Adonis Kappas
— Quando disse que precisava falar comigo com urgência, achei realmente que estava morrendo — digo, fazendo graça para uma Flávia que me olha embasbacada.
— Quando eu estiver morrendo de verdade, não chamarei você. — Arqueio as sobrancelhas, segurando o riso.
— Por que não?
— Porque quando eu for morrer, é porque já chegou a minha hora e você só iria atrapalhar. — Agora eu me confundi todo. Eu simplesmente junto as sobrancelhas, demostrando toda a minha confusão.
— Como?
— Adonis, por favor, não seja inocente — diz irritada. — Homem gostoso e inocente é o fim! — rosna com irritação, eu explodo em uma gargalhada. A Flávia é realmente hilária. Quando saí de casa totalmente desanimado essa manhã, não imaginei que daria boas gargalhadas. Agora estou aqui, almoçando com minha amiga do tempo de colégio, que não tem filtro.
— Que bom que faço algumas pessoas rirem — resmunga com um tom irônico.
— Sim, você faz. — Ela respira fundo.
— Eu soube do roubo. — Flávia diz, agora ficando séria e o meu humor abaixa a bola rapidinho. Eu me escoro na cadeira e encaro a morena do outro lado da mesa. — Adonis, eu tenho uma proposta para te fazer. Uma proposta que levará o seu sonho seguir adiante. — Ok, isso me interessa. Penso, levando a mão a barba e como de costume, dou uma leve coçadinha nos pelos, depositando toda a minha atenção na Flávia.
— Manda — peço.
— Tenho uma chefe viciada em trabalho. Ela mal se alimenta e quando faz, só come besteiras. No seu último evento, a Agnes passou muito mal. As orientações médicas, são de que tenha uma boa alimentação ou, bom… — Ela faz uma pausa. — Quero contratá-lo para ser o cara que cuidará da alimentação da minha chefe — diz e eu bufo no mesmo instante. Não nasci para ser cozinheiro. Sou um chef, um chef renomado da cozinha sofisticada. Não estudei como um louco, para ser a babá de uma empresária viciada em trabalho. Resmungo internamente.
— Flávia, olha só… — Tento protestar.
— Não, espera! Deixe eu terminar. — Ela me corta. — Adonis, essa é a sua oportunidade, cara, pensa direitinho. Pagarei o triplo que um chef ganharia em qualquer restaurante mais aclamado desse país. — Solto um riso irônico.
— Flávia, pagar o triplo para esse tipo de serviço é no mínimo absurdo! — rebato. A mulher me lança um olhar petulante e eu a olho por um tempo. Ela não pode estar falando sério, né? Isso é loucu…
— Adonis, presta atenção, você ganhará o triplo para fazer apenas três refeições principais e ter a chance de realizar o seu sonho. O que você quer mais? — Meu Deus! Ela está falando sério! Penso completamente surpreso. Eu me ajeito na cadeira, inclino o meu corpo sobre a mesa, e apoio os meus braços nela, olho bem nos olhos da Flávia e suspiro baixo.
— Você está realmente falando isso? — indago, ainda sem acreditar.
— Sim. — Volto a coçar a barba e me encosto na cadeira mais uma vez. O triplo durante um ano, me ajudaria e muito. O meu sonho ao meu alcance mais uma vez. É claro que eu mesmo faria os reparos no prédio, mas daria para pagar a Andréa, e ela faria toda a parte da ornamentação e design.
— Aceito! — digo sem titubear e Flávia sorri vitoriosa.
— Ótimo! Brindaremos então? — pede entusiasmada. Sorrio. Erguemos os nossos copos, o meu de cerveja e o dela de suco, pois segundo a Flávia, ela não bebe em serviço.
— E quando começo essa "aventura"? — pergunto, levando o copo a boca.
— Hoje mesmo — Ela diz, e o copo para um pouco mais da metade do caminho da minha boca. Mais um pouco e com certeza eu me engasgaria.
— Mas só me resta a hora do jantar — protesto. Ela dá de ombros.
