Capítulo 2

A camponesa hesita por um momento, sua expressão mistura desconfiança e resistência. Quando estendo a mão para ajudá-la a sair da lama, ela a recusa e recua de volta para a poça.

— O que você disse? — pergunto com um sorriso cinicamente.

— Disse que eu não sou sua querida. Você é surdo? — Ela rosnou, a voz carregada de raiva e exaustão. Seus dentes, cobertos de lama, ficam visíveis quando ela fala.

Não consigo evitar uma risada.

— Como pode ser tão rebelde e, ao mesmo tempo, tão bonita? — Comento, notando a clivagem do seu velho vestido rasgado. — Não seja boba, aceite minha ajuda e segure minha mão.

Estendo a mão para ela, tentando parecer menos ameaçador. A menina tem medo de mim, mas é inteligente o suficiente para perceber que não vai conseguir sair sozinha. Depois de hesitar, ela finalmente estende a mão suja e eu a agarro firmemente. Sinto as asperezas e galos em suas mãos, um sinal claro de uma vida difícil. Seus olhos verdes, tão intensos e selvagens, me prendem por um momento. Sem perceber, coloco a outra mão em seu braço para oferecer mais suporte.

De repente, a menina, com a fúria de uma fera encurralada, morde minha mão com uma força inesperada. Num ágil movimento, ela se solta de mim e dispara em direção à floresta. Imediatamente, as duas ovelhas, aparentemente instigadas pela cena, partem em sua perseguição frenética.

— Droga!!! — Grito, ajoelhando-me devido à dor. A mordida é inesperada e dolorosa, mas, apesar da frustração, um sorriso irônico surge em meus lábios.

Vejo-a desaparecer na vegetação, ainda coberta de lama. Apesar da situação, não posso deixar de reconhecer a beleza selvagem da garota, mesmo em meio ao caos. Sua bravura é notável, mas sua reação feroz faz questionar o que poderia ter acontecido com ela se eu não tivesse chegado a tempo.

Penso sobre os homens que a atacavam. Geralmente, os bandidos da região se escondem no lado oeste de Blackwood, e fico surpreso ao ver aqueles homens tão próximos. Suas roupas não indicam que sejam ladrões, mas ninguém exigiria moedas por água a menos que tivesse intenções duvidosas. Talvez sejam pobres e se unam para proteger o que consideram seu território. A maneira como a garota reagiu — mordendo-me como uma fera — parece confirmar isso. Somente alguém acostumado com uma vida dura e injusta agiria dessa forma.

Enquanto me levanto e limpo a lama dos joelhos, minha mente é invadida por perguntas sobre o que realmente acontece naquela terra e o que teria levado a jovem a agir daquela maneira. Com o céu ainda iluminado pelos últimos raios de sol, subo no cavalo e sigo pela estrada de volta ao estábulo. Cavalgo por mais algumas horas antes que a noite caia, perdido em pensamentos inquietos sobre as durezas da vida fora dos limites de Blackwood e sobre o quanto eu realmente conheço o mundo além das muralhas da cidade.

Vejo-me pensando no Baile de Violeta. Ir para lá, depois de tudo o que aconteceu, seria uma ideia sensata?

Volto para casa com um sorriso no rosto, aliviado por estar de volta ao familiar conforto do meu lar. Subo para meus aposentos e toco a campainha, dando ordens aos criados. Minutos depois, Adolfo, a criada Maria e sua filha do meio, uma jovem de não mais que dezesseis anos, aparecem à porta, prontamente a serviço.

Começo a retirar as roupas sujas e sinto o silêncio que paira entre eles. Com um gesto decidido, tiro as botas cobertas de lama e as jogo no canto do quarto.

— Diga-me, Adolfo — começo, lançando um olhar contemplativo para o criado enquanto ele se aproxima. — Sou merecedor da felicidade?

Adolfo, um tanto surpreso com a pergunta, responde com um tom ponderado.

— Sr., todos nós somos merecedores da felicidade, não? — Ele acena para que Maria e sua filha recolham as botas, tentando entender a profundidade da pergunta.

— Hmm... esta tarde, encontrei uma dama, na verdade, uma mulher selvagem, que mordeu minha mão — digo, erguendo a mão e tocando o local atingido. — Ela estava sendo coagida por alguns canalhas. Imagino que a vida dela não seja nada feliz.

— Senhor... o que quer dizer com isso? — Adolfo pergunta, visivelmente confuso.

— Apenas estou refletindo sobre o quão sortudo sou — respondo, com um olhar distante. — Nasci em uma família distinta, sendo sucessor do Conde mais renomado de nossa província, o único cuja linhagem leva o nome da própria província no sobrenome. É fácil esquecer a sorte que se tem, mas encontros como este me lembram de minha própria sorte.

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— Sr. Melarque, realmente és afortunado — Adolfo diz, tentando aliviar a tensão. — No entanto, é também merecedor de seu título. Estudaste durante anos e viajaste por diversos lugares...

