vejo como isso é ótimo — sorri, só para irritá-la ainda mais. — Você é um insuportável, Miguel! — ela exclamou, pegou o lixo e saiu marchando para fora. Não pude evitar uma risada ao ver sua determinação. Fui levar meu lixo também e, assim que voltamos, não deixei de falar. — Vê se abaixa essa música, surda! — gritei, e ela deu um gritinho e bateu a porta. Assim que entrei no meu apartamento, ouvi sua voz gritar: — Está bom para você, insuportável? Não consegui conter o riso. Mais tarde, decidi ir ver a academia do condomínio. Afinal, se eu pagava tão caro, deveria usufruir de tudo, certo? Infelizmente, a surda resolveu que também iria para a academia. Eu não havia sido uma pessoa agradável com ela, mas ela me dava muitos motivos: som alto, voz desafinada, e, claro, a própria respiração dela. Minha mãe sempre dizia: “Nunca diga dessa água não bebereis.” Pois bem, o karma chegou rápido. Estava levantando pesos quando percebi que a vizinha surda — vulgo Clarisse — começou a correr na esteira. Ela podia ser insuportável, mas, meu Deus, ela era linda! O corpo dela era voluptuoso e, acredite, aqueles seios pareciam naturais. Por que eu tinha a impressão de que aquelas maravilhas eram quase impossíveis? Eu passava tanto tempo focado em brigar com ela que esquecia que era uma mulher... e uma mulher linda. Isso me deixava absolutamente frustrado. Balancei a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Precisava sair da linha de visão dela. Levantei e fui para a bicicleta. Mas, claro, a surda decidiu sair da esteira e vir para a bicicleta também. Acelerei o passo, mas ela fez o mesmo. — Ah, qual é? Você estava na esteira agora mesmo! — exigi, fazendo careta. — E você estava erguendo peso! Homem nem faz bicicleta! — ela retrucou. — Que machista! — revirou os olhos, e eu só consegui rir. — Sabe que é verdade! Agora me deixe subir — ela colocou a perna para passar pela bicicleta, e eu a empurrei de volta, mas sem machucá-la. Odiava-a, mas não a esse ponto. — Não, eu cheguei primeiro! — disse, e quando fui subir, ela me empurrou. Agora, isso estava ficando idiota. — Você tem 5 anos? — perguntei, me sentando no banco, enquanto ela sentava na outra ponta. E foi ladeira abaixo, porque começamos a nos empurrar com as costas. — Você só veio aqui para me azucrinar! — ela gemeu, tentando me empurrar. — Algum problema aqui? — O personal trainer do lugar nos olhou como se fôssemos crianças no maternal. — Ele está tentando me tirar do aparelho! — disse Clarisse, com aquela voz toda enfadonha. Jesus, como eu a odiava. — Sério? Eu estava vindo para o aparelho, e ela veio junto, porque além de surda, é impaciente e não consegue esperar eu usar! — defendi-me, e o personal trainer olhou para mim, depois para ela, suspirando. — E os dois não conseguem decidir entre si quem pode fazer primeiro? — questionou. — Pela lógica, seria eu! — disse Clarisse, e eu revirei os olhos. — Só porque você é mulher? — provoquei, e ela me lançou um olhar mortal. — Um cavaleiro deixaria eu usar primeiro! — ela disse, indignada. — Eu costumo ser bem cavalheiro, mas não com você! — respondi, e ela abriu a boca, chocada. — Ok, os dois, fora daqui e evitem vir no mesmo horário! — o personal trainer disse, e eu abri a boca, indignado. — O que? Você não pode decidir qual dos dois pode fazer? — perguntei, e Clarisse estava igualmente indignada. — Não! Até porque, se dois adultos não conseguem, não sou eu que vou entrar no meio da briga tão... adulta! — olhei para ela com raiva e me surpreendi ao ver que ela já me devolvia o olhar. — Eu te odeio com todas as minhas forças! — ela pegou a toalha e saiu batendo os pés. Uma pessoa normal ficaria envergonhada, mas eu não. Peguei minhas coisas e fui atrás dela. — Oh, surda! — gritei, e ela ergueu a mão direita, mostrando o dedo médio para mim. — Por que você não para de respirar para variar? — ri, andando ao lado dela. — Por que não segue o mesmo conselho? — ela parou de repente, fazendo eu quase esbarrar nela. — Chega, isso já deu. Estamos sendo infantis! — ela respirou fundo, colocando as mãos nos quadris. — Eu não gosto de você, e você não gosta de mim, mas viver assim não dá. Olha a cena ridícula que acabamos de fazer! Para mim, já deu! Eu a odiava por ter que dar o braço a torcer, mas era verdade: essa briga infantil já tinha passado do limite. Passei a mão pelo rosto e bufei. — Sim, tudo isso — disse, abrindo os braços. — Já passou dos limites do "normal". Devo admitir que não facilite toda a nossa interação. Ela abriu a boca, mas depois fechou, e eu tinha quase certeza de que ela ia fazer algum comentário