Olhou ao redor.
Encontrou o painel a sua direita onde estavam o escudo e a espada: Dente de Dragão. Suas armas haviam sido recolhidas na noite anterior para que fossem tratadas especialmente para aquele dia, então ele planejava somente tomá-las na hora do embate com Geralt.
Correu com a arma que acabara de apanhar em punhos.
Acompanhado de um grito, golpeou um soldado no caminho, depois aparou o golpe de outro e contra-atacou, perfurando a cota de malha enferrujada por baixo do corpo do inimigo naquela curta dança de espadas. Enquanto continuava correndo para atravessar o campo ia repelindo ataques e às vezes devolvia o golpe sem perder o fluxo de seus apressados passos até Dente de Dragão.
A poucos metros de distância foi interrompido por um oponente muito habilidoso, qual não dava brecha para um ataque direto. Gale posicionou a espada para trás, abaixo de sua cintura, uma de suas posições favoritas com espadas de duas mãos para surpreender o inimigo. O espadachim adversário tentou atacar com um corte por cima, então o jovem bloqueou o ataque e empurrou a lâmina para o alto até o limite onde seus braços poderiam alcançar, levando as duas espadas para acima da linha da cabeça e abrindo a guarda do homem, que foi empurrado com um chute alto no estômago e golpeado com a queda da arma do garoto sobre sua cabeça, não podendo fazer nada pelo equilíbrio que lhe foi roubado e a defesa extremamente exposta.
O caminho estava livre até que viu um invasor ser arremessado através do pequeno corredor imaginário. Uma abertura no meio do caos da batalha. Virou-se para a direção de onde o encapuzado tinha sido atirado e viu Noran, um já velho Protetor, mas muito forte, que lutava de mãos vazias contra vários inimigos de uma só vez.
— Venham e enfrentem a ira de um filho da Luz! — gritava o velho careca e musculoso enquanto se desviava de um golpe de espada e corria até outro encapuzado para desarmá-lo. — Seus movimentos são fracos demais — disse ao agarrar o mascarado que desarmara e que agora recebia golpes na cabeça do mesmo. Então riu grandiosamente, o que certamente deve ter amedrontado os oponentes, que pensaram duas vezes antes de atacar novamente.
— Senhor Noran! — chamou Gale, que lhe jogou a espada que empunhava e ganhou um honesto sorriso de agradecimento, que para aqueles vestidos em mantos escuros lá deve ter soado aterrorizante de tão prazerosa era a sensação do Protetor ao receber a arma.
— Muito obrigado, meu querido! Agora é hora de brigarmos como homens. Certo, crianças? — perguntou aos invasores. Então investiu contra eles. Pelo que conhecia dele, o jovem poderia afirmar que o velho Protetor não era o maior exemplo de fé dentro do Santuário, ele acreditava nos homens e no peso da espada.
Gale correu para o painel, onde se equipou com o escudo, um elmo e a Dente de Dragão. A espada era feita com ferro tariano, o melhor metal para se forjar de toda Cylch e possuía uma cabeça de dragão entalhada por ele mesmo no pomo do cabo.
Sabia o que fazer, era o único com algum tipo de proteção, já que trajava um peitoral de couro, braçadeira de carvalho guardiano e joelheiras por causa do combate que teria. Era o único que podia abrir caminho pelo túnel até o lado de fora, que supôs estar pior que dentro da Arena das Estrelas. Os filhos da Luz não poderiam ficar ali, era questão de tempo até chegarem mais mascarados e derrotá-los naquele ambiente fechado e sem armamento para se defender.
O aprendiz então brandiu sua espada em direção ao alvo mais próximo e gritou:
— Por Luxord!
Seu grito conseguiu levantar a moral dos que ali estavam, como um pedido para mais um esforço. Até o limite.
Ele correu em direção ao túnel, acompanhado por outros aprendizes e protetores, abrindo caminho. Gale girou a espada em seu punho e estocou um alvo, defendeu um machado vindo da direita com o escudo e golpeou o autor do ataque rapidamente. Sentiu um golpe acertar-lhe a cabeça, o que o fez ficar tonto e embaralhar os sentidos. Cambaleou para o lado e acertou com as costas a parede esquerda do túnel, onde uma batalha violenta acontecia. Quando sua visão começou voltar ao normal, não enxergando versões duplicadas de seus oponentes e aliados, percebeu a lâmina que caía sobre si. Rapidamente o guerreiro se desviou para a direita com o susto, ainda zonzo, mas conseguiu aparar o próximo ataque. Firmou os pés no chão e investiu contra a espada, defendendo-a com seu escudo de madeira e trazendo a Dente de Dragão para frente, perfurando o alvo.
