Flávia
Meia hora de evento…
A música eletrônica dita os passos firmes e, simultaneamente, graciosos das modelos, que exibem os novos passos da moda. Há uma onda gigante de flashes, inundando a todos no evento e eu só consigo pensar que em algumas horas estarei dentro da Voguel, com um belo par de olhos azuis anis e nem sei se tiro uma lasquinha dele, ou se ele tirará de mim… Ou se alguém fará isso por mim. Pai do céu, e se eu não gostar da troca? Sou desperta por um burburinho agitado no meio da multidão e olho imediatamente para o alto do palco. Agnes… Entro em pânico quando a vejo caída ao chão de madeira branca, lustrosa e imediatamente passo um rádio para os seguranças, seguindo apressada para o palco.
— Ponham ela aqui — peço, apontando para o sofá que fica por trás das cortinas. — Wall, continue com o evento, eu cuido da Agnes — peço para a assistente de palco. Ela me mataria se soubesse que não levaram o evento adiante.
— Ok.
***
— Senhorita Agnes Ferraço — O médico diz, enquanto olha alguns papéis em suas mãos. Por um segundo ele olha de mim para a minha amiga e volta para os papéis. — Vejo que tem um problema com sua alimentação.
— Como assim? — perguntamos juntas.
— Suas taxas estão baixas demais — fala de um modo completamente profissional. Agnes sorri, ela parece aliviada.
— Então está me dizendo que não tenho nenhum problema? Quer dizer, uma anemia não é nada de mais, certo? — O médico suspira, eu suspiro e ambos a encaramos.
— A coisa é bem mais séria do isso, senhorita. Está propensa a ter um diabetes, a glicemia está baixa além do normal, sem falar no seu colesterol. O que anda comendo? — Agnes dá de ombros.
— Não sei, o que der. Sou uma pessoa bastante ocupada, doutor Prado. Não tenho tempo para avaliar minhas refeições! — resmunga. O médico larga os papéis em cima da cama de hospital e encara sua paciente seriamente.
— Tenho uma coisa para lhe dizer, senhorita Ferraço. Se continuar dessa forma, acho melhor comprar logo o seu caixão.
— O meu o quê? — Ela quase grita a pergunta.
— Do jeito que está indo, pode ter um infarto a qualquer momento. Então, se não quiser correr esse risco, sugiro que arrume "tempo" para uma boa alimentação. — Noto um pouco de rispidez em sua resposta, mas está valendo. Agnes realmente precisa cair na real.
— Viu o que ele disse? — Ela pergunta em um tom irritado, me olhando. Dou de ombros.
— Você mereceu! — retruco e ela me lança um olhar possesso.
— Não vem não, Flávia, eu não preciso ouvir isso de você também!
— Então não pergunta!
— E agora? — indaga
— Agora, penso que vamos para casa. — A mulher solta um suspiro audível, pulando imediatamente da cama.
— Ainda bem, odeio hospitais! — resmunga, colocando seus sapatos. Rolo os olhos com impaciência.
***
— E a chefa, não quis vir? — Ana pergunta assim que entro no carro. Bufo de modo audível. É claro que não! Definitivamente Agnes parou de viver, no instante em Adam terminou com ela e isso já tem o quê, quase cinco anos? Meu Deus, o mundo não acabou não garota! Mas, fazer o que, né? A mulher está irredutível.
— Nem a chamo mais — retruco com um tom sério. Eu realmente queria tirá-la de dentro desse mundinho só dela e trazê-la de volta a realidade nua e crua, mas desde que o casamento acabou, tudo se resume ao trabalho. Agnes é uma mulher jovem e muito bonita e ela merece uma segunda chance na vida. Se não for ao amor, que seja com uma boa trepada casual. O carro para em frente a uma danceteria muito conhecida por mim. Não, não é a Voguel e não, definitivamente o encontro não rolou, e não sei dizer se digo; “Obrigada Deus!” ou se lamento para o resto da minha vida. Vai que eu goste do movimento. Ana paga o táxi e nós seguimos imediatamente para dentro do prédio. O lugar está super lotado e não vejo uma mesa disponível para nós duas.