sarcástico. Mas isso quebraria nossa trégua. — Trégua? — perguntou ela, parecendo cética. — Desde que você ouça tudo baixo na sua casa, sim! — ela apertou os lábios e assentiu. — Bem, acho melhor evitarmos andar nos mesmos locais — franzi a testa. — Isso não é demais? — questionei, e ela fez careta. — Lembra da cena ridícula que acabamos de fazer na academia? — perguntou, deixando o quadril dar uma quebrada de lado, e eu, involuntariamente, segui o movimento. Mulher... ela era uma mulher linda, e eu sempre me esquecia disso. Nos momentos em que estávamos conversando civilizadamente, percebi que ela não era só a vizinha surda irritante. O cabelo dela era castanho, mas no sol ganhava um tom avermelhado. Os olhos mantinham o tom verde escuro, mas agora pareciam mais acesos, prontos para brigar. E, pela primeira vez, comecei a reparar que o corpo dela era muito bonito, embora fosse de alguém que já foi acima do peso. — Miguel! — chamou ela, cruzando os braços, me tirando dos meus devaneios. — Falou alguma coisa? — ela bufou. — Tá, esquece. Vamos manter uma convivência civilizada, ok? — assenti, ainda um pouco atordoado. Mas ela não esperou uma resposta, simplesmente saiu andando, me deixando com a maior cara de besta do mundo.O plantão estava um tédio absoluto. Eu já estava quase no fim da minha jornada, faltando apenas duas horas, quando ouvi o interfone.— Enfermeira Clarisse, por favor comparecer ao setor de urgência/emergência. Ótimo! Justo quando eu estou prestes a ir embora, a merda acontece. — Informar o código é bom nada! A Clarisse que lute para saber o que vai encontrar lá embaixo — um dos técnicos riu.— Estava reclamando agora mesmo que o plantão estava um tédio, chefe! — respondi, semi-cerrei os olhos.— Sorte que você é muito boa, se não estaria fazendo piadinhas lá no RH! — ele riu de novo, e até eu dei uma risada nervosa. Respirando fundo, desci para o PS, e aparentemente, tudo estava tranquilo. Fui até o enfermeiro responsável.— Qual é, Daniel? Não consegue dar conta do seu setor? — perguntei, e ele me olhou como se pudesse tacar a prancheta na minha cabeça.— O Dr. Lucas quer que você o auxilie em um código laranja na sala 5. Sabe que ele só gosta de você! — dei ombros, rindo.— Claris
— Miguel, para com isso! É uma ordem! — disse Giovanni, ainda meio grogue da anestesia.— Essa pode ser a única oportunidade que eu tenho de atormentar essa mulher sem receber um chute nas bolas — respondi, dando-lhe um sorriso malicioso.— Você está atormentando ela como se fosse um menino de 13 anos apaixonado! — ele me olhou com reprovação.Ignorei o comentário dele, e nesse momento, Clarisse apareceu na porta do quarto, com uma expressão de quem estava pronta para me matar.— Miguel, vou arrancar seus olhos! — ela realmente parecia disposta a fazer isso, mas, no fundo, meu eu demoníaco queria ver até onde ela aguentaria sem me xingar.— A TV não liga — eu disse, tentando ser casual.Ela franziu a testa para mim.— Não me acabei de estudar por quatro anos, fiz uma pós-graduação de dois anos e um mestrado de três em oncologia para vir aqui a cada cinco minutos porque você quer atormentar minha vida, Miguel! — ela estava furiosa.— Peço perdão pelo meu subordinado. Não estou em condi
Deus do céu, minha cabeça estava doendo tanto que parecia que tinha sido atropelada por um caminhão. E meu nariz? Parece que não existia mais. Finalmente, parecia que eu estava começando a recuperar os sentidos, especialmente o olfato. Fiz uma lavagem nasal só por garantia e decidi aproveitar minha folga. Estava tudo tranquilo até ouvir uma gritaria no corredor.Comecei a ignorar, pois não estava no clima de bancar a intrometida, mas então reconheci uma voz que me deixou alerta.— Senhora, abaixe a faca agora! — Merda, era o Miguel? E por que alguém estava com uma faca? Levantei do sofá e abri a porta rapidamente. No meio do hall de entrada, vi Miguel tentando acalmar uma mulher que estava com uma faca de cozinha enorme, enquanto outra mulher gritava com as duas que estavam do outro lado dele.— O que está acontecendo? — perguntei, confusa.— Clarisse, volta agora para o apartamento! — Miguel disse, sua voz firme.— O que está acontecendo? — perguntei de novo, sem entender.— Essa vag