As mortes não estavam tendo mais tempo para causar pesar ou qualquer outro tipo de sentimento punitivo, não se podia pensar mais que o necessário para saber onde acertar o próximo golpe. O aprendiz correu abrindo caminho dentro do túnel junto dos outros, recebendo mais golpes do que gostaria, e conseguiu chegar ao seu fim, vislumbrando a cidade que outrora era maravilhosa, agora não passando de casas e ruas em chamas.
Do lado de fora, os protetores estavam armados e realizando pequenos combates em grupos, o que Gale pensou que deveria estar se estendendo por todo o Santuário. Os que saíram de dentro da Arena iam se juntando às lutas em diferentes lugares. Não ele.
O jovem filho da Luz correu através das ruas, estrategicamente planejadas em padrões geométricos perfeitos, tão rápido que não conseguiam acertá-lo com espadas, lanças ou machados. Gale correu até o único erro de cálculo daquela cidade inteira: O beco sem saída formado pelo encontro de uma casa de ladrilhos amarelos, que possuía um terraço descomunal, e de uma casa branca com o telhado pontiagudo da cor azul. O aprendiz não conhecia os donos daquelas residências, mas preferia a casa amarela, era melhor para ver as estrelas do alto do terraço.
Lá, ele se largou ao chão, conseguiu tirar o elmo com dificuldade, pois estava amassado, e se pôs a respirar. O jovem precisava entender o que estava acontecendo, o Santuário da Luz era o lugar onde os protetores eram treinados para proteger o equilíbrio das Estações e impedir que os Senhores das Trevas retornassem, os únicos que poderiam invadir o lugar seriam marionetes deles.
— Mas isso é impossível, somente filhos da Luz podem achar o caminho até o Santuário — disse o rapaz para si mesmo, tentando se controlar e encontrar lógica em seus próprios pensamentos descontrolados.
Um traidor.
Isso seria mesmo possível? Não podia se dar ao luxo de refletir muito sobre isso naquele momento, precisava voltar à luta.
Antes, decidiu fazer um rápido autoexame, para ter certeza das suas condições físicas. Tirou a braçadeira do braço esquerdo e viu que seu punho estava inchado, o que era um grande problema. Gale era canhoto. O pé direito doía um pouco, talvez tivesse torcido na briga dentro da Arena. Nada demais. Seus ombros doíam e as costelas também, possivelmente estavam fraturadas. Um pequeno desejo de ficar escondido no beco até tudo acabar brotou no fundo de seu coração, o que deixou o aprendiz irado. Mesmo que por um segundo ele pensara em abandonar seus amigos e colegas. Pensou em abandonar Luxord, o Senhor da Luz.
Pôs-se de pé. Botou o escudo no braço apertou Dente de Dragão o mais forte que pôde, para evitar que escapasse. Após isso, não teve mais escolha.
Três invasores vestidos de preto o avistaram no beco e avançaram em sua direção. Gale usou a lâmina para aparar o golpe do primeiro oponente a chegar em seu confronto e bateu com o escudo em seu rosto. Então girou e desviou do golpe do segundo, um corte de cima para baixo e encaixou no corpo exposto uma estocada perfurante. Retirou a lâmina do peito do homem e pulou para trás, esquivando-se do ataque do último e ganhando espaço para uma boa inspirada de ar, então saltou em direção à parede da casa de ladrilhos amarelos e pegou impulso na mesma, para acertar a cravada no rosto do alvo. Dente de Dragão ficou presa. Ainda precisava lidar com o primeiro hostil, que já estava recuperado e investiu contra Gale. O garoto se abaixou para desviar do corte transversal e desferiu soco no estômago do ser de máscara e capuz, que se contorceu, então se levantou e lhe bateu com o escudo. O sujeito bateu com a cabeça contra a parede. O garoto pulou até ele e roubou a espada de suas mãos, qual usou em um giro, cortando a vida daquele homem fora. Largou a arma. A respiração estava descompassada novamente e os pontos de fumaça resultante dos incêndios aumentavam.
Mesmo contra a vontade do próprio corpo, que lhe obrigava a ter o dobro de esforço pela fadiga, o jovem escalou a casa com o telhado azul para poder ver o Santuário melhor. Atualmente estava na região dos protetores, onde havia casas, comércios, ferreiros e estábulos. Até onde o rapaz podia ver, era o ponto de menos caos dentro do lugar. Supôs que por ser onde os guerreiros residem, a resposta ao ataque fora mais rápida e efetiva. Avistou ao sul o lugar onde morava: O acampamento dos aprendizes, que eram compostos por inúmeras tendas e barracas de pele de bisão dos Alpes Voadores e era onde ele passara toda a vida enquanto filho da Luz.
Naquele momento, estava totalmente destruído.
