Capítulo 1

Numa manhã fria na província de Blackwood, o ar gelado parece prenunciar algo sinistro. As folhas das árvores já se despiram, e os ramos estão cobertos por uma fina camada de chuva que caiu na noite anterior. Novembro finalmente chegara.

O Natal se aproxima, e eu tenho que assistir, novamente, às festividades maçantes promovidas pelos membros do conselho de meu pai. Dirijo-me ao meu quarto e peço que preparem meu banho. Enquanto aguardo, recordo os eventos do dia anterior com incredulidade. Mal posso acreditar na imprudência de ter aceitado a aposta de meu pai. Embora tenha sido uma decisão impulsiva, sei que estava sóbrio quando consenti.

Nunca considerei a ideia de me casar; sempre valorizei minha liberdade e meu orgulho. Pensar em unir minha vida a uma mulher, especialmente a uma de origem humilde, fere meu orgulho. Encontrar uma noiva de posição inferior é um grande desafio, pois não basta que ela seja apenas medíocre. Não me contentarei em casar-me com uma jovem de aparência desagradável; ela precisa ter algo a mais, algo que desperte meu interesse. Manter-me ao seu lado sem sequer considerar a traição é uma tarefa extremamente difícil, devo confessar.

Assim que termino meu banho, visto minhas roupas e desço para a sala de jantar. Os criados estão todos reunidos, alguns me rodeiam com sorrisos tolos, como se soubessem algo a meu respeito.

— Senhor, essas cartas chegaram hoje de manhã. — Adolfo, o líder dos criados, diz, colocando os envelopes sobre a mesa.

— Quem as trouxe? — Pergunto, despejando um pouco de café.

— O braço direito de seu pai trouxe. Disse que o senhor saberia do que se tratava. — Responde, Adolfo.

Noto a reação das empregadas ao verem-me abrir a primeira carta.

— O que estão fazendo aí? Por acaso, não têm roupas para lavar? — Levanto minha voz impacientemente, fixando os olhos nelas.

— Perdoe-nos, senhor — diz a loira de olhos cinzentos, em voz baixa e com um sorriso — Todas nós queremos saber se o que o amigo de seu pai disse é verdade. Queremos ouvir a confirmação de vossa pessoa.

— E o que ele disse? — Pergunto, pegando um pedaço de pão e encarando-as.

De repente, um ar de receio toma conta de todas, exceto da mais nova do grupo, filha da cozinheira, que se destaca ao abrir um espaço entre os demais.

— Ele nos contou que o senhor, bem... vai se casar — responde a garota mais nova, levando um beliscão da mãe. — Mas é verdade! Foi o que ele disse, e a senhora também ouviu, mamãe.

Sorrio cinicamente. Como podem se preocupar com fofocas, com uma mansão tão grande quanto a minha e tantos deveres para cumprir?

— Mesmo que seja verdade, senhorita, tal assunto não diz respeito a vocês — respondo, molhando o pedaço de pão no chá. — Agora saiam todas, preciso conversar em particular com o Adolfo.

Todas saem, deixando apenas o meu servo de confiança na sala. Adolfo se aproxima e fica em pé ao meu lado da mesa.

Mastigo o pão com cautela, bebo o meu chá e tomo frente da conversa.

— Lady Violeta enviou uma nota ou algum recado? — pergunto, enquanto ele tira um envelope do bolso do uniforme.

— Sim, senhor — ele me entrega o envelope branco.

— Tulipas... — sussurro, com convicção. — Posso sentir a fragrância do perfume dela no envelope. Espero que ela tenha conseguido resolver nosso último assunto.

— Senhor, se me permite, gostaria de lhe fazer uma pergunta — diz Adolfo, levantando a voz.

— Prossiga — digo, mexendo os dedos.

— Meu caro senhor, gostaria de saber se realmente vai se casar... Bem, se as informações que temos são verdadeiras, aconselho a deixar Madame Violeta em paz — ele começa. — Violeta foi casada três vezes, e os três maridos morreram de causas naturais. Este é o quarto casamento dela. Não acho que seja bom para a sua reputação. Vou ter de enfrentá-lo, pois ela não é uma das melhores.

— Eu escolho com quem me relaciono. Não vou permitir que me deem ordens — respondo com firmeza.

— Senhor — diz Adolfo, com calma —, minha intenção é apenas protegê-lo. Você é uma pessoa de grande importância para nossa província, e um dia, será responsável por tudo que é de seu pai.

— Já te disse: são assuntos de meu interesse! — repliquei, irritado.

Adolfo sai da sala e fico sozinho, lendo as cartas com calma. Algumas delas são os documentos que meu pai prometeu enviar. Depois de lê-los, guardo-os na gaveta da mesa e reflito sobre o conteúdo. Também recebo o convite para o baile que Violeta mencionou no nosso último encontro. É uma excelente oportunidade para me despedir, já que, após aquela noite, não a verei por um ano.

Quando termino meu café, vou até o escritório e peço a Adolfo que me siga.

— Sr. Melarque. O que deseja? — O criado pergunta, prestando serviço.

— Peça a arrumadeira que separe uma roupa de montaria e que a trague ao meu escritório. — Caminho até a mesa, afastando a cadeira e sentando-me nela. — Também quero que vá ao estábulo e prepare meu cavalo. Quero dar uma volta antes do anoitecer — ordeno.

— Prevejo tudo. O senhor volta para almoçar?

— Não será necessário almoçar. Vou cavalgar. Não me espere e diga aos criados que preparem a casa, pois meu pai nos visitará amanhã.