Eu andava tão estressada ultimamente que precisava urgentemente sair e fazer algo novo. Foi então que vi um anúncio na entrada do condomínio sobre uma viagem para Paraty de dois dias. Pensei que seria uma ótima oportunidade para espairecer um pouco. Comprei a viagem e pedi folga do serviço. Já se passavam semanas desde o ocorrido com Miguel; nós tínhamos aprendido a nos suportar, mas ele ainda insistia em me chamar de "surda" de vez em quando, e eu fingia que não queria matá-lo.No dia da viagem, peguei um Uber até o local onde o ônibus estaria estacionado. Tudo parecia lindo, perfeito, até que cheguei à minha poltrona.— Só pode ser brincadeira! — disse ao ver Miguel sentado ali.— Ah, Deus do céu, o que foi que eu fiz na vida passada? Taquei pedra na cruz, no mínimo! — ele comentou, olhando para mim com uma expressão de desespero.— O que você está fazendo aí? — perguntei, irritada.— Sentado. E você? — ele respondeu, sorrindo.— Bati nele com a minha passagem, e ele riu. — Eu vou v
Consegui dar alguns cochilos durante a viagem, mas estava exausta. Chegamos em Paraty às 3:00 da manhã, e eu tinha tempo suficiente para dormir no quarto até as 7:00. Desci primeiro que Miguel, que ficou incrivelmente em silêncio o resto da viagem após nossa conversa profunda. Fui fazer o check-in no hotel enquanto ele ficou quase no final da fila.— Bom dia, moça. Clarisse Maia — disse para a atendente, que logo digitou rapidamente e assentiu.— Cadê o seu acompanhante? — perguntou ela, e eu franzi a testa.— Acompanhante? — perguntei, confusa.— Sim, aqui diz que é quarto para casal. — Olhei para ela, ainda confusa.— Moça, acho que há alguma confusão. — Ela negou com a cabeça.— Aqui está: Clarisse Maia e Miguel Galvão. — Só podia ser brincadeira.— Só pode ser brincadeira! — suspirei, sentindo a frustração subir.— Olha, se for confusão, temos um problema. Estamos em alta temporada e não temos quartos separados. — Apertei os lábios e fechei os olhos. — Posso te recomendar outros h
Sentei-me na cama com uma sensação estranha, quase... excitada? Que merda era essa? Ainda bem que Miguel estava no banheiro, tomando banho, porque seria muito estranho acordar assim ao lado dele. Passei a mão na nuca, tentando me livrar daquela sensação, mas acabei me arrepiando de novo. Fui até minha mala e peguei minhas coisas para tomar banho. Finalmente, depois de uns longos 20 minutos, Miguel saiu do banheiro.— Nossa, finalmente! — exaltei, ao vê-lo sair com a toalha enrolada na cintura. Deus do céu, aquele fogo voltou de novo. A visão do cabelo molhado e do corpo dele exposto era um ato de maldade contra meus hormônios.— Bom dia para você também! — disse ele, com um sorriso travesso, e eu revirei os olhos.— Você não tem roupa, não? — perguntei, passando por ele.— Para que me vestir se eu posso ver esse seu rostinho sedento logo de manhã? — Ignorando o comentário dele, fui direto para o chuveiro. Coloquei meu biquíni e minha saída de praia, mas então tive uma ideia infantil.
-Migueel, abre essa porta logo- reclamei com a língua enrolada.-Calma casseeetee ta tudo rodando aqui- ele disse mais bambo do que eu e isso me fez rir.-Eu vou fazer xixi- disse apertando as pernas.-Porra de novo? – finalmente ele conseguiu abrir a porta e eu entrei cambaleando , e consegui lembrar onde era o banheiro , fiz xixi e comecei a rir, meu deus eu e o Miguel estávamos fazendo competição de bebida e acabou que os dois idiotas beberam mais do que podia, no final das contas os dois acabaram bêbados, e quase não conseguimos voltar para o hotel de tão chapado que a gente ficou. Aproveitei que estava no banheiro e tomei um banho para tirar a areia do corpo, esperei um pouco para ver se a cachaça saia mais parece que piorou, me enrolei na toalha e sai para o quarto.-Ai meu deus até que em fim- disse o Miguel entrando no banheiro, pensei que era para vomitar mais era para fazer xixi, comecei a rir.-Vai o mijão- gritei na porta e ele me xingou de volta o que me fez rir ,ouvi ele
Era a primeira vez em anos que eu dava um sorriso sincero. É estranho pensar que, por tanto tempo, eu não me permiti essa alegria. Lembro-me das brigas com minha mãe, sempre me cobrando por estar tão distante, tão fechada. Meu sorriso havia se tornado uma máscara, uma obrigação. Sinceramente, eu não me via motivada a sorrir. Um sorriso alegre, afinal, depende de um motivo alegre, não é mesmo? Mas hoje, eu tinha um motivo.Dois anos atrás, assinei a escritura do meu apartamento e, finalmente, estava aqui, dentro dele, exatamente como sempre sonhei. No entanto, havia um buraco no meu coração, e ele parecia se abrir ainda mais quando olhava para a porta e via aquele porta-chaves que dizia: “E viveram felizes para sempre”. Eu deveria me livrar daquilo, eu sei. Mas gostava de tê-lo ali, era a última lembrança de um tempo bom, de uma época em que eu era feliz e sorria sem pensar que estava sendo obrigada a isso por educação. Lembro-me de como eu não era hostil nem antipática, apenas eu mesm