— Nem isso, Agnes tem um evento essa noite — avisa.
— E, então?
— Você precisa se mudar e se organizar, para ter como…
— Espera, me mudar, para onde? Por quê? — A corto exasperado, ela bufa de modo audível.
— Você precisa ir morar na cobertura da Agnes, Adonis.
— O quê? — Praticamente grito a pergunta.
— É uma maneira de manter os horários, só isso. Estando lá dentro não haverá atrasos e nem eventualidades. O almoço deverá ser servido na empresa, a Agnes não larga aquilo por nada nesse mundo, a não ser que tenha a ver com trabalho. E o jantar, será servido assim que ela pôr os pés em casa. Ou seja, você terá que estar lá, não importa a hora, entendeu? — Estou pasmo! Então, terei que abdicar da minha liberdade, para poder realizar o meu sonho, é isso? Eu não respondo, apenas a olho por longos minutos. Preciso pensar se isso vale mesmo a pena.
— Adonis, pensa bem, é o seu sonho e você trabalhará com o que gosta — insiste.
— Sei, mas me mudar?
— Isso é só um detalhe. — Um detalhe, isso é verdade. Poxa! Não posso desistir do meu sonho tão fácil assim. Cozinhar é a minha vida, a minha arte, e o bistrô seria a minha realização. Que mal haveria passar alguns meses na casa dessa louca, compulsiva por trabalho?
— Tudo bem, eu aceito o trabalho — digo finalmente. Flávia escancara um sorriso.
— Ótimo! Prepararei os documentos e você, prepare a sua mudança. Esse é o endereço. — Ela arrasta um papel cor de rosa pelo tampo de vidro da mesa, até a metade dela e eu o pego olhando o endereço com admiração.
— Avenida das Flores? — pergunto, olhando a Flávia por cima do pedaço de papel. — Sempre quis conhecer esse lugar, dizem que ele é fantástico.
— Sim, é uma pena que Agnes não saiba aproveitar o bairro em que mora. Aquilo lá é lindo! — sibila e faz sinal para o garçom. O cara chega à mesa em menos de dez segundos e ela lhe entrega um cartão negro, com letras douradas; OuroCard. O homem sai com um sorriso satisfeito.
— Por que não dividimos a conta? — sugiro e ela dá de ombros.
— Na próxima você paga sozinho — retruca, piscando um olho. Rolo os olhos em resposta. Minutos depois estamos saindo do restaurante. Flávia segue direto para a empresa, e eu direto para o meu apartamento. Preciso me organizar, para um trabalho fora do comum.
***
Olho o meu pequeno apartamento, cada pedacinho dele. O lugar é aconchegante e tem uma decoração simples, mas é o meu lugar, o meu cantinho. Decido preparar apenas uma mochila, com algumas peças de roupas, material de higiene pessoal e um par de sandálias. Vai que não dê certo para mim lá. Na minha cozinha pego alguns acessórios que não me separo de jeito nenhum. Vai que essa maluca compulsiva por trabalho não tenha o que eu preciso. Essa mulher dever ser uma velha, de pelo menos cinquenta anos. Não conheço uma pessoa jovem que não goste de sair para curtir, que queira viver entre quatro paredes, assinando papéis.