— Eu me contento com um banquinho no bar e você? — Ana pergunta, olhando minuciosamente em todas as direções.
— Por mim tudo bem, não vim assistir nada de camarote mesmo. Quero é encontrar um nego lindo, me esfregar nele a noite toda, beber o meu drink e dançar até as pernas ficarem bambas. — Ana abre um largo sorriso.
— Sei como as suas pernas vão ficar bambas — comenta, cheia de insinuações. Pisco um olho e estalo a língua, abrindo um sorriso presunçoso.
— Você me conhece.
Uma hora depois de esquentar o banco perto do balcão, decido ir dançar. A música do momento é eletrizante e ela é tudo o que eu preciso para me soltar. Qual é, é sábado à noite e eu quero beber e curtir cada minuto! Enquanto jogo os meus braços para cima e mexo o meu corpo, deixo as ondas sonoras me levarem para onde elas quiserem. Vocês não fazem ideia de para onde elas me levaram. Um esbarrão forte me jogou para frente e automaticamente um braço musculoso alcançou a minha cintura, me impedindo que eu quebrasse a cara no chão, no meio da multidão. Ele me virou de frente e eu encarei a barba cheia e bem feita, e um par de olhos escuros me encararam com diversão. Suspirei. Sério, eu precisei suspirar.
— Adonis? — digo, recuperando os meus sentidos. Tá! Vocês devem estar pensando, é uma vadia mesmo! Mas, caiam nos braços de Adonis para vocês verem. Quero só ver se não vão ficar amolecidas como eu fiquei. Não, vocês precisam sentir a pegada desse homem.
— Está me seguindo, dona Flávia? — pergunta com tom de brincadeira. Sorrio. Só queria.
— Oi! Pra você também! E não, estou aqui para me divertir.
— Adonis, encontrei uma mesa — Alguém grita atrás dele. Adonis se afasta para falar com seu amigo, me dando uma bela visão do moreno, de porte atlético e com um olhar negro, dominador. Olho de um para o outro. Deus do céu, os anjos da guerrilha desceram até aqui, só para mostrarem o quão gostosos eles são?! O que há com o Adonis, resolveu pegar todos os amigos delícias do mundo só para ele?! Eu hein, vai ser lindo, delicioso e gostoso assim lá no inferno! Resmungo internamente. Sinto as mãos do Adonis abandonar a minha cintura e fazer um gesto para o amigo, que me olha rapidamente e faz um gesto sutil com a cabeça, se afastando.
— Preciso ir maluquinha, está sozinha? — Faço não com a cabeça.
— Estou com uma amiga. — Ele sorri. Faz isso não Deus grego! Suplico internamente.
— Porque você e sua amiga não vem para nossa mesa? Tem um carinha da nossa época que você vai gostar de ver. — Sorrio ainda mais amplo.
— Na verdade, estou interessada em conhecer aquele que ainda não conheço. — Solto a insinuação.
— O Oliver? — Arqueio as sobrancelhas.
— Oliver? Ui! Até o nome é uma delícia! — falo e Adonis rir, inclinando a cabeça para trás.
— Você é mesmo uma maluquinha, sabia? — Ok, ok, algo que esqueci de mencionar para vocês. Flávia Simões não tem filtro, ela diz o que quer e o que pensa também. Mas, acredito que vocês já perceberam isso.