O acampamento ficava muito próximo da entrada secreta do Santuário, então possivelmente era onde o ataque havia começado. O lugar que era verde e abençoado pela grama cheirosa estava queimado, morto. Gale viu Geralt lutando bravamente ao lado do Sentinela do Verão, Gaheris, o portador da espada flamejante conhecida como Litha, a filha de Luxord que representava a Estação mais quente. A pele negra do Sentinela brilhava ao brandir sua espada incandescente contra os adversários que ficavam atônitos vendo-a se transformar em um grande chicote, trazendo desespero aos inimigos do fogo do Verão.
Então o jovem direcionou seu olhar a subir a via principal, composta pela estrada de tijolos de rocha anciã que atravessava a cidade inteira até o centro do Santuário da Luz, onde ficava a majestosa estátua de Luxord e seus quatro filhos. Em volta, uma grande batalha acontecia liderada pela Sentinela do Outono, Kyria, aquela que carregava Samhain. Os guerreiros defendiam a estátua enquanto ela despedaçava os oponentes com o poder de sua espada. O garoto analisou suas possibilidades, pensou nos outros sentinelas que deveriam estar protegendo outros lugares em que sua vista não alcançava dali, então rasgou parte da calça e fez uma tira para amarrar a Dente de Dragão em volta de seu pulso para que esta não escapasse, e correu até o centro para ajudar a Filha do Outono.
Gale ficou feliz de poder assistir Kyria lutar de tão perto. Ela era magnífica em combate, talvez a melhor dos quatro. A Sentinela logo o acolheu ao entrar na luta, mesmo não o conhecendo. O jovem sabia que os sentinelas possuíam tarefas mais importantes do que saber o nome dos aprendizes, mas ela era diferente, importava-se com cada soldado sob seu comando e sorriu quando apoiou suas costas nas do garoto. — Quer que eu te cubra, novato? — perguntou ela em um tom leve dada a gravidade da situação. Com a respiração pesada, a Filha do Outono usava uma armadura leve, de malha de dragão, muito rara em tons escuros como madeira de carvalho guardiano e cabelos arrepiados e cuidadosamente raspados do lado direito da cabeça da cor das folhas secas que caem das árvores antes da chegada do Inverno. Seus grandes olhos envoltos de uma pintura preta pulsavam em tons dissonantes de laranja e transmitiam inspiração ao mais infeliz e desacreditado. — S-Seria uma honra, senhora — disse o rapaz com a
O aprendiz conseguiu ver quando as lanças acertaram dois dos arqueiros. O outro se desviou, mas caiu de cima da casa. O socorro havia chegado com força. Tratava-se dos que lutavam perto do acampamento dos aprendizes, que dominaram o terreno e começaram a avançar. Liderando o avanço vinha Hêner, a General do Exército da Luz, patente mais alta do Santuário antes dos sentinelas. Tinha cabelos loiros e uma grande armadura que Gale arriscava ser de placa de dragão, mas não tinha certeza e não perguntaria. A alta mulher trazia uma espada curta e um gigante escudo branco que mais parecia uma porta, mas era esplêndido aos olhos do jovem. Ao seu lado, vinha Gaheris empunhando Litha, com sua espessa barba e tranças amarradas para trás. O guerreiro era intimidador, trajava uma armadura vermelha que mesmo de longe dava para saber que era feita de aço lofidiano pelo brilho que emanava. Gaheris era de Lofeed, reino especializado na arte da guerra e onde os habitantes possuíam a pele mais escura, em
No escuro e pequeno quarto iluminado somente pela fraca chama de uma vela usada, Gale acordou. Os pensamentos eram confusos em sua cabeça quando tentou abrir os olhos com dificuldade e se adequar à iluminação ambiente, ou à falta dela. Não se lembrava de muitas coisas, borrões e lampejos surgiam em sua mente e eram levados pela tempestade de suas memórias. Pôs-se a sentar na cama que logo percebera não ser sua. Não sentia tanta dor, mas percebeu que o punho esquerdo estava enfaixado e suas costelas também. O pé ainda latejava como se sentisse uma ferida inexistente. A cabeça doeu com o esforço. — Ei, não se esforce tanto, garoto — disse a voz de alguém adentrando o quarto com outra vela que, dessa vez, acabara de ser acesa. Um indivíduo pálido, com os longos cabelos prateados e grandes orelhas em forma de seta se aproximou, a Luz da chama destacava seus olhos de cor dourada. Era Jörfann, um elfo da Lua. Com a vitória dos primeiros sentinelas e suas espadas forjadas com a alma dos