Adonis Ponho a mochila nas costas e a maleta de acessórios de culinária apoiada em meu braço e subo na moto. Está na hora de conhecer o meu novo espaço de trabalho. Não demora muito e eu estaciono a moto em frente a um prédio luxuoso. Ok, já estive em muitos prédios de luxo, mas esse aqui é… uau! Chego a sentir receio de entrar no edifício e ser barrado só por conta da minha roupa. Definitivamente um jeans rasgado e desbotado, uma camiseta branca e uma jaqueta de couro cor de caramelo, não é roupa para tal ambiente. Suspiro e sigo, observando as pessoas me olhar torto. Que se danem, roupa não é rótulo, meu bem! Ando em direção da recepção sofisticada e uma moça alta e magra, de cabelos negros e lisos me lança um sorriso profissional. — Boa tarde, eu me chamo Adonis Kappas — Começo a falar, mas sou interrompido. — Hum! o chef. — Ela diz, me olhando de cima a baixo e abre um sorriso satisfeito. — Isso, o chef — confirmo e o seu sorriso se amplia. — Último andar, senhor Kappas. É o
Adonis Kappas O lugar é bem tranquilo e parece que sou a única pessoa nesse imenso castelo de vidro. Daqui do meu quarto é possível ver toda a cidade em vida; o movimento do trânsito, das pessoas, as lojas abertas. Linda e deslumbrante, com todas as suas luzes acesas. Já passam das oito da noite e ainda não há nenhum movimento sequer na casa. Decido preparar algo para comer. Flávia disse que a tal Agnes chegaria bem tarde, por conta de um evento social. Pego meu celular e escolho uma playlist. Rooms, começa a tocar suavemente em meus ouvidos, mas com um ritmo levemente dançante. Ponho um avental branco e começo a distribuir a farinha pelo mármore limpo, quebro alguns ovos e ponho as mãos à obra. Um bom chef faz a sua própria massa e cria os seus próprios molhos. Nada de enlatados e de massas, que ficam nas prateleiras dos supermercados por meses a fio. Uma boa massa, tem que ser fresca e um bom molho, não tem conservantes. Meia hora depois, deixo a massa descansar em um tipo de varal
Adonis Dirijo com cuidado o carro designado para o meu trabalho. No porta-malas há uma bolsa térmica com o almoço da minha chefe. Uma deliciosa salada burguesa, com uma mistura de cores e um sabor agridoce, salmão defumado ao molho de laranja e um risoto de camarão, e para adoçar a sua vida, uma generosa fatia de torta de avelã com chocolate. Puxo a respiração quando paro em frente a um prédio muito… muito alto, com duas enormes letras negras e lustrosas no topo do edifício espelhado M. F. Não me perguntem o significado, porque eu não sei. Saio do carro e pego a bolsa no porta-malas e uma maleta com alguns acessórios que precisarei e sigo para dentro do prédio imponente e elegante. O hall não é tão diferente da fachada; tem um ar de poder, de delicadeza e do feminismo ao mesmo tempo. Atrás do balcão tem duas palavras cheias e prateadas, em um fundo totalmente escuro: Model Fashion. Ok, agora sei o significado das siglas. — Bom dia, eu sou… — Adonis Kappas, eu sei, pode ir. Último an
Agnes Ferraço Horas antes do almoço… — Tô só notificando. — Ela diz insistindo no assunto. — Flávia, isso não tem lógica. Um chef especialmente para fazer as minhas refeições, pirou? — Pirei, pirei todinha. Pirei quando vi você caída no chão no meio de um evento. Vivo te dizendo, Agnes pausa. Para um pouco...— Bufo de modo audível. Lá vem ela com aquela ladainha. Sério, escuto isso diariamente, às vezes dá vontade ignorar ela assim, tampando os ouvidos e cantarolando qualquer coisa, só para não a ouvir reclamar. — E você ouviu o médico? — Ok, acabou? — Acabei. — Que bom, ótimo! Quer contratar um chef? Contrata um chef. Fazer o quê? Você é impossível mesmo — resmungo e ela abre um sorriso vitorioso. Saco! — Quando ele começa? — pergunto vencida. — Seria hoje à noite, se você não tivesse essa festinha com o Hernandes. — Pisca um olho e morde levemente a pontinha da língua. Às vezes penso que a Flávia tem algum distúrbio sexual. Sério mesmo, tudo para ela gira em torno disso.