Flávia Simões — Então, lembra do Petrus? — Adonis diz, assim que nos aproximamos da mesa. Olho para o homem dos pés à cabeça. Olhos escuros, petulantes e altivos me encaram, com um conhecido sorriso sacana. Um corpo marrento, sendo oprimido por uma camisa branca, extremamente apertada. O jeans surrado, faz o mesmo com as coxas grossas e com o documento protuberante no meio de suas pernas. Claro que eu me lembro dele! — Esse é o carinha metido a besta, que andava ao seu lado no colégio? — Solto essa. Ele gargalha alto, mostrando os dentes perfeitos e o pomo de Adão, que dança em sua garganta, em um sobe e desce, enquanto rir do meu comentário. — E você deve ser a maluquinha da turma — fala com deboche. Rolo os olhos. — Sabia que iam gostar de se ver! — Adonis diz, achando graça. — Bom, esse não era da turma. Oliver Borbolini, esta é Flávia Simões, uma amiga do colegial. — Ele finalmente nos apresenta. Sorrio lindamente para o par de olhos negros, que me encaram com um brilho que não
Flávia Os sons dos pássaros, o vento uivante, o som do mar batendo nas pedras. Abro os olhos! O som do mar batendo nas pedras? Meu coração começa a palpitar. Viro-me lentamente, o mais lento e quieto possível, para me deparar com um Oliver adormecido ao meu lado. Não foi um sonho. Constato. O ar me falta, por quê? Santo Deus, desenharei para vocês, tenho certeza de que o ar vai faltar aí também. Tema do desenho: “Oliver pós coito adormecido.” Os cabelos estão uma bagunça castanha, ridiculamente sexy. A boca carnuda e avermelhada está entreaberta, mostrando parcialmente alguns dentes perfeitos, e enquanto a delícia ressona ao meu lado, seu peitoral forte e firme sobe e desce lentamente, como em um balé, lento e clássico. O cara é moreno e robusto, despenteado e ressonando? Caralho! Meus olhos atrevidos ousaram descer mais um pouco. Ai, ai! Os gominhos do abdômen dele estão expostos e digo mais, há alguns poucos pelinhos, bem lisinhos e negros, que fazem trilhas singelas até o parquin
Adonis Kappas — Quando disse que precisava falar comigo com urgência, achei realmente que estava morrendo — digo, fazendo graça para uma Flávia que me olha embasbacada. — Quando eu estiver morrendo de verdade, não chamarei você. — Arqueio as sobrancelhas, segurando o riso. — Por que não? — Porque quando eu for morrer, é porque já chegou a minha hora e você só iria atrapalhar. — Agora eu me confundi todo. Eu simplesmente junto as sobrancelhas, demostrando toda a minha confusão. — Como? — Adonis, por favor, não seja inocente — diz irritada. — Homem gostoso e inocente é o fim! — rosna com irritação, eu explodo em uma gargalhada. A Flávia é realmente hilária. Quando saí de casa totalmente desanimado essa manhã, não imaginei que daria boas gargalhadas. Agora estou aqui, almoçando com minha amiga do tempo de colégio, que não tem filtro. — Que bom que faço algumas pessoas rirem — resmunga com um tom irônico. — Sim, você faz. — Ela respira fundo. — Eu soube do roubo. — Flávia diz, ago
Adonis Ponho a mochila nas costas e a maleta de acessórios de culinária apoiada em meu braço e subo na moto. Está na hora de conhecer o meu novo espaço de trabalho. Não demora muito e eu estaciono a moto em frente a um prédio luxuoso. Ok, já estive em muitos prédios de luxo, mas esse aqui é… uau! Chego a sentir receio de entrar no edifício e ser barrado só por conta da minha roupa. Definitivamente um jeans rasgado e desbotado, uma camiseta branca e uma jaqueta de couro cor de caramelo, não é roupa para tal ambiente. Suspiro e sigo, observando as pessoas me olhar torto. Que se danem, roupa não é rótulo, meu bem! Ando em direção da recepção sofisticada e uma moça alta e magra, de cabelos negros e lisos me lança um sorriso profissional. — Boa tarde, eu me chamo Adonis Kappas — Começo a falar, mas sou interrompido. — Hum! o chef. — Ela diz, me olhando de cima a baixo e abre um sorriso satisfeito. — Isso, o chef — confirmo e o seu sorriso se amplia. — Último andar, senhor Kappas. É o