— Suas ordens serão cumpridas. Vou garantir que tudo aconteça como planejou. — Adolfo responde, saindo da sala com meus mandamentos.

A arrumadeira traz as roupas de montaria, as coloco e observo o quão forte e bonito eu sou. Será mesmo uma pena, não poder ajudar mais a mulheres casadas a atingirem seus clímax com o poder do meu corpo esculpido.

Vou até os estábulos, subo em meu cavalo e dou partida província adentro.

Uma das minhas aventuras favoritas é viajar a cavalo pela província de Blackwood. Nesta época, as árvores não são muito amigáveis, o ar é frio e o tempo instável. No entanto, é um ótimo momento para caminhar e admirar como os animais conseguem sobreviver na natureza. Eu geralmente caço, mas isso só acontece no Ano Novo.

Cavalgar pela redondeza me traz lembranças...

Lembro-me das minhas aventuras como adolescente. Meus amigos e eu tínhamos um esconderijo ao norte da floresta, onde nos reuníamos para falar sobre mulheres e fumar os charutos de nossos pais. Foram bons tempos... Então, a idade adulta chegou, e nossos pais nos encheram de responsabilidades e casamentos arranjados. Sou o único solteiro em nossa classe. Bem, pelo menos eu era... antes da aposta que fiz com meu pai.

Corro pela parte norte da província, passando por vilarejos e barracas de maçãs. Faz exatamente dois anos desde a última vez que andei a cavalo por Blackwood. Antes disso, estive em Londres, lidando com os negócios da família. Nunca gostei do ramo de fazer roupas e vender tecidos para a realeza; nada disso me agrada. Mesmo assim, sempre mantive uma boa relação com meu trabalho. Não há nada melhor do que ver um vestido elegante em uma moça tão bonita quanto o tecido. Adoro ver o tecido descer sobre uma pele macia e cheirosa.

Enquanto me aproximo de uma área próxima ao campo, o som de risos e murmúrios vindos do riacho começa a chamar minha atenção. A curiosidade me impulsiona a descobrir o que está acontecendo. Amarro o cavalo em uma árvore próxima ao caminho do riacho e sigo na direção dos gritos desesperados. O terreno está misturado com lama e pequenos flocos de gelo, algo comum nesta época do ano. À medida que avanço, ouço o balido das ovelhas e percebo que os murmúrios estão se intensificando, acompanhados de reclamações e palavrões que tornam a situação ainda mais intrigante.

— Me deixem em paz! Me deixe em paz! — grita uma voz feminina, carregada de pânico, como se estivesse sendo ameaçada. — Vocês bastardos, saiam daqui!

Escorrego na lama e me posiciono para observar a cena. Para não ser notado, me escondo atrás de uma árvore e continuo a espiar. O cabelo da moça está encharcado de lama, e sua pele e roupas estão cobertas de sujeira. Seus olhos, intensamente verdes, se destacam mesmo na confusão — os mesmos olhos que vi no beco da cidade no outro dia. A cena diante de mim é um quadro de desespero e sujeira, e a familiaridade dos olhos da moça faz meu coração acelerar.

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Saio da árvore onde estou escondido, puxo minha arma e disparo quatro tiros para o alto. O estrondo dos tiros ecoa pelo campo, e imediatamente os homens se viram para mim, deixando as pedras que carregavam caírem no chão com um som seco. A garota, visivelmente assustada, se encolhe ainda mais, apertando sua ovelha contra o peito enquanto o animal se debatia na lama. O ambiente ao redor fica em silêncio momentâneo, quebrado apenas pelo balido nervoso das ovelhas e pelo som dos tiros ainda reverberando.Parte superior do formulário

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— Saiam todos! — Ordeno, me aproximando dos trombadinhas. — Saiam antes que eu os entregue à Guarda!

Os homens olham para mim, trocando murmúrios entre si.

— Quem é você para nos dar ordens? — resmunga um deles.

— Repare nas minhas roupas e você saberá — respondo, com um tom de deboche. — Ou ainda não percebeu que minha fala, minhas roupas e minha arma são muito melhores do que as suas?

— Você é um nobre? — pergunta um dos ladrões, ainda desconfiado.

— Sim, sou um Conde. E entregarei vocês à Guarda da Rainha se não deixarem essa moça em paz — afirmo, mantendo a arma apontada para os três.

— Ela nos roubou! — um dos ladrões se justifica. — Dissemos a ela que não poderia voltar às margens do rio para alimentar as ovelhas, e ela voltou. Só queremos que nos pague pela água que ela usou.

Não consigo evitar uma risada espontânea.

— O rio não pertence a ninguém. Ele é de Blackwood e de seus habitantes. Qualquer um tem o direito de beber suas águas quando bem entender.

Minhas palavras tiveram o efeito desejado. Os três homens se calaram, trocando olhares nervosos, e rapidamente montaram em seus cavalos, deixando-nos em paz.

Aproximo-me da poça de lama e estendo a mão esquerda para a camponesa.

— Venha, minha querida, deixe-me ajudá-la...

Ela me lança um olhar irritado e responde com um tom ríspido:

— Eu não sou a sua querida! — retruca, mostrando seus dentes cobertos de lama. A visão é ao mesmo tempo exótica e encantadora: uma beleza indomada à beira do rio, com sua pele e roupas sujas contrastando com a pureza de seu olhar.

Ficar tanto tempo longe de Blackwood me fez esquecer que há mais selvagens no mundo do que os nobres podem imaginar.

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