Capítulo 2°

      Minha mãe escorraçou Arthur aos gritos.

  — Você não passa do filho do dono do mercado. Minha filha não vai perder jamais essa oportunidade! Eu não vou deixar! Fora daqui agora!

      Eu meneava a cabeça desesperada, tentando evitar o delírio da minha mãe. Ela parecia enlouquecida de ódio. Alguns funcionários correram para saber o que acontecia.

    — Coloquem esse rapaz para fora daqui! Ele está ameaçando o emprego de vocês! 

        O motorista, a cozinheira e a arrumadeira não entenderam bem o que a minha mãe quis dizer, mas seguraram o braço de Arthur e pediram para que se retirasse por bem.

  — Isso não pode ficar assim! — Arthur gritou antes de sair.

      Quando minha mãe se achegou para os funcionários e descaradamente começou a explicar a situação, eu subi para o meu quarto envergonhada.

  — Nora está prometida a Victor Sorano, entenderam? Precisamos evitar que esse rapaz estrague tudo! 

      Eu bati a porta do meu quarto para não ouvir mais a voz da minha mãe. Deitei na minha cama sentindo um incômodo no meio das pernas. Foi horrível. Nunca pensei que fosse tão ruim fazer sexo. Decidi não fazer mais aquilo com ninguém. Eu chorei como criança até adormecer.

     No dia seguinte, quando desci para o meu desjejum, senti um clima estranho. Maria que servia a mesa, me olhava de rabo de olho e Antônio, o motorista, não estava presente, mas Ana, a arrumadeira, que era sempre tão alegre, me observava enquanto mexia com as almofadas do sofá. Eu sabia que ela estava disfarçando, havia ali um mal estar.

     Enquanto descia as escadas, eu procurava a minha mãe com os olhos, constatando que ela não estava à mesa. 

     Eu me sentei desconfiada, evitando o olhar das duas funcionárias, que por muito tempo pareciam minhas amigas, mas agora deviam estar preocupadas em ficar desempregadas.

    Minha mãe lhes pagava muito bem e elas deviam gostar muito de trabalhar na nossa casa que ficava próxima ao comércio e era mais cômodo trabalhar ali do que ter que procurar emprego numa fazenda onde havia mais oferta.

     Eu comi em silêncio até que minha mãe chegou acompanhada de Antônio. O homem me olhava penalizado, mas eu ainda não sabia o porquê.

  — Filha, tenho boas notícias para você! Fui ter com Victor Sorano.

       Engoli em seco. A ansiedade tomou conta de mim enquanto via minha mãe sentar-se ao meu lado. Eu já começava a vê-la como aquelas bruxas de contos de fadas. Eu já me sentia como uma borralheira, uma estranha dentro da minha própria casa.

  — Falei com o seu noivo!

       Eu me assustei com aquela expressão e quase vomitei a comida que mastigava.

  — Não se assuste querida! Está tudo bem! Victor é um lorde. Ele entendeu perfeitamente a situação. 

       Eu me virei para contemplar a expressão tranquila da minha mãe. Ela sorria e não parecia estar preocupada com o nosso futuro, uma vez que estávamos atoladas em dívidas e não poderíamos mais contar com o homem de pedra.

   — Coma querida! Logo vamos tratar do seu casamento com o pobretão que escolheu! 

       Eu voltei a comer com os meus olhos assustados tentando entender como minha mãe estava tão tranquila. Afinal, de repente ela vai falar com o senhor do mal e volta nessa paz. Pensei que a veria revoltada.

       Ingenuamente, eu não percebi que estava caindo numa armadilha. Fui encontrar Arthur o mais rápido que pude e lhe deixei a par da situação. 

  — Meu Deus, eu não acredito! Eu vou casar com você! É tudo o que eu sempre quis!

      Arthur estava imensamente feliz, mas eu só conseguia sentir alívio, então deixei claro:

  — Sabe porque estou me casando, não quero fazer aquilo novamente. Eu detestei, me senti violentada! Não vai me tocar mais!

      Arthur sorriu e me abraçou. Para ele, eu não tinha crescido, ou ainda era a mesma garota boba da qual ele roubou um beijo.

  — Eu não estou brincando, Arthur! — eu insisti nervosa. 

       Arthur saiu me puxando pela mão até o interior do mercado chamando a atenção dos funcionários. Deviam ser pouco mais de vinte. Não era um mercado tão pequeno.