Agnes — Não, você não precisa! — digo, e o medo faz com que a minha voz fria como uma pedra de gelo estremeça um pouco. Adam suspira alto e faz silêncio em seguida. — Tudo bem, se é assim que você quer. Preciso avaliar alguns bens. Você sabe, tudo o que compramos juntos… — Procure um dos meus advogados, e não venha aqui! — falo com irritação e desligo sem esperar a sua resposta. Se arrependeu? Desgraçado! Após longos três anos e agora ele está arrependido? Antes sentia pena de mim mesma, perdi noites e noites de sono, chorei por noites a fio, demorei para me levantar do chão e agora esse imbecil me diz que se arrependeu? Sento na cama e me ponho a chorar. Não sei se de raiva ou se de desespero. Adam não pode vir aqui, ele não pode saber. Com uma respiração profunda, eu me habilito a secar as minhas lágrimas e vou para o banheiro tomar um banho longo e demorado. Depois dessa eu preciso. *** Às cinco da manhã já estou de pé e resolvo sair para uma corrida matinal. O som de Rockabye
Adonis Kappas Uma semana depois… Fazer serviço de carpinteiro não é uma coisa que eu quero para mim, mas nesse momento é necessário. Com a ajuda do Oliver, tiramos praticamente toda a poeira e o lixo que havia se acumulado no prédio. Agora estamos consertando o telhado. Aqui do alto a vista me anima. O prédio antigo fica em uma parte linda da cidade, além de ser bem situado também. Logo mais à frente há um parque florestal, muito visitado. Do lado direito, do outro lado da rua, tem um cinema ao ar livre, daqueles que as pessoas assistem de dentro dos seus carros e um pouco mais a frente, do lado esquerdo do bistrô, há um teatro e uma praça, que além de bela, tem um cloreto de vitral. Sou desperto pelo som do martelo na madeira nova que o Oliver está trocando no teto e volto ao meu trabalho. Quase três horas depois, estamos no prédio e admirando o nosso trabalho.— O teto ficou perfeito! — Oliver diz soltando um suspiro apreciativo.— Perfeito! — repito a palavra.— O que tem para f
Adonis Segunda à noite… Durante o dia não tive muito o que fazer na torre de vidro. A patroa viajou bem cedo, então eu não tinha que cozinhar para ninguém. Como eu disse, dinheiro fácil. Tenho algo comigo em relação a isso. Não gosto de dinheiro fácil, porque eles se vão fácil assim como vieram. Gosto de lutar pelas minhas conquistas e isso está me incomodando muito. O forno faz um sutil sinal sonoro avisando que a lasanha já está pronta. Eu pego as luvas acolchoadas em cima do balcão e após vesti-las, tiro a travessa do forno a levando para o balcão no centro da cozinha. Tiro as luvas e pego um vinho branco na adega. Um par perfeito, para um jantar perfeito. Vinho branco e massa italiana. De repente um cheiro diferente se mistura ao perfume da massa e eu me viro na direção da porta da cozinha e a vejo. A minha chefe, vestida em um elegante conjunto de terninho bege, com singelos detalhes cor de rosa. Ela tem os braços cruzados, rente ao peito, um ombro escorado na soleira da por
Agnes — Sabe o que eu acho? Que você se acha a gostosona, mas você precisa saber, que sem mim, você não é nada! Agnes Ferraço, vive escondida atrás de uma imagem. Olha só para você, Agnes. Está sozinha, e sabe por quê? Porque a única pessoa que te quer, sou eu. — Adam disse mais cedo, quando me parou na entrada do prédio da Fashion e eu não segurei o impulso, e deitei a mão na cara do imbecil, o deixando para trás. Entrei no meu carro em seguida e algumas horas depois, estava trancada no meu quarto, remoendo algo que acabei de fazer bem no meio da minha cozinha. Ainda não estou acreditando que eu fiz aquilo. Não acredito que quase beijei o Adonis, meu Deus! Será que foi pelo que o Adam jogou na minha cara? Eu queria provar algo? Não, eu não preciso provar nada para ninguém. Deve ter sido o vinho, só pode ter sido o vinho. É claro que o culpado foi ele. Eu estava chateada, devido à perseguição irritante do Adam. O filho da mãe, bateu em um dos meus eventos em São Paulo e forçou um