— Oh, e como sou afortunado, não é mesmo? — respondo, com ironia, enquanto me dirijo à poltrona próxima à banheira. — Acredito que meu pai não compartilha dessa opinião, já que ele deseja me deserdar. Ele não pode... não deveria sequer cogitar a possibilidade de passar o título de Conde para outro homem. Quem, senão eu, seria tão qualificado, belo e poderoso quanto eu?

A criada, Maria, aproxima-se de Adolfo e pergunta se vou tomar banho. Dou um suspiro profundo e me afundo na poltrona, pedindo que preparem meu banho.

— Adolfo, meu criado mais leal, traga meu melhor terno e meus sapatos mais elegantes. Tenho um Baile para comparecer esta noite.

— O Baile da Madame Violeta? — pergunta Maria, levantando uma sobrancelha. — Ouvi dizer que será benéfico. Sei que o Senhor foi convidado, mas... Vai doar algum dinheiro ou comprar algo no leilão?

— Ora, é claro que farei ambas as coisas — respondo com um sorriso. — Afinal, esta casa terá uma nova esposa em breve, quero dizer, eu vou me casar. Não acha que precisamos reformar algumas coisas?

— Oh... — os criados exclamam em coro. — Então, vai realmente se casar?

— Sim, vou me casar — digo, levantando-me da poltrona com um brilho de satisfação. — Mas, esta noite, será a minha despedida! Portanto, caprichem nas minhas roupas. Não quero ver um único sinal de amassado.

— Sim, senhor! — A filha de Maria diz contente, abrindo a torneira da banheira e ajustando a temperatura da água com cuidado.

Caminho até a banheira, despeço-me das vestimentas e mergulho na água quente, sentindo seu aroma reconfortante.

— Isto é tudo, obrigado — digo, com um suspiro de prazer. — Preparem as roupas e tragam-nas o mais rápido que puderem.

As criadas saem do quarto, deixando escapar suspiros de felicidade. O fato de seu senhor finalmente se casar é para elas quase como um milagre. Penso comigo mesmo: quantas delas oraram para que isso acontecesse? Quantas noites passaram arrumando meu quarto, trocando lençóis, e testemunhando a desordem causada pelas mulheres que passavam pela casa? Tantas coisas que, se eu realmente encontrar uma esposa, parecerão um presente para elas.Parte superior do formulário

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Termino meu banho e Adolfo, ajuda-me a vestir um roupão macio. Sentando-me próximo à escrivaninha do quarto, pego um papel em branco da gaveta e começo a desenhar. Minha mente ainda está agitada com as imagens da tarde.

O esboço que estou criando é da garota que encontrei — a mesma que, com o balde de água e depois no rio, deixou uma impressão duradoura em mim. Tento capturar seus olhos, profundos e marcantes, com sobrancelhas grossas que parecem nunca ter sido cuidadas.

Enquanto desenho, o aroma da água do banho ainda paira no ar, intensificando meus pensamentos.

— Adolfo, venha aqui — chamo, sem tirar os olhos do papel.

Ele se aproxima e eu lhe entrego o esboço.

— Senhor, quem é essa pessoa no desenho? — pergunta Adolfo, claramente confuso. — E por que ela está...

— Suja? Malvestida? — completo, antecipando a dúvida. — Sim, exatamente.

— Sim, suja. Quer que eu a contrate para cuidar dos porcos?

— Não, nada disso — respondo— Ela é a jovem cujo qual mordeu minha mão.

— Oh céus — lamenta Adolfo. — Quer que eu a prenda?

— Não, Adolfo. Quero que você percorra as ruas de Blackwood e a encontre. Não deixe que ela saiba que você a está seguindo. Descubra onde ela mora e qual é o nome dela.

— Mas senhor, desculpe-me... se você não vai contratá-la nem a entregar à Guarda, por que deseja que eu a procure?

Suspiro, ponderando a razão de meu pedido.

— Simples — digo, com convicção. — Ela é a minha futura esposa.

Adolfo fica horrorizado com a revelação, mas acena em compreensão.

— Faça o que lhe pedi. Cumpra a tarefa o mais rápido possível.

As horas passam rapidamente e, finalmente, meus trajes estão prontos. É um terno extremamente elegante e sapatos de couro.

Movo-me até o espelho, admirando a elegância do conjunto. O terno molda-se ao meu corpo como se tivesse sido feito pela própria mão de Deus, destacando meu porte imponente e a aura de poder que exalo.

A noite promete ser inesquecível, e me dediquei a cada detalhe para garantir que assim fosse. Mas no fundo da minha mente, a imagem daquela jovem persiste. Não é apenas uma questão de orgulho ou poder. É algo mais... uma necessidade visceral de possuí-la, de domar aquele espírito indomável que ousou me desafiar.

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