Adonis Kappas O lugar é bem tranquilo e parece que sou a única pessoa nesse imenso castelo de vidro. Daqui do meu quarto é possível ver toda a cidade em vida; o movimento do trânsito, das pessoas, as lojas abertas. Linda e deslumbrante, com todas as suas luzes acesas. Já passam das oito da noite e ainda não há nenhum movimento sequer na casa. Decido preparar algo para comer. Flávia disse que a tal Agnes chegaria bem tarde, por conta de um evento social. Pego meu celular e escolho uma playlist. Rooms, começa a tocar suavemente em meus ouvidos, mas com um ritmo levemente dançante. Ponho um avental branco e começo a distribuir a farinha pelo mármore limpo, quebro alguns ovos e ponho as mãos à obra. Um bom chef faz a sua própria massa e cria os seus próprios molhos. Nada de enlatados e de massas, que ficam nas prateleiras dos supermercados por meses a fio. Uma boa massa, tem que ser fresca e um bom molho, não tem conservantes. Meia hora depois, deixo a massa descansar em um tipo de varal
Adonis Dirijo com cuidado o carro designado para o meu trabalho. No porta-malas há uma bolsa térmica com o almoço da minha chefe. Uma deliciosa salada burguesa, com uma mistura de cores e um sabor agridoce, salmão defumado ao molho de laranja e um risoto de camarão, e para adoçar a sua vida, uma generosa fatia de torta de avelã com chocolate. Puxo a respiração quando paro em frente a um prédio muito… muito alto, com duas enormes letras negras e lustrosas no topo do edifício espelhado M. F. Não me perguntem o significado, porque eu não sei. Saio do carro e pego a bolsa no porta-malas e uma maleta com alguns acessórios que precisarei e sigo para dentro do prédio imponente e elegante. O hall não é tão diferente da fachada; tem um ar de poder, de delicadeza e do feminismo ao mesmo tempo. Atrás do balcão tem duas palavras cheias e prateadas, em um fundo totalmente escuro: Model Fashion. Ok, agora sei o significado das siglas. — Bom dia, eu sou… — Adonis Kappas, eu sei, pode ir. Último an
Agnes Ferraço Horas antes do almoço… — Tô só notificando. — Ela diz insistindo no assunto. — Flávia, isso não tem lógica. Um chef especialmente para fazer as minhas refeições, pirou? — Pirei, pirei todinha. Pirei quando vi você caída no chão no meio de um evento. Vivo te dizendo, Agnes pausa. Para um pouco...— Bufo de modo audível. Lá vem ela com aquela ladainha. Sério, escuto isso diariamente, às vezes dá vontade ignorar ela assim, tampando os ouvidos e cantarolando qualquer coisa, só para não a ouvir reclamar. — E você ouviu o médico? — Ok, acabou? — Acabei. — Que bom, ótimo! Quer contratar um chef? Contrata um chef. Fazer o quê? Você é impossível mesmo — resmungo e ela abre um sorriso vitorioso. Saco! — Quando ele começa? — pergunto vencida. — Seria hoje à noite, se você não tivesse essa festinha com o Hernandes. — Pisca um olho e morde levemente a pontinha da língua. Às vezes penso que a Flávia tem algum distúrbio sexual. Sério mesmo, tudo para ela gira em torno disso.
Agnes — Não, você não precisa! — digo, e o medo faz com que a minha voz fria como uma pedra de gelo estremeça um pouco. Adam suspira alto e faz silêncio em seguida. — Tudo bem, se é assim que você quer. Preciso avaliar alguns bens. Você sabe, tudo o que compramos juntos… — Procure um dos meus advogados, e não venha aqui! — falo com irritação e desligo sem esperar a sua resposta. Se arrependeu? Desgraçado! Após longos três anos e agora ele está arrependido? Antes sentia pena de mim mesma, perdi noites e noites de sono, chorei por noites a fio, demorei para me levantar do chão e agora esse imbecil me diz que se arrependeu? Sento na cama e me ponho a chorar. Não sei se de raiva ou se de desespero. Adam não pode vir aqui, ele não pode saber. Com uma respiração profunda, eu me habilito a secar as minhas lágrimas e vou para o banheiro tomar um banho longo e demorado. Depois dessa eu preciso. *** Às cinco da manhã já estou de pé e resolvo sair para uma corrida matinal. O som de Rockabye