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Adonis Kappas

Desde menino, quando eu assistia o meu pai na cozinha de um grande restaurante me encantava com a sua sabedoria e imponência. O ar de um grande rei. Ele mandava e desmandava naquele lugar e todos lhe obedeciam sem contestar as suas ordens, como se ele fosse a maior autoridade ali, mas o que me impressionava mesmo era a mágica dos pratos, a forma e o cuidado com que eram montados, a elegância, o poder, o aroma. Não tive a menor dúvida, logo soube que um dia eu seria como ele. Eu seria um grande chef.

Ando pelo ambiente semiescuro e empoeirado e chego a sonhar acordado com a transformação do lugar. Me desculpe a falta de educação, me chamo Adonis Kappas, sou descendente de grego, mas moro no Brasil desde que me entendo por gente. Tenho 30 anos e passei uma boa e longa temporada na Itália. Sim, foram cinco anos longe do meu amado país. Mas essa é uma história muito longa e que talvez… Eu disse talvez, eu conte para vocês. Sou o tipo de cara vaidoso. Eu malho muito, cuido bem da minha alimentação e sou chato pra caralho com horários, mas sou um cara bem legal. Passo a mão levemente pelo balcão de madeira e sinto o pó acinzentado grudar em minha pele imediatamente. O teto precisa de alguns reparos e o piso? Bom, o piso precisa ser trocado. Bufo de modo audível. Muito dinheiro investido.

— Então senhor Kappas, o que achou? — Pablo, o corretor de imóveis pergunta com visível ansiedade, e eu suspiro quase que sonhador. O prédio está um lixo, mas a sua localização é perfeita e não há muito o que pensar aqui. De qualquer forma, não encontrarei nada parecido e que caiba perfeitamente no meu bolso. Dou mais uma olhadinha ao meu redor e faço um gesto de sim com a cabeça para ele.

— Eu ficarei com ele — digo determinado e o homem alto e careca sorri satisfeito.

— Perfeito. Vou preparar os papéis e nos vemos amanhã para as assinaturas. — Eu assinto com um breve aperto de mãos, e o homem me entrega as chaves do estabelecimento saindo animado do lugar. Um sonho quase realizado. Penso cheio de esperanças. Os cinco anos que passei fora do Brasil, eu estudei e trabalhei como um louco e pude juntar uma boa grana, o suficiente para abrir o meu próprio bistrô e ser totalmente independente. Mas, não é qualquer bistrô… É o bistrô. É claro que tenho muito chão pela frente ainda, mas estou dando o meu primeiro passo para que as minhas ideias definitivamente saiam do papel e se tornem realidade.

O lugar que escolhi é bem amplo e muito bem arejado, tem muitas janelas de vidro com formato retangular. O piso de madeira está bem estragado e será trocado por um belo porcelanato líquido e lustroso, que dará forma a logomarca do meu comércio. As paredes que impunham listras largas e finas em tons de verde e marrom, ganharão um sútil tom pastel e é claro, o balcão, esse não trocarei, ele é perfeito e está bem conservado. É comprido e todo revestido por uma madeira escura e brilhante, por trás dele há uma enorme parede espelhada que também está intacta com as suas prateleiras de vidros transparentes. A minha imaginação brinca comigo, quando começo a ver alguns clientes passando pelas portas largas de vidro fosco, as bebidas importadas e nacionais arrumadas em seus devidos lugares, só as melhores para os meus clientes. As mesas redondas, revestidas com toalhas brancas de linho e ornamentadas com alguns vasos de flores e até os garçons servindo cada uma delas com requinte e qualidade. Está feito. Imagino sentindo uma alegria contagiante fluir dentro de mim.

— Ora quem diria, você conseguiu! — Petrus, o meu amigo de infância diz, me fazendo virar em meus próprios calcanhares e encará-lo com um largo sorriso no rosto. Com um firme bater de mãos nos cumprimentamos e em seguida ele leva as mãos aos bolsos e caminha pelo lugar. Os seus sapatos fazem um som arrastado devido à poeira grossa que há pelo chão, e eu chego a prender a respiração esperando o seu veredicto. Não é que sua opinião vá me fazer mudar ideia, não mesmo, mas Petrus é praticamente a minha única família aqui no Brasil e a sua opinião, de alguma forma, me incentivaria muito.

— E então? — indago esperançoso. Ele me olha com as sobrancelhas grossas arqueadas e na boca se esconde um sorriso de lado.

— Gostei — diz, fazendo cara de sabichão, enquanto meneia a cabeça com um sim lento. Seus olhos curiosos continuam com a sua inspeção. — Sugiro uma comemoração essa noite — fala com um tom empolgado, me fazendo abrir um sorriso ainda maior. Tento dizer que não, mas ele simplesmente me ignora e adentra ainda mais o bistrô, indo para outro cômodo do prédio. Essa é a parte que me fez ficar em definitivo com o prédio: a cozinha.  O cômodo é simplesmente um espetáculo! É amplo, bem iluminado e bem no centro dele, há um largo balcão de inox com várias prateleiras embaixo dele. O piso é todo em mármore branco, bom pelo menos deveria ser. Nada que uma boa esfregada não resolva. As paredes igualmente brancas são cobertas com azulejos e logo acima do balcão, há um longo suporte também de inox, onde ficarão as panelas altamente brilhantes. Um assobio apreciativo me desperta dos meus devaneios.

— Cara isso aqui é incrível! — Petrus diz com uma puta admiração, me fazendo sorrir de satisfação.

— É. — digo com o mesmo tom. — Obrigado por vir, cara e estou feliz que tenha aprovado! — Ele dá de ombros.

— Como se a minha aprovação fizesse alguma diferença — ironiza. — Você compraria o prédio de qualquer jeito — diz, e quer saber? Ele tem toda razão. Meu sorriso se alarga, e eu me aproximo do meu amigo, dando algumas t***s leves em seu ombro largo e ele sorri.

— Você é como um irmão para mim, Pertus e eu estou feliz que esteja aqui participando desse momento comigo. Do meu momento — falo, e ele assente.

  — Não perderia isso por nada, Adonis. Quando começa a reforma? — pergunta com interesse. Levo as mãos aos bolsos laterais da minha calça de uma forma descontraída e dou de ombros.

— Amanhã assinarei os papéis e na próxima semana procurarei um empreiteiro. Também tem a verificação dos bombeiros e tenho que conseguir a licença da prefeitura. Depois disso as obras começarão quanto antes. — Ele volta a assentir e olha o relógio.                               

 — Almoço? — sugere. — Estou faminto e tenho que voltar para a empresa daqui a uma hora. Aquilo ali está uma loucura — diz com um suspiro alto.                        

— Claro, só preciso pegar as minhas chaves.

Petrus Borbolini é agente de valores e contador. Não sei porque ele trabalha para uma empresa grande onde sugam o seu sangue diariamente, se acredito que ele podia ter a sua própria empresa. Sério, o cara é o bam, bam, bam dos números, ele é um homem de um exército só, trabalha feito um maluco e levou a Contábil, a empresa onde trabalha, a um patamar extremamente alto. As poucas horas de sono e o curto tempo de almoço, tornam a sua vida muito corrida e durante a semana ele tem um dia de folga que será amanhã, por isso sairemos para beber essa noite. Mas, não se enganem, Petrus ainda leva trabalho para casa e quase não tem uma vida amorosa. Seguimos para fora da cozinha, andando lado a lado. Eu pego as chaves e a carteira em cima do balcão e tenho o cuidado de fechar bem as portas e as janelas do bistrô antes de sairmos do prédio.

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