Com um rápido tratamento de ervas misturado ao pouco que tinha das águas do Loskjs, o rio do Vale da Lua, o elfo cinzento permitiu que o jovem fosse ajudar os outros filhos da Luz com os preparativos contra o próximo ataque e reparar o que fosse preciso. Ao sair da enfermaria, o garoto se deparou com um céu escuro e nuvens cor de ferro. Ainda não era noite, mas o Sol parecia ter sumido. Ao longe do Santuário podia se enxergar uma grande tempestade com trovões enlouquecidos que repetidamente atingiam o solo. Virando-se para o sul, um tornado devastava as plantações de Masnach, terra natal de Gale. No oeste, grandes massas de fumaça subiam aos céus escuros, aparentava ser um grande incêndio. As Estações serviam para manter o equilíbrio da natureza e o controle das ondas espirituais, sendo cada uma cuidada por um filho de Luxord. O Sentinela e a espada respectiva da Estação ganhavam mais poder e influência durante tal período de tempo. Estavam no final do Outono e Samhain havia sido qu
Nos estábulos eram criados os grandes cavalos do Santuário da Luz e unicórnios, cujo líquido gerado pelo chifre era capaz de consertar rachaduras em qualquer metal. Provavelmente era o que Polliko havia usado na armadura e o tempo na fornalha fora apenas para reforçar o equipamento. Fazia frio nas ruas da cidade, o que nunca acontecera no Santuário da Luz. O feitiço de proteção também fora afetado com a quebra do equilíbrio, logo os filhos da Luz ficariam a mercê da natureza enfurecida. Alastair estava do lado de fora do lugar limpando as asas de um pégaso negro. Ele possuía olhos prateados, a pele era branca como leite, chegando até a assustar pelo modo como suas veias ficavam expostas, e seus cabelos louros não eram cortados desde sua consagração como Sentinela há uns bons meses. O homem trajava roupas simples, como um camponês. O que o denunciava era Yule, que repousava na bainha em sua cintura. — Ah, você tem algo para mim, não é mesmo? — disse o Sentinela, simpático. — S-Sim
Todos os olhares eram direcionados a Gale, que comia sentado sozinho à mesa no pavilhão de refeições.O lugar ficava ao norte da cidade e era composto por grandes mesas e bancos enfileirados onde os protetores tinham suas refeições noturnas. Os aprendizes jantavam no acampamento, o que tornava o ambiente um pouco hostil ao seu ver. Poucos ali conheciam o garoto que mal conseguira encostar na sopa enquanto vigiado pelas sombras dos céus negros que não abrigavam nenhuma Luz.Os soldados da Legião de Tarian haviam desaparecido após a batalha, o que era extremamente suspeito. Como um exército e um animal de metal gigante poderiam sumir com tanta facilidade sem deixar rastros?A realidade ainda era difícil de aceitar. A cabeça do rapaz, que já estava confusa aquele dia, agora tinha sido virada do avesso. Os sentinelas possuem uma longevidade maior, por isso, são escolhidos a cada duas gerações de protetores no Santuário da Luz. Gale não deveria chegar assistir a uma consagração de Sentinel
— O que houve com o Outono? — perguntou ele, surpreso e confuso. — Não sabemos — contou Gaheris, agora com as tranças soltas sobre os ombros, que tentava inutilmente encontrar uma posição confortável para se sentar. As chamas da clareira no salão iluminavam seu rosto cansado e deixavam visíveis os fios esbranquiçados em sua barba. — Aparentemente o filho de Luxord se reforjou sozinho. — Terminou o lofidiano. Era visivelmente o mais abalado, Gale julgou por ter sido ele quem destruíra a espada de Kyria, causando a quebra no equilíbrio. — Tentamos usar o chifre de unicórnio para reparar suas feridas, porém, não adiantou. Suas rachaduras permanecem — Acalypha falou, sentida. — Há uma forma de consertá-lo? — perguntou Gale. Os campeões do Senhor da Luz se entreolharam. — O sacerdote Osellnif contou-nos a respeito de uma profecia, que se iniciava com os versos agora gravados do gume de Samhain, mas não temos nada documentado ou conhecimento sobre os próximos dizeres — começou Alastair
Os três silenciaram-se e encararam o Sentinela do Outono, que se encolheu. — O que disse, garoto? — o lofidiano semicerrou os olhos e perguntou com uma voz soturna, amedrontadora o suficiente para fazer o jovem tremer suas pernas e sua voz. — Somente uma pessoa precisa sair do Santuário, posso atravessar as linhas inimigas escondido enquanto eles tentam atacar. Meus braços não seriam de grande ajuda na linha de frente do combate, mas, posso pelo menos tentar restaurar o equilíbrio e trazer a Luz para nós mais uma vez! — É loucura. — Determinou Gaheris. — Não estamos em posição de perder mais nenhum guerreiro, muito menos uma das quatro espadas sagradas. — Que está quebrada — complementou Alastair. Talvez tenha soado em um tom de deboche mais do que deveria. — Você não está me ajudando, pardal. — o Filho do Verão se irritou. A cara furiosa do lofidiano de tranças longas era algo que aterrorizaria até o próprio Luxord. — Talvez não tenhamos escolhas a não ser resistir aos ataques