  — Pessoal! Olhem aqui! Essa é a minha futura esposa! Eu e Nora vamos nos casar! 

      Eu vi nos olhares deles que me achavam uma burguesinha e a princípio não acreditaram muito no patrão. 

      O pai de Arthur saiu de dentro de uma sala resmungando:

  — Mas o que está acontecendo aqui! Que gritaria é essa, filho?

       Eu me senti pequenina. Estava muito envergonhada. Sabia que eles iriam logo imaginar o porquê desse casamento tão apressado. 

  — Vamos nos casar pai! Eu sou um homem, não sou um rato!— Arthur explicou. 

       Eu puxei a mão dele irritada. Como ele podia fazer isso comigo? Todos sabiam que eu só estava me casando porque havia perdido a minha virgindade.

        O meu sogro veio me abraçar todo feliz, logo veio a minha sogra e os meus cunhados. Ai que vergonha, eu não tinha intimidade com nenhum deles  

  — O meu filho é um homem e vai reparar o seu erro!— ainda tive que ouvir essa da minha sogra.

       Eu sai batendo o pé com ódio do Arthur. Ele me alcançou lá fora, próximo ao caminhão o qual estava carregando antes de eu chegar.

  — Me desculpe, Nora! Eu me empolguei, é isso!

       Eu relaxei, mas ainda cheguei em casa agitada. 

        Ana veio conversar comigo. Finalmente eu tinha a minha amiga de volta. 

  — Vai ficar tudo bem! Dona Armênia disse que eu podia te ajudar a escolher o seu vestido. 

       Eu suspirei e sentei-me na cama. Estava preocupada agora com os gastos do casamento. 

  — Precisa pedir ajuda ao seu noivo, pois sua mãe está quebrada. 

  — Eu sei.

       Ficamos fazendo planos contando com a ajuda que viria da família do Arthur.

       No dia seguinte, fomos ao mercado do meu noivo. Eu já começava a ver o recinto com outros olhos. Era o único mercado grande da cidade, ficava no centro e vendia para algumas cidades vizinhas. Eu não levaria uma vida tão humilde.

       O meu sogro veio falar comigo, todo gentil:

  — Querida, sei que as coisas não andam muito bem para a sua família, depois da morte do seu padrasto, então faço questão de bancar todas as despesas deste casamento. Escolha um vestido bem bonito! 

        Eu saí toda animada conduzindo Ana pelo braço. Ela olhava para trás como se percebesse qualquer coisa estranha na expressão do meu sogro.

  — Tem alguma coisa errada nessa história, menina! Esse homem sempre foi pão-duro! 

       Eu, ingenuamente, não percebi nada de errado. Estava satisfeita em não casar com o homem de pedra. Isso sim era um pesadelo para mim.

      À noite, fui encontrar as amigas de sempre na praça. Elas estavam eufóricas, enquanto eu olhava de rabo de olho para a estátua do meu inimigo. Sim, eu o odiava. Pensar que havia se aproveitado da situação vulnerável em que o meu padrasto nos deixou, para resolver o seu problema. Devia ser tão insuportável que ninguém queria se casar com ele, mesmo sendo tão rico! 

     Ele parecia me olhar com cara de poucos amigos. Eu não acreditei que ele aceitou a minha recusa tão fácil, como a minha mãe havia dito, mas eu não tinha noção do quanto ele estava enfurecido. 

      Naquele momento, Victor olhava para o céu da sua sacada. Ele desabafava ao vento.

  — Ninguém me faz uma desfeita dessa! Vai derramar lágrimas de sangue, garota! 

       Nesse dia, eu cheguei em casa muito satisfeita. Havia encomendado o meu vestido da liberdade e contei aos quatro ventos que ia me casar.

       Eu chamava meu vestido de noiva de vestido da liberdade porque esse casamento de faz de contas, era a chave para a minha liberdade. As minhas amigas trataram de espalhar a notícia.

       Eu dormi como um anjo. Assim foram muitos dias. Arthur vinha namorar algumas vezes na semana, mas eu não deixava ele me tocar. Mal lhe permitia um beijinho de leve nos lábios. 

        O mais estranho, era a minha mãe tratá-lo bem e com alegria. Eu demoraria muito para descobrir o porquê. 

       

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